O recado foi dado ontem (11) pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior: o governo não negocia quanto à aprovação da emenda à Constituição que prorroga a Desvinculação das Receitas da União (DRU) até 2015 sem mudanças. Não serão aceitas mudanças no texto enviado à Câmara em agosto, como a vinculação de novas receitas ou a retirada gradual da possibilidade de o governo usar parte do Orçamento como quiser. Por uma questão crucial: nada menos que R$ 61 bilhões do que está previsto no orçamento do ano que vem depende da manutenção da DRU.
No entanto, o governo terá que aparar diversas arestas no Congresso caso queira contar sem percalços com esse montante. As dificuldades ficaram claras na audiência em que Mirian Belchior e secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, tentaram explicar por que o governo precisa da DRU. Enquanto a oposição sequer apareceu para ouvir a ministra e o secretário, a base aliada mostrou-se dividida quanto ao apoio à aprovação. No debate, os principais oradores contrários à aprovação da PEC eram aliados do governo.
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“O maior problema do governo é a base”, resumiu o deputado José Guimarães (PT-CE), um dos vice-líderes do governo na Câmara. Aprovar a PEC que prorroga a DRU até 31 de dezembro de 2015, portanto, não será tarefa fácil. Depois de passar pela comissão especial, ela vai a plenário, precisando do voto favorável de 308 deputados, independentemente do quorum. Com uma bancada de aproximadamente 400 parlamentares, o governo terá que enquadrar os dissidentes.
Clima ruim
O clima, de acordo com relatos de deputados ao Congresso em Foco, não está nada bom entre os deputados governistas. Apesar de faltar um ano para a eleição, alguns parlamentares já pensam nas eleições municipais de 2012. Ninguém, por enquanto, quer se indispor com a presidenta Dilma Rousseff, mas ao mesmo tempo, já pensam nos futuros ganhos eleitorais. Assim, propostas eleitoralmente simpáticas, como criar uma nova vinculação orçamentária para a área da saúde, começam a ser consideradas.
De acordo com o Ministério do Planejamento, 82% da atual receita já possui destino fixo. Ou seja, o dinheiro está vinculado a uma determinada área. A DRU permite que o governo use como quiser 20% da arrecadação de todos os tributos existentes, mesmo os que tiverem vinculação constitucional. A exceção é para verbas da educação e para as transferências constitucionais como os fundos de participação dos estados (FPE) e municípios (FPM).
O relator da PEC na comissão especial, Odair Cunha (PT-MG), é descrito como fiel às orientações do Palácio do Planalto. “Ele é um que ouve muito e fala pouco”, disse um parlamentar. Por isso, ao escolher um deputado que segue à risca os pedidos do governo federal, a expectativa de que as emendas sejam aceitas são pequenas. No entanto, o barulho tem incomodado líderes governistas. No plenário, com necessidade de quorum de votação alto, a insatisfação pode falar mais alto.
“Queremos resolver isso até a semana que vem”, disse Guimarães. Para ele, ao propor sugestões, integrantes da base estão “querendo esquartejar” a proposta do governo. “Eu chamo a atenção dos deputados da base. Se acham que certas áreas precisam de mais recursos, que apresentem emendas ao Orçamento”, afirmou o petista. Até terça-feira o relatório de Odair Cunha deve ser apresentado. Na Câmara, o governo trabalha com 10 de novembro como limite para apreciação no plenário.
Ao Congresso em Foco, o relator da PEC disse que vai analisar as emendas, mas não quis adiantar se irá modificar o texto do governo. Governistas acreditam que ele não deve mudar a redação. Sobre o tempo para aprovar a matéria, Cunha afirmou: “Não vamos permitir que o tempo do debate seja usado para atrapalhar a votação”. Durante a sessão de ontem, o petista, ao comentar sobre a destinação de recursos para outras aéreas, disse que “outras fontes” garantem os investimentos, por exemplo, na saúde.
