Após duas semanas de pauta obstruída, por conta da briga entre base aliada e oposição, o governo decidiu hoje (3) deixar a votação da reforma tributária para março de 2009. Em contrapartida, os oposicionistas se comprometem a não obstruir a análise da matéria no ano que vem. A decisão saiu após reunião do presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e os líderes do governo, Henrique Fontana (PT-RS), do PSDB, José Aníbal (SP), do DEM, ACM Neto (BA), e do PPS, Fernando Coruja (SC).
A estratégia da oposição foi, depois do relatório do deputado Sandro Mabel (PR-GO) ter sido aprovado há duas semanas na comissão especial da reforma, de obstruir a pauta. Os deputados inclusive chegaram a articular com o Senado a criação de emendas a uma medida provisória para trancar as votações na Câmara (leia mais).
Como o ritmo de apreciação dos projetos estava muito lento, a liderança do governo começou a cogitar adiar a reforma para o ano que vem. Na segunda-feira (1º), os oposicionistas propuseram que a matéria ficasse para a segunda quinzena do próximo ano. Inicialmente, a base aliada a Lula defendia que a votação ocorresse ainda em 2008. "Se tentássemos votar na marra, provavelmente chegaríamos até março analisando a reforma", explicou Fontana sobre a mudança de posição.
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Outro fator que ajudou no adiamento foi a quantidade de votos necessária para aprovar a reforma. Por ser uma matéria constitucional, precisa de maioria qualificada. Ou seja, o governo deveria convencer pelo menos 308 deputados a votar favoravelmente ao texto. "O governo não colocou para votar porque não tinha número suficiente de votos", disse ACM Neto.
O adiamento é visto, dentro da base aliada, como uma derrota do presidente Lula. Hoje pela manhã, Lula pessoalmente ligou para Chinaglia e para o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), pedindo que a reforma fosse votada ainda este ano. De acordo com Fontana, o presidente, percebendo a dificuldade para colocar em pauta, delegou a negociação à liderança. "O presidente deixou a negociação à cargo de quem está aqui todo dia e sabe a situação da Câmara", disse o líder do governo.
O adiamento foi costurado durante todo o dia. Pela manhã, durante reunião na residência oficial Chinaglia com o ministro da Defesam Nelson Jobim, is líderes conversaram sobre o assunto. O tema continuou dentro dos gabinetes no início da tarde. Até que o presidente da Câmara convocou os líderes do governo e do PT para acertar os pontos.
Para aceitar o adiamento, a base exigiu duas coisas. A primeira foi um compromisso público da oposição que a reforma será votada sem obstrução em março de 2009. "Nós nos comprometemos a votar e não obstruir", disse ACM Neto. O outro é que a pauta de hoje pudesse ser discutida normalmente.
Negociações
Os quatro meses de intervalo possibilitam, para tanto base quanto oposição, a afinação dos discursos. Internamente, os lados não se entendem quanto à reforma tributária. "Todos queremos a reforma tributária. Mas temos que ter consciência de que ela nunca vai ser 100% como queremos", reconheceu o líder do PT, Maurício Rands (PE).
"Agora temos a possibilidade de construir um parecer muito melhor", aposta o líder do PSDB. Dentro da oposição, comenta-se de que esse tempo será usado para unificação de discurso. Até o momento, os oposicionistas só concordavam no adiamento da votação. Tanto que existem quatro substitutivos diferentes prontos para serem apresentados. Alguns pontos, entretanto, são consenso: compensação da carga tributária na folha salarial, a CSLL incorporada ao Imposto de Renda e a redução da alíquota do ICMS, que poderia prejudicar os estados produtores.
O DEM adianta que quer manter alguns pontos da reforma, mas "mudar o coração". "Vamos nos esforçar para constuir um substitutivo global", afirmou o líder do DEM. "Tem muitas coisas em aberto", completou José Aníbal.
A própria base discorda de alguns pontos do relatório de Mabel. O principal deles é o aumento dos royalties de minérios. Hoje ele é de 2% do lucro líquido. Se a reforma fosse aprovada hoje, passaria para 3% do faturamento bruto. "Vamos discutir todos os pontos. Estamos abertos à aprimorar o texto", disse Rands.
Apesar da abertura de negociação, o líder do governo já avisa que, nos temas que haver discordância, a decisão virá no voto. "Tudo aquilo que não concordarmos, votaremos. Aí quem tiver mais voto vence", adiantou Fontana.
Com a decisão, acabou a obstrução na Câmara. Os deputados devem votar hoje a MP 445, do pacote anticrise, e a PEC dos municípios. "Agora retomamos os trabalhos com tranqüilidade", comentou Chinaglia ao divulgar o acordo. (Mário Coelho)
Atualizada às 20h09.