– Não há, no caso do Plano Safra, nada atribuível ou imputável a Dilma, porque a transferência de subvenções ao Banco do Brasil ocorreu no contexto de uma operação complexa que tinha em diversos ministérios seus entes competentes – disse Prado, em defesa de Dilma.
Leia também
Em nenhuma hipótese uma ação condutora de quem quer que seja pode ser considerada ilegal depois de praticada, disse Prado. O jurista ressaltou que a definição da ilegalidade tem que ser sempre anterior a sua prática. E que, no caso específico de Dilma, a conclusão final do Tribunal de Contas da União (TCU) reconhece a originalidade da interpretação, e dá nova interpretação que só poderia valer para o futuro.
– Eu não diria que houve atraso na transferência das subvenções do Banco do Brasil, porque não havia um prazo. O prazo era anual e efetivamente foi cumprido, mas havia uma prática. De toda maneira, o julgamento sobre se essa opção é boa ou ruim não cabe ao Senado da República, cabe ao povo que vota – disse o professor em resposta ao senador Paulo Paim (PT-RS).
Suspeição
No início do depoimento da testemunha, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) voltou a criticar a atuação do procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Júlio Marcelo de Oliveira, e do auditor fiscal de controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU), Antônio Carlos Costa D’Ávila Carvalho, que depuseram na quinta (25) contra Dilma.
PublicidadeVanessa Grazziotin levantou suspeição sobre a conduta do procurador e do auditor, visto que ambos atuaram em conjunto na representação contra Dilma. Prado afirmou ser nulo o ato de agente público que não atue com imparcialidade. Por sua vez, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) leu nota de repúdio divulgada por entidade representativa dos auditores fiscais. A entidade observa que a atuação conjunta dos dois servidores ocorreu dentro do limite de suas atribuições, visto que ambos atuam em atividades de controle externo.
A senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), por sua vez, ressaltou que Dilma não responde por ação de improbidade, e que todos os presidentes enfrentam crises. Em seu entendimento, tanto Fernando Henrique Cardoso quanto Luiz Inácio Lula da Silva praticaram as chamadas pedaladas fiscais, mas Dilma foi prejudicada com uma “mudança de regra no meio do jogo” e enfrentou um ataque sem precedentes promovido por Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados.
Prado concordou, e avaliou que comportamentos semelhantes ao do governo Dilma sempre foram entendidos como lícitos. A mudança de entendimento do Tribunal de Contas, em sua opinião, viola uma “regra de civilização”. A testemunha acrescentou ainda que a violação da meta fiscal não pode ser confundida com infração à Lei de Orçamento, pois, por “razões imprevisíveis”, pode ser necessário alterar a meta em nome de interesses maiores.
Ação dolosa
Em resposta ao senador Lindbergh Farias (PT-RJ), Prado reiterou que o processo de impeachment cumpre uma função apenas “ritualística”, pois não teria havido ação dolosa de Dilma na edição dos decretos e nem na operação relativa ao Plano Safra. O jurista reforçou que os decretos que dão base ao pedido de impeachment passaram por cerca de 20 órgãos técnicos que atestaram a legalidade, e que a presidente não poderia sequer contingenciá-los. Lindbergh lembrou que na Comissão Especial do Impeachment o jurista chegou a chamar o processo de “delirante”, e que com base nos pressupostos que têm vigorado também poderiam resultar no impeachment do ministro Ricardo Lewandowski no STF.
– É preciso que haja uma acusação para que ocorra um processo cuja decisão já está tomada previamente, que é a de depor a presidente – disse Prado.
Questionado pelo senador José Pimentel (PT-CE) sobre a possibilidade de condenar alguém sem que esteja provada a autoria de crime, Prado respondeu que essa condenação seria injusta. Para ele, o fato de os repasses do plano Safra serem maiores no governo Dilma com relação a administrações anteriores não torna as pedaladas um fato ilícito. Ainda que houvesse ilicitude, afirmou, não se caracterizaria crime de responsabilidade.
– A condenação de alguém por crime de responsabilidade sem que haja crime de responsabilidade é injusta. Qualquer tribunal pode cometer injustiças. Quem vai julgar as injustiças, a posteriori, naturalmente não é a história, é o povo – afirmou.
Ao responder a uma pergunta da senadora Fátima Bezerra (PT-RN) sobre a possibilidade de o processo de impeachment ser conduzido por “motivos meramente políticos”, o jurista afirmou:
– Não basta não gostar do governo: é necessário ficar comprovada a prática de um crime de responsabilidade – afirmou.
