Apesar de ter se passado meia década depois de o Congresso em Foco revelar que deputados e senadores usaram dinheiro público para viajar e ceder passagens aéreas a terceiros, nenhum político foi punido. A farra das passagens, na verdade, se arrasta nos escaninhos da Justiça há bem mais tempo. Há oito anos, um inquérito criminal se arrasta entre o Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal e a Procuradoria Geral da República (PGR). A apuração sigilosa tem 20 investigados. Pelo menos cinco são parlamentares.
O objetivo é saber se políticos participaram do comércio de créditos aéreos. O mercado clandestino de bilhetes do Congresso não poupou nem o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que voou, ao lado de sua esposa, para os Estados Unidos, na cota do então deputado Paulo Roberto Pereira (PTB-RS), como mostrou este site. Gilmar comprovou ter pago a passagem com seu próprio cartão de crédito e cobrou explicações da Câmara sobre o caso.
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Mas o inquérito sobre o comércio clandestino da cota aérea tramita na PGR e no STF sem qualquer solução desde 2006. Parte da investigação é baseada em reportagens do Congresso em Foco. Questionada várias vezes desde setembro do anos passado, a Procuradoria-Geral da República não informou o andamento do processo e os nomes de todos os investigados. Mas a reportagem apurou que três deles são os deputados Aníbal Gomes (PMDB-CE) e Dilceu Sperafico (PP-PR) e o agente Pedro Damião Pinto Rabelo.
O embrião das apurações criminais no Supremo Tribunal Federal (STF) surgiu há dez anos, a partir de 2004, quando Pedro Damião Pinto Rabelo, da agência Morena Turismo, passou a prestar depoimentos à Polícia Legislativa da Câmara. Num deles, disse que deputados vendiam, diretamente para ele, créditos de passagens. “Que frequenta a Câmara dos Deputados para transacionar passagens aéreas oriundas tanto da sua empresa de turismo quanto da cota de passagens de Deputados, sendo estas negociadas diretamente com os respectivos parlamentares; QUE compra passagens aéreas dos parlamentares com deságio que varia de quinze a vinte por cento; QUE prefere não nominar os parlamentares”, afirmou Pedro Damião em oitiva em junho de 2005.
A atividade dele continuou nos anos seguintes. em 2009, por exemplo, o então deputado Raymundo Veloso expedia autorizações para que o agente usasse seus créditos em benefício de terceiros. É o que mostra documento obtido pelo site e que integra o inquérito da PGR (veja fac-símile acima). Damião não era o único, o agente Elói Xaveiro afirmou à polícia nos anos 90 que fazia o mesmo. Reportagens do site mostraram ainda a existência de outros operadores de turismo que atuavam no mercado paralelo de bilhetes pagos com dinheiro público e que iam parar na mão de terceiros, muitas vezes sem saber a origem das passagens.
Parte do caso relatado por Pedro Damião à Polícia Legislativa foi revelada pelo Congresso em Foco já em 2008, em reportagem que apontava a participação de um assessor que passou pelos gabinetes dos deputados Daniel Almeida (PCdoB-BA), Lino Rossi (PP-MT) e Edmilson Valentim (PCdoB-RJ).
Ministro se queixa de demora na investigação
Nesse atual inquérito em tramitação no STF, eram 18 investigados até a metade do ano passado, com muitos casos diferentes de suspeitas de que parlamentares negociaram um benefício que, para o Ministério Público, só poderia ser usado para trabalho.
De acordo com o relator do inquérito no Supremo, ministro Teori Zavascki, apesar da quantidade de pessoas citadas, são vários casos diferentes. “Não há estrita relação entre as provas produzidas em cada caso que envolve o desvio e a comercialização de cotas de passagens aéreas relativas a parlamentares diferentes”, afirmou ele, em despacho de agosto do ano passado.
Em 2009, o Congresso em Foco mostrou centenas de deputados e senadores usando suas cotas para passear pelo Brasil. A investigação da PGR foi ampliada. Com base nas reportagens do site, a Câmara dos Deputados abriu uma investigação interna, que puniu apenas servidores em 39 gabinetes de deputados.
Apesar da grande quantidade de gabinetes, a apuração interna embasou um outro inquérito no STF contra apenas três deputados: Aníbal Gomes (PMDB-CE), Dilceu Sperafico (PP-PR) e Vadão Gomes (PP-SP), hoje fora da Câmara. No ano passado, o presidente do Supremo, ministro Joaquim Barbosa, determinou que os dois inquéritos fossem unificados, atendendo a pedido do Ministério Público. Com isso, o número de investigados no inquérito subiu de 18 para 20.
“A prática ilegal, intermediada por Pedro Damião Pinto Rabelo, entre outros, teve continuidade nos anos seguintes, adentrando o ano de 2009, momento em que foi instaurada a sindicância [da Câmara]”, escreveu o então procurador-geral da República Roberto Gurgel. Segundo ele, o caso é “amplo” em relação “ao número de parlamentares investigados”.
Ou seja, dos atuais 20 investigados no inquérito que se arrasta há oito anos, há pelo menos cinco parlamentares, incluindo Aníbal Gomes e Dilceu Sperafico. Isso não quer dizer que eles, necessariamente, desviaram dinheiro ou cometeram algum outro crime, mas que o Ministério Público quer esclarecer situações com indícios de irregularidade.
Alto consumo
O deputado Aníbal Gomes (PMDB-CE) – que se destacava pelo alto consumo de passagens – e seus advogados não têm prestado esclarecimentos ao site.
Já Dilceu Sperafico (PP-PR) afirmou que não houve comércio de bilhetes em seu gabinete. Ele disse que recorria ao colega Aníbal Gomes para resolver situações de emergência e “facilitar”. “Os funcionários tinham uma amizade. Pediam ao gabinete, que fazia essas reservas. Depois a gente entregava o voucher, e eles emitiam passagens para terceiros. Aí, aparentemente, haveria essa comercialização”, contou Sperafico ao Congresso em Foco.
O agente Pedro Damião Pinto Rabelo não foi localizado pelo site.
Ministro se queixa de demora na investigação
Após cinco anos, políticos ficam impunes por farra das passagens