Lúcio Lambranho
A polêmica Medida Provisória 446/2008, conhecida como MP das Filantrópicas, enterrou, pelo menos enquanto estiver em vigência, 181 pareceres (leia a lista completa), a maioria deles sobre recursos que pedem o cancelamento da concessão de certificados de filantropia de entidades das áreas de saúde e de assistência social. Os processos aos quais o Congresso em Foco teve acesso fazem parte do trabalho de uma força-tarefa criada pelo governo federal no final de julho.
Mas, apesar desse esforço no julgamento dos casos, nos três meses que separaram a criação desse grupo até a edição da MP (leia mais) que anistiou instituições suspeitas de irregularidades, o Ministério da Previdência Social (MPS) não julgou nenhum dos 928 processos que correm o risco de caducar e de gerar perdas de até R$ 2 bilhões aos cofres públicos.
A lista dos processos julgados tem 23 casos analisados pela consultoria jurídica do Ministério da Previdência Social, outros 105 que passaram pelos técnicos do Ministério da Saúde (MS) e mais 53 verificados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Já o Ministério da Educação ignorou todos os 560 processos enviados para a pasta.
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Todos os pareceres aguardavam apenas a decisão final do ministro da Previdência, José Pimentel – conforme determinado pela Portaria Interministerial 241, que criou a força-tarefa –, quando o governo decidiu editar a MP e garantir o perdão tributário inclusive a entidades denunciadas pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal, acusadas de irregularidades fiscais.
A ação civil pública (leia mais) do MPF que pede na Justiça Federal a anulação dos efeitos da MP 446/2008 revela que a maioria dos pareceres em poder do MPS era contra as entidades. Desses 23 pareceres, segundo os procuradores da República, 18 anulariam os Certificados de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas) e quatro indeferiam pedidos feitos pelas instituições para renovar o Cebas. Um deles foi julgado prejudicado, ou seja, não passível de análise.
Parecer esquecido
Os procuradores também argumentam que esses mesmos pareceres já aguardavam há muito tempo pela assinatura de José Pimentel e dos ministros que o antecederam no governo Lula:
"Da análise do material encaminhado pela Consultoria Jurídica do MPS, além de verificar que praticamente todos os recursos oferecidos pelo INSS/SRP/SRFB foram providos (os poucos julgados), foram encaminhados vários pareceres elaborados há meses, que inexplicavelmente não foram julgados pelo Ministro da Previdência Social. Com a MP 446/2008, estes recursos foram tidos por prejudicados", diz a ação civil pública.
Ainda em março deste ano, o site mostrou o caso de um parecer esquecido pelo então ministro da Previdência, Luiz Marinho (leia mais). Por quase nove meses um documento que pedia o cancelamento do registro filantrópico do Hospital Israelita Albert Einstein aguardava o parecer do prefeito eleito de São Bernardo do Campo (SP).
A inércia nesse julgamento sobre a isenção da cota patronal de INSS do hospital paulista – o preferido por políticos, incluindo o presidente Lula e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, além de empresários influentes – contrariava com as declarações de Luiz Marinho de que faltava pessoal para julgar processos acumulados na consultoria jurídica do MPS.
Nesse caso, o parecer já estava pronto desde o primeiro semestre do ano passado. Se Marinho tivesse aceitado o parecer esquecido, os cofres públicos poderiam ter reavido cerca de R$ 300 milhões, dinheiro a ser aplicado em saúde pública, por exemplo. Agora não é possível saber se a análise feita pelo MPS sobre o caso do hospital paulista é a mesma do parecer anterior. Porém o Albert Einstein faz parta de lista dos processos já julgados pela força-tarefa.
Procurados pela reportagem, os ministérios envolvidos com o assunto confirmaram que todos os 928 pareceres que corriam risco de caducar foram anulados pela MP 446. A assessoria de imprensa do MPS informou que a Previdência não trata mais do assunto e que a análise de novos casos está a cargo das pastas para as quais as entidades prestam serviço.
Jóias e viagens para Disney
Mas em outro caso, o da Universidade Estácio de Sá, já é possível saber que a mesma força-tarefa pretendia, antes da edição da MP, anular o Cebas de uma das maiores instituições de ensino privado do país. "A mera adesão ao Prouni sob o pálio da Medida Provisória 213/2004 não gera direito adquirido ao reexame de processos de restauração das isenções canceladas. Reformada a decisão do CNAS", afirma a emenda do parecer ao qual o site teve acesso.
Ainda em novembro de 2007 (leia mais), o Congresso em Foco revelou que a Estácio de Sá era acusada pelo Ministério Público Federal, em ação civil pública, de sequer ser uma entidade beneficente de assistência social, o que a impediria de reivindicar um certificado de filantropia.
Além disso, ainda de acordo com a denúncia, a universidade remunera seus diretores (prática proibida pelo Decreto 2.536/98) e frauda o percentual de 20% de gratuidade sobre sua receita bruta, o mínimo exigido para a concessão ou renovação do Cebas.
Autor da ação movida pelo Ministério Público contra a Estácio, o procurador da República Pedro Antônio de Oliveira Machado, diz que a entidade não pode ser considerada filantrópica, mas apenas uma instituição de educação sem fins lucrativos. Segundo o procurador, o CNAS concedeu ilegalmente o certificado de filantropia para a universidade carioca entre 1995 e 2006.
“A Secretaria da Receita Federal, desde 1996, não fiscaliza a maior universidade privada brasileira, que fatura quase um bilhão de reais por ano”, diz a ação.
Ao acusar a Estácio de remunerar seus diretores, prática proibida para entidades de assistência social, o procurador alega que a universidade utilizou recursos da instituição filantrópica para bancar despesas pessoais de seus dirigentes em viagens a Disney, nos Estados Unidos, e para comprar jóias:
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