“Vinganca”
Prado também previu que o tema do impeachment poderá retornar à pauta do Supremo Tribunal Federal (STF), em resposta a um comentário de Fátima Bezerra de que o processo foi deflagrado pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, por vingança pela falta de apoio do PT no Conselho de Ética daquela Casa.
– Em algum momento, o Supremo Tribunal Federal terá que decidir se é válido um processo iniciado por um ato praticado com desvio de finalidade – afirmou.
Em resposta ao senador Jorge Viana (PT-AC), para quem o Brasil “já vive em estado de exceção”, Prado avaliou que o atual processo de impeachment joga o país na “insegurança jurídica”, pois uma maioria parlamentar eventual está derrubando um governo sem que fique tipificado de maneira clara o crime de responsabilidade. Ele chegou a referir-se ao próprio processo contra Dilma como “uma afronta à Constituição”.
– Isso é um precedente muito perigoso até para quem é a favor do impeachment. Quando se abre a porta de Leviatã, ninguém imagina que esse processo pode se voltar contra si – afirmou.
Em resposta a questionamento do senador Randolfe Rodrigues (Rede –AP) sobre o que define o crime de responsabilidade, Prado afirmou que uma “visão aberta de tipo de responsabilidade” sem uma adequação a um comportamento concreto da pessoa acusada, da presidente da República, serve apenas para a interrupção indevida de um mandato legitimamente constituído.
Ainda em resposta ao senador, o professor esclareceu a respeito de dolo e culpa em crimes complexos. Ele explicou que estruturas hierarquizadas, como os governos, envolvem centenas de milhares de pessoas na execução de atos.
– O Direito Penal e o Direito Constitucional não agasalham responsabilizações a título de culpa numa situação como essa. Culpa é um deixar para lá, é ser negligente. Como ser negligente se o ato é praticado, no caso específico dos decretos, com um parecer de trinta assessorias? – questionou.
“Princípio da confiança”
Prado explicou ao senador Cristovam Buarque (PPS-DF) que não houve crime da presidente Dilma e nem de Michel Temer, então vice, na assinatura dos decretos de suplementação de créditos. O professor defendeu o “princípio da confiança” que rege toda a administração pública.
– No exercício dessa confiança, ela busca escolher bem os seus órgãos de assessoramento. No caso dos decretos, além disso, vários deles resultam de procedimentos que vieram ou de outros poderes ou do Tribunal de Contas da União. E sobre a capacidade técnica dessas equipes, a presidente da República não pode influir – argumentou.
O senador Reguffe (sem partido-DF) garantiu ter em mãos um documento do Banco do Brasil em que a equalização de juros do Plano Safra é tratada como operação de crédito. Ele perguntou ao jurista se um presidente pode fazer isso, mesmo sendo proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em resposta, o jurista respondeu que o Plano Safra envolve, sim, uma operação de crédito, mas entre o banco e os produtores. Prado disse ainda que essa controvérsia foi resolvida “de maneira exemplar” no parecer do Ministério Público Federal, que apontou a inexistência de crime nas pedaladas fiscais.
O senador Magno Malta (PR-ES) lembrou que muitos prefeitos e governadores estão tendo problemas porque fizeram suplementação à revelia das Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas. Ele questionou o jurista sobre a diferença entre esses casos e o da presidente afastada.
Para o jurista, a presidente, ao editar os decretos de suplementação de crédito, estava amparada por um artigo da Lei Orçamentária Anual de 2015. Ele disse não ser possível comparar com esses outros casos, porque em cada uma das situações, seria preciso verificar se houve esse amparo da lei.
– É necessário saber se havia respaldo legal e, se eventualmente não havia respaldo legal, saber se a ausência de respaldo legal em si implicaria em uma violação do princípio da separação dos poderes – afirmou.
Para a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), o processo contra Dilma é “um rito à procura de um conteúdo”, visto não haver qualquer crime de responsabilidade. Ela ainda qualificou como “um conluio vergonhoso” a atuação do TCU no processo, por entender que o órgão “criou um crime” para justificar a derrubada de Dilma, a partir dos depoimentos prestados por técnicos convocados pela própria acusação.
