|
Antevendo nova derrota no Congresso e a ampliação da crise na base aliada, o Palácio do Planalto fez as contas e decidiu desacelerar as discussões sobre a reforma sindical, enviada à Câmara há quase dois meses, após um ano de intensos debates entre representantes do Executivo, dos trabalhadores e dos empregadores. Com dificuldade para aprovar até mesmo medidas provisórias mais polêmicas, como a que aumentava a carga tributária dos prestadores de serviço, o governo prefere não mexer, por ora, numa proposta que não lhe trará dividendos eleitorais, muito menos econômicos. E que, ao contrário, pode aprofundar o racha na base governista e abalar, de forma irreversível, a relação entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o seu berço político – o movimento sindical. Assim, são cada vez mais remotas as chances de Lula encaminhar a reforma trabalhista ao Congresso neste mandato. Leia também Ao contrário do que anunciou o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, a proposta elaborada pelo Fórum Nacional do Trabalho (FNT) e encampada pelo governo está longe do consenso. A artilharia contra o projeto que, entre outras coisas, elimina o imposto sindical e permite o estabelecimento de mais de um sindicato representativo de uma categoria na mesma base territorial, vem de todos os lados. Dos partidos aliados, alguns já assumem publicamente a intenção de derrubar a proposta do governo. É o caso do PCdoB, do PTB e o PMDB. Some-se a essa resistência um problema de ordem prática: para emendar a Constituição, como quer o Planalto, é preciso o apoio de 307 deputados, em dois turnos de votação. Nem com os 91 votos do PT na Câmara o governo pode contar hoje – a reforma sindical tem sido bombardeada por parlamentares que integram a ala mais à esquerda do partido. No momento, a proposta está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, responsável pela análise dos aspectos constitucionais e de técnica legislativa. O debate deve ferver mesmo é na comissão especial que irá examinar o mérito do projeto. Para levar a proposta adiante, o governo também teria de comprar nova briga com o empresariado. Os dois – diga-se de passagem – já vivem às turras por causa da elevada carga tributária. Os empresários reclamam agora, principalmente, da decisão do Planalto de só iniciar as discussões em torno da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) após a implantação do novo modelo sindical. “A reforma trabalhista é a que de fato interessa. Por isso, queremos que seja discutida junto com a sindical no Legislativo”, critica o deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE), presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Os empresários já anunciaram que consideram inadmissíveis dois pontos da proposta: a obrigatoriedade de representação sindical nas empresas com mais de 30 empregados e a possibilidade de a entidade sindical fazer a substituição processual – ou seja, de ganhar mandato para acionar empresas mesmo sem delegação específica dos trabalhadores de sua base. Os dois itens, por outro lado, são os únicos a terem apoio consensual dos sindicalistas. Divisão geral Até mesmo as centrais sindicais, que, em princípio, anunciaram apoio ao texto, estão divididas quanto às mudanças sinalizadas. O presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, articula no Congresso a rejeição do dispositivo que permite ao Estado autorizar o funcionamento de sindicatos. O vice-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Wagner Gomes, não só criticou a proposta defendida pelo presidente da entidade, Luiz Marinho, como partiu para a coordenação da “Frente Nacional contra a PEC 369”. O movimento é formado, sobretudo, por representantes das entidades sindicais de base, principais críticos da proposta do governo. Eles alegam que o projeto dá superpoderes às centrais sindicais, estimula o plurissindicalismo e fortalece a participação dos empregadores nas negociações coletivas, em detrimento dos sindicatos de base. O texto permite, por exemplo, que as entidades sindicais de cúpula (centrais ou confederações) negociem diretamente com os empregadores, mesmo sem a participação do sindicato da categoria. A resistência também é grande quanto ao fim do imposto sindical compulsório, que, de acordo com as pretensões do governo, será substituído por uma contribuição negocial, a ser paga pelos trabalhadores aos sindicatos que participarem de negociação coletiva em seu nome. O porcentual, definido em assembléia, deve ser de no máximo 1% dos rendimentos mensais dos trabalhadores ou 0,8% do capital social das empresas no ano (leia mais). Para tornar ainda mais tortuoso o caminho escolhido pelo governo, cresce na Câmara o apoio ao projeto de lei do deputado Sérgio Miranda (PCdoB-MG), que mantém a unicidade e o imposto sindical obrigatório. A proposta, que caminha na contramão do modelo defendido pelo Planalto, deve ser votada pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público tão logo seja constituído um colegiado especial para analisar a PEC 369/05. O aviso é de um governista, o presidente da comissão, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Integrante da base aliada, Miranda acusa o governo de enfraquecer o poder de negociação dos sindicatos e de precipitar a flexibilização da legislação trabalhista. “A reforma sindical já é a reforma trabalhista. Ao considerar que os acordos têm o mesmo poder do sistema legal, essa proposta de emenda constitucional diz claramente que o negociado se sobrepõe ao legislado. O que se pretende é fazer a reforma trabalhista já na sindical. O resto será detalhe”, considera. |