Congresso está “amarrado até o talo” com empresas, diz líder do MTST
Congresso em Foco – O senhor já demonstrou descrença em relação ao Congresso Nacional. Declarou que os parlamentares não fazem mudanças necessárias ao Brasil porque isso significaria que privilegiados abrissem mão de seus benefícios e que o Congresso é a antítese da participação popular e um balcão de negócios, onde se faz o jogo de interesses privados. Como então as mudanças, considerando as defendidas pelo MTST, podem ser viabilizadas? Essas mudanças não dependem do Congresso?
Guilherme Boulos — As mudanças que defendemos dependem, em grande medida, do Congresso. O problema é que a composição do Congresso, no atual sistema político, jamais levará adiante essas mudanças. Reforma política, reforma tributária progressiva e reforma urbana – para ficar só nessas três – representam mudanças que exigiriam uma independência e conflito em relação aos interesses privados, ao grande capital. Mas, em nosso sistema político, os congressistas estão amarrados até o talo com esses interesses. A equação é antiga: financiamento privado de campanha significa atrelamento político.
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O MTST já tentou estabelecer diálogo com o Congresso? O MTST descarta qualquer diálogo com o Congresso? Por quê? Há algum congressista com quem vocês contam no Congresso? Quem?
O MTST já buscou diálogo com o Congresso. Há inúmeros projetos de lei importantes para nós, que representam anseios populares, que estão engavetados há anos por lá. Por exemplo, o projeto que regulamenta o cumprimento das ações de reintegração de posse, assegurando direitos humanos aos removidos. Mas quem tem trânsito livre no Congresso não somos nós, são os lobistas e representantes das grandes empresas. Mas temos também a clareza em não fazer uma generalização vazia. Há certamente parlamentares comprometidos com os interesses populares – alguns do PT e do Psol – mas infelizmente são uma pequena minoria.
Quais as principais mudanças defendidas pelo MTST na lei do inquilinato? Por quê?
Os temas principais para nós são o controle público sobre o valor dos aluguéis e a garantia de direitos dos inquilinos em caso de despejo. Em relação ao controle dos aluguéis é importante contextualizar o problema. O valor médio dos aluguéis subiu 97% em São Paulo e 144% no Rio de Janeiro nos últimos seis anos. Isso alavancou um processo de exclusão de milhares de pessoas para bairros ainda mais periféricos e com menor infraestrutura urbana. É preciso regular este processo. Hoje é só a lei de mercado, oferta e procura. O resultado é catastrófico, especialmente para os mais pobres. E é importante que se saiba que não estamos propondo nenhuma invenção. Houve controle do valor dos aluguéis no Brasil desde 1921 até a ditadura militar. Foram os militares, com sua política antipopular, que acabaram com isso.
Quais as principais mudanças defendidas pelo MTST na lei de desapropriações? Por quê?
A lei de desapropriações no país premia o especulador. Uma área ociosa, que não cumpre função social, pode ser desapropriada pelo Estado. Mas os governos são obrigados a pagar em valor de mercado e à vista. Isto é um absurdo! Há proprietários que festejam a desapropriação e fazem até conluios para que elas ocorram. Quem especula com a terra – urbana ou rural – tem que ser punido e não premiado pela lei. Então, propomos o seguinte: se a terra está sendo usada para especulação deve ser objeto de desapropriação compulsória, pelo valor venal e com pagamento em títulos da dívida pública. Isso é o mínimo para uma política urbana séria.
Não há previsão de reforma política. Enquanto isso, empreiteiras continuam financiando campanhas eleitorais e, conforme você disse em resposta anterior, cobram as faturas dos parlamentares e dos gestores do Executivo. É possível contornar isso sem reforma política? Como?
Há atualmente uma ADI [ação direta de inconstitucionalidade] da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] em tramitação no STF [Supremo Tribunal Federal] exigindo o fim do financiamento privado, caracterizando-o como inconstitucional, o que de fato é. Se o STF julgar positivamente, será um primeiro passo, um avanço no sentido da construção de uma reforma política. Agora evidentemente só isso não basta. É preciso uma reforma mais profunda, que mexa com todos os alicerces da captura do Estado pelos interesses privados.
O MTST já conseguiu retorno, por exemplo, do governo federal em relação a algumas reivindicações. As manifestações são atualmente o único caminho ou o mais eficiente caminho para se lutar contra o sistema? Vê outras possibilidades? Quais?
O povo só é escutado quando vai às ruas. Desde sempre foi assim e este é um caminho legítimo. Reduzir a participação política ao voto de quatro em quatro anos é a concepção tacanha de democracia que o capitalismo neoliberal tentou impor a todos. Querem com isso imobilizar as forças vivas da sociedade.
O senhor já declarou que vê o descontrole no mercado imobiliário como efeito colateral do crescimento econômico do Brasil nos últimos anos. Defende a regulação do mercado imobiliário. Na visão do MTST, quais pontos não poderiam deixar de ser incluídos em uma eventual regulamentação?
A principal delas seria as mudanças na lei do inquilinato, à qual já me referi. Mas é preciso também retomar a política de um banco de terras público. O Estado não pode deixar o monopólio das terras urbanas para o setor privado, isso leva à inviabilização de uma política urbana popular. É preciso taxar de forma pesada e progressiva os grandes imóveis ociosos, desestimulando a especulação. E também projetos públicos ousados nas grandes cidades para combater a segregação territorial, criando condições para que os trabalhadores mais pobres possam viver nas regiões centrais e não apenas nas periferias. Esses são alguns pontos que o MTST defende numa política de reforma urbana e regulação do mercado imobiliário.
