Celso Lungaretti*
Em julho noticiei e comentei que uma mulher fora praticamente assassinada pela incúria do Hospital Estadual de Vila Alpina (na capital paulista), o qual, mesmo diante das evidências gritantes de que se tratava de procedimento de alto risco, ainda assim a submeteu a longa espera na tentativa de forçar o parto normal (leia mais).
Foi o suficiente para eu receber uma enxurrada de mensagens de um tal GestaMga, grupo de mulheres defensoras do parto normal, tentando me convencer de que se tratava de uma fatalidade e que o chamado parto humanizado é infinitamente superior à cesárea.
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Eu me baseara na reportagem de um jornal de bairro que me caiu por acaso nas mãos, a Folha da Vila Prudente. Tive interesse em acessá-lo nas semanas seguintes e acompanhei os desdobramentos do episódio: outras famílias se queixando de danos terríveis às parturientes ou aos bebês pela mesmíssima insistência em forçarem o parto normal, contra a vontade das pacientes; panos quentes e explicações inconvincentes da Secretaria de Saúde; alguma repercussão na mídia.
Liguei para o repórter responsável pela série, Rafael Gonçalo, e fiquei sabendo que a proporção de partos normais no Hospital da Vila Alpina ultrapassa 75%. Trata-se, em suma, de hospital escolhido pela Secretaria de Saúde como cartão postal das excelências do tal parto humanizado. Daí o empenho das fanáticas do GestaMga em abafar o caso.
Mas, se esse grupo me pareceu um tipo de Liga das Senhoras Católicas – mulheres ricas atrás de alguma ocupação para preencher seu tempo ocioso –, desconfio que o empenho da Secretaria da Saúde não se deva apenas à obsessão em impor às coitadezas a solução que é melhor para elas. Afinal, o parto normal sai muito mais barato para os cofres estaduais e a vida me ensinou que quem pensa o pior dos governos, quase sempre acerta.
Enfim, autoridades e fanáticas têm todo direito de tentarem persuadir as gestantes pobres de que o parto normal é melhor para elas, mas nenhum direito de forçá-las a abdicar da cesárea, se é o que elas preferem.
E, muito menos, de agirem sorrateiramente, não esclarecendo de antemão à gestante que tudo farão para que o parto seja normal.
Essas infelizes obrigadas a recorrer à rede pública estão, na verdade, servindo inadvertidamente como garotas-propaganda de uma campanha promocional do parto humanizado.
Isto é tão inadmissível como as experiências com cobaias humanas que os nazistas desenvolviam e nos causam tanta repugnância quando as vemos nos filmes.
Parece que perdemos a capacidade de indignarmo-nos com os descalabros presentes.
*Celso Lungaretti, 57 anos, é jornalista e escritor. Mantém os blogs O Rebate, em que publica textos destinados a público mais amplo; e Náufrago da Utopia, no qual comenta os últimos acontecimentos.