Edson Sardinha |
No centro do embate entre oposição e base governista no Senado, o projeto de lei que regulamenta as parcerias público-privadas (PPPs) vai sofrer modificações antes de ser levado a votação. Apesar da pressa do governo para aprovar a proposta, a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), reconhece que o texto precisa de aperfeiçoamentos, principalmente no que diz respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal. Na semana passada, o ministro do Planejamento, Guido Mantega, admitiu propor um teto para o comprometimento das receitas dos estados e dos municípios com projetos da parceria público-privada. O limite ainda deve ser definido com representantes das lideranças partidárias no Congresso. Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Ideli cobra dos oposicionistas a apresentação de emendas para tornar mais transparentes as regras para o investimento privado em infra-estrutura, estabelecido pelas PPPs. “A oposição precisa parar de fazer discurso e apresentar proposta. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), por exemplo, apresentou quatro emendas, mas nenhuma delas trata das inúmeras questões por ele levantadas”, reclama. Leia também Membro da CPI mista do Banestado, Ideli garante que as investigações serão concluídas em dezembro, com a apresentação de mudanças no arcabouço jurídico que trata da evasão de divisas. Na avaliação dela, a comissão já produziu resultados, ao abastecer com documentos a Polícia Federal, responsável pela prisão, há duas semanas, de uma centena de doleiros suspeitos de irregularidades durante a Operação Farol da Colina. Além de ampliar o prazo para a prescrição dos crimes fiscais, a CPI deve regulamentar as forças-tarefas, que passariam a ser órgãos permanentes de investigação de denúncias de sonegação fiscal, e propor maior interação entre os órgãos federais nos processos de fiscalização, adianta a senadora. Para levar as sugestões adiante, deputados e senadores terão de mudar o comportamento, alerta Ideli. “É preciso parar o tiroteio, focar na investigação, cuidar para não haver mais vazamento de informação, rever alguns procedimentos que têm questionamento a respeito da legalidade e concluir o trabalho”, pondera. Congresso em Foco – A senhora concorda com o presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), quando ele diz que o governo fomenta a obstrução da oposição nas votações? Ideli Salvatti – Nós estamos vivenciando um período difícil para as votações por causa do clima da disputa eleitoral. A oposição fez um prognóstico, que não se confirmou, de que nós teríamos dificuldade para federalizar a campanha. Os indicadores econômicos desmentiram as previsões, o país voltou a crescer, com recordes de exportação, diminuição do desemprego e crescimento das transações em conta corrente. Isso tirou o chão e o discurso da oposição. A tendência é que eles tragam para a Casa todas as dificuldades encontradas nas ruas. “A oposição fez um prognóstico, que não se confirmou, de que nós teríamos dificuldade para federalizar a campanha” O excesso de medidas provisórias não contribui para isso? As medidas provisórias que trancam a pauta facilitam a tarefa deles (oposição). Mas, no Senado, a Lei de Informática é que foi o ingrediente que impediu as votações, porque é um projeto de lei que tem urgência constitucional. Nem o presidente da República pode tirar a urgência dele porque o prazo de encaminhamento do projeto está na Constituição. A polêmica que o assunto trouxe não passa pelo confronto entre oposição e governo, mas pelo conflito de interesses envolvendo a Zona Franca de Manaus e vários estados que têm indústrias de informática. O governo não tem uma parcela de culpa ao editar um número expressivo de medidas provisórias? As medidas provisórias têm sido editadas em um volume significativo, mas o que emperra é a forma de tramitação das MPs. Já propusemos, e não houve consenso, para que o início da tramitação se alternasse na Câmara e no Senado. Isso desafogaria as duas Casas, mas os deputados não querem abrir mão do direito que têm hoje de dar a palavra final sobre esse tipo de matéria. Fizemos outra proposta, que ainda não foi aceita, para que o tempo de tramitação de uma MP pudesse ser dividido entre Câmara e Senado. Hoje todo o tempo de tramitação é esgotado na