Governo pode ter sido lento
Há quem avalie que as dificuldades para a aprovação da DRU têm como origem uma cochilada do próprio governo. A proposta de emenda prorrogando a desvinculação teria sido enviada muito tarde ao Congresso. Como se trata de uma emenda constitucional, sua tramitação é lenta, e o fato de ser polêmica, já que ao final acaba significando retirar recursos de áreas como educação e saúde, tende a tornar ainda mais vagorosa a sua tramitação.
Quando tramitou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o então relator da PEC, Maurício Quintella Lessa (PR-AL), fez claramente tal crítica ao governo. A PEC a tramitar na Câmara em agosto, e precisa ser aprovada ainda este ano. Como o Orçamento de 2012 foi planejado com base na prorrogação da DRU, os articuladores governistas tentam aparar as arestas na bancada. E já têm um plano B: uma PEC com o mesmo conteúdo foi apresentada no Senado, onde a tramitação é mais rápida.
Lá, uma emenda à Constituição só passa pela CCJ e vai em seguida ao plenário. Os prazos são menores. Caso seja aprovada antes da que tramita na Câmara, as duas propostas passarão a tramitar em conjunto, com prioridade para a do Senado. Entretanto, com as atenções voltadas para o projeto que trata da partilha dos royalties do petróleo na camada pré-sal, os senadores governistas têm outros problemas.
Seguridade social
Na tramitação da PEC na CCJ, foi apensada outra proposta, elaborada pelo deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE). Ela prevê a incidência da DRU nas contribuições destinadas à seguridade social. O pedetista, que foi filiado do PT por 27 anos, tem aparecido como a principal voz contrária à prorrogação da desvinculação das receitas na comissão especial. Apesar de estar em um partido da base, cujo presidente licenciado, Carlos Lupi, é ministro do Trabalho, Santiago acredita que, com argumentos, é possível conseguir uma vitória contra o governo.
“Eu quero contribuir”, afirmou Santiago. Munido de um estudo sobre os efeitos da DRU nos orçamentos da saúde e da seguridade social, dispara: “Estamos enxugando gelo”. Para ele, a maior camisa de força para o governo federal não é a vinculação das receitas, mas sim o pagamento da dívida pública. “Devemos seguir no caminho da transição, isso é fundamental para que se estabeleça o texto constitucional”, afirmou o pedetista.
A ministra do Planejamento disse ontem que já ocorre uma diminuição gradativa da DRU. Segundo Miriam Belchior, a desvinculação representava 26% do orçamento em 1995. Para 2012, os R$ 61 bilhões representam cerca de 11% na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada neste ano. “Não dá para fazer mais do que isso, precisamos de fôlego. Se o Brasil quiser chegar a ser a quarta economia do mundo, precisamos da DRU”, ressaltou a ministra.
Oposição
Inicialmente mais barulhenta, a oposição não deu as caras durante o debate de ontem. Para governistas, isto significa uma mudança de estratégia. Ao invés de tentar obstruir as votações – e acabar com a pecha de que estão atrapalhando o governo –, oposicionistas decidiram também apresentar emendas. E disputar voto a voto no plenário da Casa. Inclusive parlamentares que estavam presentes em debates na semana passada, como César Colnago (PSDB-ES), não compareceram ontem.
Em plenário, líderes do DEM e do PSDB, os dois principais partidos de oposição, ressaltam que a criação da DRU, em 1994 – na época como Fundo Social de Emergência (FSE) – foi uma saída encontrada numa época de crise interna e internacional. “Hoje, em vez de servir como instrumento fiscal para combater o processo inflacionário ou garantir investimentos no Brasil, a DRU funciona muito mais como uma ferramenta político-partidária, permitindo à presidente da República destinar até 20% do Orçamento a obras de acordo com seu o interesse eleitoral, principalmente para 2012”, disse o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), em uma sessão recente da comissão.
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