Na resposta, Prado disse entender que o Senado não teria condições de imputar o crime de responsabilidade contra Dilma, a partir do momento que o próprio Ministério Público afirma que a presidente afastada não agiu com dolo no caso das pedaladas.
– ‘Responsabilidade’ é apenas um adjetivo no conceito constitucional de crime de responsabilidade. Se não há ‘crime na conduta da presidente, é impossível haver o crime de responsabilidade – frisou.
Legal x político
No processo democrático, insistiu Prado, é necessário ter um crime de responsabilidade muito bem delimitado, para não colocar em risco as conquistas democráticas. O ponto de vista foi manifestado pelo jurista em resposta ao senador Paulo Rocha (PT-PA), que havia perguntado qual o limite entre o legal e o político no impedimento de presidente da República. Quando se fala em processo político, o que se pretende dizer é que se trata de julgamento de conveniência, o que, conforme observou, a Constituição não admite.
Ao responder a um questionamento da senadora Regina Sousa (PT-PI), Prado avaliou que, com o processo contra Dilma, toda a administração pública estará sob insegurança jurídica. Segundo ele, prefeitos e governadores, mesmo agindo de acordo com a lei, poderão se tornar reféns de maiorias eventuais nas respectivas câmaras e assembleias legislativas. Para o jurista, os efeitos jurídicos de “não se guardar uma correlação entre crime de responsabilidade e impeachment são muito graves, e o principal deles é a insegurança jurídica”.
Em resposta a questionamento do advogado de defesa, José Eduardo Cardozo, Prado assegurou que um encaminhamento de projeto do Executivo para alteração da meta, em momento de assinatura de decreto de abertura de suplementação de crédito, não significa descumprimento da lei. O jurista lembrou que os pareceres recebidos por Dilma diziam que a meta não seria alterada e não houve nenhuma intervenção para alteração do procedimento de abertura de crédito.
– Ela não teria condições de prever a situação socioeconômica de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro. A partir de uma avaliação responsável, ela pensou: “Qual a relação [da alteração da meta] com um decreto cujas verbas já tinham sido recolhidas aos cofres públicos?”. Não há dolo nisso, não há nenhuma relação. São duas dimensões absolutamente distintas – afirmou.
Participação “orientada”
A advogada pela acusação, Janaína Paschoal, considerou a participação de Prado na sessão como “opinativa” e orientada na direção de sustentar os argumentos da defesa de Dilma Rousseff. Disse respeitar o posicionamento do presidente da sessão, ministro Ricardo Lewandowski, de considerar o depoimento do jurista como sendo o de uma testemunha, embora discorde.
Janaina também questionou Prado sobre sua afirmação de que o STF poderia rever a decisão a ser tomada pelo Senado em caso de condenação, sob a alegação de que o direito à ampla defesa de Dilma tenha sido em algum momento cerceado. A advogada garantiu que em toda sua carreira “nunca viu” um processo em que a defesa poderia arrolar oito testemunhas para cada acusação.
Janaina lembrou ainda que o processo está relacionado à instrumentalização praticada “por anos” em relação a bancos públicos, também sonegando informações buscando uma “maquiagem contábil” das contas. Questionou Prado sobre a realidade brasileira, reforçando que é comum a condenação de cidadãos comuns pela sonegação de informações em relação a processos bem mais simples, relacionados entre outros à carteira nacional de habilitação ou à declaração de renda.
Na resposta à advogada de acusação, o jurista discordou de que sua atuação no caso, tanto hoje como em todo o processo, seja “opinativa”. Garantiu que toda sua atuação na área jurídica é pautada pelos princípios da investigação científica, e que está preparando um livro dentro deste rigor em relação ao processo contra Dilma.
Prado garantiu ainda que questões relativas ao direito à ampla defesa ainda podem ser objeto de revisão, pois em última instância compreende que o que vem sendo cassado são os 54 milhões de votos dados a Dilma Rousseff. Disse que ele mesmo atuou no Rio de Janeiro em processos quando teve que tratar com inúmeras testemunhas, citando especificamente o caso contra o bicheiro Castor de Andrade, quando ouviu mais de 500.
O jurista disse ainda à Janaína que em sua carreira presenciou “muitas injustiças” feitas pelo Poder Judiciário, como pessoas sendo presas por casos envolvendo “10 reais” ou outros que após anos de prisão preventiva, receberam penas bem menores. Mas que o caso envolvendo Dilma deve ser tratado com rigor científico, como um processo único, portanto não pode ser comparado a outros.