Câmara e ela só chega trancando a pauta no Senado. Isso dificulta sobremaneira o nosso trabalho. A forma como as medidas provisórias tramitam é o mais prejudicial, é o que faz a pauta ficar trancada com muita freqüência, contribuindo para essa obstrução. Num clima pré-eleitoral como esse, cria-se um caldo de cultura para que as coisas não avancem ou andem muito pouco. “A forma como as medidas provisórias tramitam é o mais prejudicial, é o que faz a pauta ficar trancada com muita freqüência, contribuindo para essa obstrução” Mas hoje é mais conveniente para o governo manter o início da tramitação na Câmara, porque a última palavra sai da Casa onde ele tem maioria… É mais conveniente. Por outro lado, na Casa em que nós temos mais facilidade para negociar, eles têm todo o prazo do mundo para discutir. No Senado, onde temos mais dificuldade para votar, as MPs já chegam trancando a pauta. Essas conveniências não são muito compatíveis com a realidade. A expectativa é de que as eleições de outubro mudem a correlação de forças no Congresso? O resultado de uma eleição sempre traz conseqüências. Muda-se a correlação de forças e até a disposição de determinados segmentos, mesmo porque a oposição também não é homogênea. Se houvesse homogeneidade na oposição no Senado, não teríamos aprovado duas reformas constitucionais no ano passado, porque o governo não tem e nunca teve 49 votos aqui. Esses grupos que estão no PFL e no PSDB é que permitem que façamos as negociações, avancemos e aprovemos todas as questões. Nós vamos ter modificações nesse cenário, obviamente, mas não dá pra prever quais serão. Seria algo temerário antecipar em 30 ou 40 dias o resultado que virá das urnas. “Se houvesse homogeneidade na oposição no Senado, Após as eleições, a tendência é o governo ter uma base mais sólida no Senado? Eu espero. Nós estamos trabalhando para isso. Estamos confiantes de que o resultado da eleição nos ajudará, mas só poderemos confirmar isso depois de outubro. Isso ocorreria com a migração de parlamentares da oposição para partidos da base? Já há algumas sinalizações de parlamentares que estão descontentes com o clima em suas bases e nos seus partidos. Devemos ter algumas modificações partidárias que podem beneficiar a base do governo. “(Após as eleições) Devemos ter algumas modificações partidárias que podem beneficiar a base do governo” O clima entre governo e oposição ficou ruim também por causa da CPI do Banestado. Ela vai mesmo até o fim das investigações? Ela vai ter o seu trabalho concluído. Mas, para isso, precisamos colocar ordem na casa, despartidarizar a discussão, o que está muito explícito no nível dos procedimentos e da ação das lideranças. Precisamos trabalhar com normas mais claras e corretas, porque houve muitos procedimentos incorretos na CPI. Quais, por exemplo? Todas as questões de protocolo, o trânsito e a guarda dos documentos, além da quebra dos sigilos (bancário, telefônico e fiscal) em bloco. A partir do momento em que a comissão foi alertada sobre as irregularidades, passamos a fazer pedidos individualizados. Mas precisamos refazer pedidos que foram quebrados em bloco. Se não procedermos assim, corremos o risco de não poder usar como prova tudo o que foi investigado a partir dali. Estamos numa operação para acalmar os ânimos, para que a CPI possa concluir seus trabalhos. A gravidade daquilo que nós estamos investigando veio a público na Operação Farol da Colina, que foi toda baseada em documentos repassados pela CPI à Polícia Federal. “A gravidade daquilo que nós estamos investigando veio a público na Operação Farol da Colina, que foi toda baseada em documentos repassados pela CPI à Polícia Federal” A partir de que momento a CPI saiu dos trilhos? Ela começou a não funcionar a partir do mês de abril. Os problemas foram agravados, depois, pelos vazamentos de informação, que tinham digitais, porque eram todos focados numa determinada direção. “Os problemas foram agravados, depois, pelos vazamentos de informação, que tinham digitais, porque eram todos focados numa determinada direção” Quem deixou essas digitais? Isso está claro, não vou dizer nomes. Basta você ver quem foi atingido pelos vazamentos. Daí, podemos dizer obviamente quem tinha interesse em atingir quem. Mas a CPI vai resultar em que? Serão apresentadas várias alterações na