O senhor também já declarou que qualquer política habitacional enxuga e vai sempre enxugar gelo. É possível frear especulação imobiliária sem regulamentação do mercado imobiliário? Como?
É absolutamente impossível. Se não se frear o mercado, a cidade se tornará cada vez mais excludente e produzirá novos trabalhadores sem-teto a cada dia.
O Psol tem posições que mais agradam o MTST, conforme já citado pelo senhor. No entanto, já foi dito também que o movimento preza pela sua autonomia e, sendo assim, não pretende declarar apoio a nenhum partido e a nenhum candidato. Correto?
O MTST não é purista. Não acha que partido político é doença contagiosa. Esse, aliás, é o discurso da direita fascista, que demoniza a política para poder fazer a sua política. Temos relação com partidos e parlamentares que defendem um projeto político próximo do nosso. Mas isso não significa para nós entrar no jogo institucional, de disputa eleitoral. Não achamos que esse seja o caminho.
Mas o senhor, particularmente, vai votar em candidatos [para Legislativo e para Executivo] do Psol? Já escolheu seus candidatos? Quem são eles? Diante de tanta descrença no sistema, avalia anular o voto? Por quê?
Não vou declarar voto publicamente porque isso tende a ser interpretado como uma posição do movimento. E o MTST não definiu ainda qualquer posição para estas eleições.
O acordo firmado recentemente entre o governo federal e o MTST prevê a ampliação do limite, por entidade, de mil para até 4 mil unidades do programa “Minha Casa Minha Vida” (MCMV). Em relação a esse programa, quais as outras reivindicações do movimento?
O MCMV precisa de mudanças profundas se quiser de fato produzir moradia digna para aqueles que mais precisam. Uma delas é fortalecer a gestão direta dos projetos e obras pelos futuros moradores, que é o MCMV Entidades. Precisa de mais cota e mais recursos. Mas não só. É preciso focar o programa de forma ainda mais enérgica nas famílias com renda menor que três salários mínimos, que representam 70% do déficit habitacional brasileiro. É preciso que o programa entre também na questão da terra e não só no financiamento de construção. Isso significa associá-lo a uma política nacional de desapropriações, possibilitando assim uma melhor localização urbana dos empreendimentos populares. Além disso, é preciso reduzir a margem abusiva de lucro das construtoras no programa, com o aumento das exigências de qualidade e tamanho mínimo das moradias construídas. Sem essas medidas, o MCMV permanecerá um programa mais atraente para os interesses privados do que para os interesses sociais.
Vocês já disseram que o Ministério Público deveria se preocupar mais com os cadastros das secretarias de Habitação e com os recursos que vão para as grandes empreiteiras. Acham que o Ministério Público não se preocupa com isso também? Por quê?
O MP é essencialmente conservador, com honrosas exceções. A especulação imobiliária explodiu no Brasil nos últimos anos, os interesses privados das grandes empreiteiras tomaram as rédeas da política urbana e não vimos o MP abrir inquéritos para investigar as relações promíscuas entre essas empresas e governantes, entre elas e os partidos políticos. O MP está preocupado em impedir o crescimento das ocupações urbanas mas não demonstra o mesmo afinco em questionar as terras que não cumprem função social, violando a Constituição. É evidente que há promotores, seja no Ministério Público Federal ou nos estaduais, que têm uma atuação crítica e séria no combate a esses descalabros. Por exemplo, Jefferson Dias e Sérgio Suiama, do Ministério Público Federal, ou Eduardo Dias e Sérgio Mendonça, do Ministério Público de São Paulo, são promotores que vejo estarem seriamente comprometidos com a justiça social. Mas infelizmente grande parte quer fazer o jogo do poder e estar nos holofotes das corporações da mídia.
Por meio do decreto que instituiu a política nacional de participação social, a presidência da República pretende, em tese, estimular a participação dos conselhos, movimentos sociais e da população em medidas do governo. Em crítica ao decreto, o senhor já disse que esses conselhos não deliberam sobre políticas públicas. Na sua avaliação, o decreto é totalmente negativo? Por quê?
Não consideramos o decreto negativo. Ele é insuficiente, exatamente por manter os conselhos de participação com caráter essencialmente consultivo. Participação popular de verdade não é só ouvir o que o povo organizado quer, é seguir essas orientações na política pública. Este é o problema.
Há parlamentares tentando derrubar o decreto sob a alegação de que o dispositivo interfere no processo de criação de leis. Considerando suas críticas ao Congresso, se o decreto realmente tirar poder dos parlamentares no que tange à legislação, isso não seria algo positivo? Por quê?
A grande questão é que o decreto não tira nenhum poder do Congresso. Infelizmente, porque o Estado não deve ter o monopólio do poder político. As formas de participação popular deveriam existir com este conceito. Mas não é o caso desse decreto. A grita toda que se fez tem objetivo puramente eleitoreiro, de criar um fato político para uso em outubro. É uma falsa polêmica.
O senhor descarta se candidatar, ainda que em um futuro mais distante, a qualquer cargo eletivo [Executivo ou Legislativo]? Por quê?
O MTST é claro em sua decisão de não participar do processo eleitoral. Isso porque acreditamos firmemente que as mudanças que defendemos não serão alcançadas por dentro deste sistema político, nas condições que hoje estão postas. Por isso, essa possibilidade está descartada.
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