Depois de cinco horas de discussão, as comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e Assuntos Econômicos (CAE) do Senado encerraram há pouco a audiência pública conjunta que reuniu governadores, representantes de ministérios e senadores em torno da unificação do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre produtos importados – teor do Projeto de Resolução 72/2010, que define em 4% a taxa de ICMS nessas operações comerciais e gera perdas a estados como Espírito Santo, Goiás, Ceará e Santa Catarina. Com a questão do pacto federativo e a guerra fiscal como pano de fundo, sobraram críticas para a matéria, de autoria do ex-líder do governo Romero Jucá (PMDB-RR), que tramita desde 2010 na Casa e deve ser aprovada nas próximas semanas.
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“Não é possível uma decisão que leve a uma mudança rápida. É um apelo que a gente faz ao Senado, que observem o equilíbrio federativo. É importantíssimo pensarmos em uma transição temporal”, defendeu o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, referindo-se ao “prazo de transição” necessário para que estados prejudicados pela unificação de ICMS possam se adequar às quedas de receita.
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Preocupado com a queda da atividade econômica de seu estado, Casagrande defendeu a necessidade de medidas compensatórias por parte da União, demanda por ele levada ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, em audiência realizada ontem (segunda, 19) em Brasília, como este site adiantou – o projeto de resolução deixa os capixabas sem o Fundo de Desenvolvimento de Atividades Portuárias (Fundap), em operação há mais de 40 anos e responsável pela injeção, em 2011, de R$ 2,4 bilhões na economia do estado. O argumento foi reforçado pelo governador de Santa Catarina, João Raimundo Colombo, que também participou da reunião no ministério. Sem as compensações federais, diz Casagrande, o estado sofreria “morte súbita”.
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Já o governador de Goiás, Marconi Perillo, disse que seu estado pode perder cerca de R$ 2 bilhões de receita caso o texto original da matéria seja aprovado, sem medidas compensatórias. Para Perillo, Goiás “vai quebrar”, resultando “centenas de milhares” de demissões, quebra de contratos e fechamento de empresas instaladas no estado.
“Não podemos permitir que meia dúzia de estados, ou um pouco mais do que isso, saia deste debate destroçados, massacrados em nome de outros interesses, sem condições orçamentárias para honrar seus contratos, de levar adiante seus projetos de desenvolvimento econômico, industrial”, reclamou Perillo, para quem a discussão no Senado se dá em clima de “brasa sobre cinzas”, de maneira a “aguçar nossos sentimentos sobre bairrismo”. O governador goiano também apontou a inconstitucionalidade da proposição, uma vez que a Constituição proíbe a criação de alíquotas distintas para produtos importados e nacionais.
Relator do PRS 72/2010 na Comissão de Constituição e Justiça, o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) também fez coro contra a unificação do ICMS. “Nós precisamos desmistificar algumas falsas verdades que, de tão repetidas, acabam virando verdade. Uma delas é em relação à realidade do comércio exterior, de que o Brasil estaria em crise. O Brasil não vive crise no comércio exterior”, reclamou Ferraço, referindo-se a um dos motivos alegados para a apresentação da proposta. “Outra falsa verdade é que qualquer tipo de importação é uma mal em si mesmo. Não é verdade!”
Centralismo
O senador também reclamou do “centralismo” protagonizado por São Paulo em termos de atividade comercial (exportação/importação). Citando números da concentração da atividade importadora no estado, Ferraço conseguiu mobilizar alguns presentes à audiência pública. “São Paulo é essencial? É. Mas precisamos que São Paulo seja solidário aos demais estados brasileiros”, arrematou Ferraço, aplaudido por parte do plenário da comissão.
Além de Casagrande e Perillo, participaram da audiência pública, entre outros, os governadores Cid Gomes (Ceará) e Raimundo Colombo (Santa Catarina); o vice-governador do Pará, Helenilson Pontes; o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, e o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa. Embora não tenha se manifestado contra o projeto de resolução, Cid Gomes defendeu alíquotas para estados e produtos segundo as características de cada região. Já Colombo disse que o tema impõe a necessidade de mais diálogo com os senadores, antes de a matéria ir a votação.
Amanhã (quarta, 21), a audiência conjunta reunirá juristas, industriais e o governador do Pará, Simão Jatene. Foram convidados para essa audiência, entre outros, o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso; o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), e o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos, Luiz Aubert Neto.
Críticas aos “notáveis”
Na última sexta-feira (16), o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), anunciou a criação de uma “comissão de notáveis” para auxiliar o Senado quanto à redefinição do chamado pacto federativo – que inclui, além da questão do ICMS para importados, a reformulação de cálculos do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios, a redistribuição dos royalties do petróleo (matéria à espera de votação na Câmara) e o comércio de eletrônicos.
Hoje (terça, 20), ficou definido que o presidente do colegiado será o ex-presidente do STF e ex-ministro da Defesa Nelson Jobim. Os trabalhos serão iniciados em 12 de abril (leia mais). Durante a manhã desta terça-feira, senadores fizeram críticas à criação da comissão.
Autor do projeto de resolução, Jucá defendeu o colegiado e disse que o projeto de resolução será analisado paralelamente a temas como o FPE e do comércio eletrônico, sob a orientação dos “notáveis”. “Não temos nenhum problema de inserir qualquer proposta legislativa”, defendeu o peemedebista, já na reunião da CCJ.
“É uma comissão de faz de conta”, rebateu Ferraço, que sugeriu a suspensão da tramitação de proposições referentes ao pacto federativo no Senado. Para o senador, o colegiado promove o esvaziamento das comissões temáticas, o fórum por ele considerado ideal para o assunto. “É preciso encontrar uma forma organizada, coordenada e coerente de fazer o debate sobre o fundo de participação dos estados, a repartição dos royalties do petróleo e a política de incentivos fiscais, pois a votação de projetos de forma fatiada vai impactar as receitas dos estados.”
Presidente da Comissão de Assuntos Sociais, Delcídio Amaral (PT-MS) reforçou o discurso. “O melhor foro para discutir essa questão (pacto federativo) são as comissões permanentes”, resumiu o petista.