legislação. No ano passado, apresentei um projeto para que os crimes fiscais tenham ampliação no prazo para não prescrever. Hoje a sonegação fiscal prescreve em cinco anos. Temos vários casos em que a investigação leva mais tempo e, até o caso ser julgado, o crime já prescreveu. A base governista poderia ter se envolvido mais nas investigações? Depois do que começou a acontecer em abril, toda essa partidarização, creio que isso não tenha tido influência. De lá pra cá, o clima ficou muito ruim. A senhora acredita que a CPI vai atingir os seus objetivos iniciais? A CPI já produziu efeitos. Quando ela se iniciou, nós tínhamos um único processo judicial aberto relacionado a evasão de divisas, uma investigação que já vinha se arrastando há quatro ou cinco anos, conduzida pelo Ministério Público do Paraná. Depois do início dos trabalhos da CPI e de outras ações tomadas pelo ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), através de relacionamentos com os Estados Unidos, que eram a fonte principal das informações para a condução das investigações, começamos a ter resultados. Nós já temos centenas de pessoas processadas e presas. A Operação Farol da Colina só pôde ser realizada por causa da documentação trazida dos Estados Unidos pela CPI e que não passou pelo tratado jurídico que existe entre os dois países. “A CPI já produziu efeitos (…) Nós já temos centenas Mas ela pode ir além disso? Pode ir além, apresentando propostas na legislação sobre os mecanismos de controle. Há algo absurdo nessa área no Brasil. Um órgão do governo não pode acessar outro para fazer cruzamento de dados. Por exemplo, a Receita Federal não fiscaliza aquilo que é remetido pelos bancos. Ou seja, ela não pode fiscalizar. O banco, por sua vez, não tem nenhum mecanismo de confirmação da autenticidade do CPF do cliente. Precisamos trabalhar muito na interligação dos órgãos federais. Também há uma proposta para que seja aprovada uma legislação para regulamentar as forças-tarefas. Elas são pontuais, mas não têm respaldo legal, precisam ser órgãos permanentes de investigação. Para isso, porém, precisamos concluir a CPI. O prazo é dezembro, temos plenas condições de concluir as investigações, desde que acalmemos os ânimos. É preciso parar o tiroteio, focar na investigação, cuidar para não haver mais vazamento de informação, rever alguns procedimentos que têm questionamento a respeito da legalidade e concluir o trabalho. “É preciso parar o tiroteio, focar na investigação, cuidar para não haver mais vazamento de informação, rever alguns procedimentos que têm questionamento a respeito da legalidade e concluir o trabalho” Em meio a essa briga toda na CPI, a votação do projeto das Parcerias Público-Privadas (PPPs) vai ficar mesmo para depois das eleições? Não. A intenção do governo é votar as PPPs antes das eleições. Mas, quanto mais nos aproximamos de outubro, a perspectiva de avançar é menor. Uma parte da oposição está levantando questionamentos que não têm nada a ver com o mérito do projeto, mas com o mérito das eleições. Inclusive fazendo insinuações e acusações que acabaram em interpelação judicial. Essas questões de tensão pré-eleitoral acabaram contaminando todo o esforço concentrado. Temos consciência de que o projeto precisa ser aperfeiçoado, não temos nenhuma dúvida disso. O projeto não será votado como veio. “Temos consciência de que o projeto (PPP) precisa ser aperfeiçoado, não temos nenhuma dúvida disso. O projeto não será votado como veio” Em que pontos haverá mudança? É preciso haver maior preocupação com a Lei de Responsabilidade Fiscal e com a forma com que serão feitos os registros de endividamento. São questões que têm abertura para negociação. A oposição precisa parar de fazer discurso e apresentar proposta. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), por exemplo, apresentou quatro emendas, mas nenhuma delas trata das inúmeras questões por ele levantadas. O senador (Jereissati) faz o discurso, mas a emenda apresentada não trata do tema. O importante é que a oposição apresente preto-no-branco aquilo que ela quer modificar. É bom lembrar que os estados que têm parceria público-privada são, em sua maioria, governados pelo PSDB. Portanto, eles, que têm o acúmulo e a legislação já aprovada, é que deveriam apresentar de forma concreta as emendas. |
Deixe um comentário