Fábio Góis
Se depender de um grupo de deputados capitaneado pelo líder do PDT na Câmara, Giovanni Queiroz (PA), o Estado do Pará será desmembrado em três – os entes originados do território paraense seriam Carajás, reunindo 39 municípios, e Tapajós, com 25. Mas, para que a tripartição aconteça, a população deve dizer “sim” no plebiscito que, aprovado por meio de decreto legislativo na Câmara, em 5 de maio, será realizado naquele estado nos próximos meses – no caso de Carajás, em no máximo seis meses. A proposta que visa criar este estado já passou pelas duas Casas legislativas, e segue para promulgação. Já a que cria Tapajós ainda terá de passar pelo crivo dos senadores. O plebiscito será realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral.
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Autor do Projeto de Decreto Legislativo 159-B/1992, que cria Carajás, Giovanni Queiroz está convicto de que o povo paraense chancelará a criação dos novos estados. Mais certo ainda o parlamentar está sobre os “ganhos sociais” que a iniciativa pode gerar. “Temos 70% do rebanho bovino do estado do Pará, e isso significa o sétimo maior do Brasil; temos plataformas industriais formidáveis no setor do agronegócio; temos a Vale do Rio Doce investindo, nos próximos cinco anos, R$ 35 bilhões. Temos todo um potencial que precisa ser instrumentalizado pelo estado, ou então atrair novas empresas que abracem esse desafio conosco”, disse o deputado, em entrevista concedida ao Congresso em Foco na última sexta-feira (20), no gabinete da liderança do PDT.
Munido da cartilha “Estado do Carajás – O Brasil precisa deste estado”, com inúmeros dados estatísticos reunidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Giovanni atribuiu ao desconhecimento a ideia de que o projeto trará gastos desnecessários. “Lamentavelmente, as pessoas ainda não tiveram a oportunidade de ter essa informação mais bem apurada. O Estado do Tocantins teve um custo para a União, cinco anos depois de criado, de R$ 500 milhões, com R$ 100 milhões por ano de transferência voluntária. Espero que não precisemos nem disso – até porque, segundo o doutor Rogério Boueri, economista do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], o custo de implantação é de R$ 1 bilhão e o custo de manutenção é de mais R$ 1 bilhão. Logicamente, há transferências constitucionais, e a receita própria vai poder cobrir isso”, acrescentou o parlamentar, para quem os benefícios sociais suplantarão qualquer dispêndio no médio prazo.
Poder dominante
Apenas o Psol se opôs aos projetos durante a votação no Plenário da Câmara. O líder do partido na Casa, Chico Alencar (RJ), disse ao Congresso em Foco que se rende à maioria, mas sem deixar de apontar que é contrário à divisão. “Em primeiro lugar, caso a população do Pará decida pela tripartição, isso vai aprofundar a distorção da representação política na Câmara e no Senado desses três estados, com uma população muito pequena”, disse Chico, por telefone, na última sexta-feira (20).
O deputado fluminense acredita que, entre outros problemas, determinados grupos de latifundiários dominarão não só a cena política local, como também trarão prejuízos ao meio ambiente. “Esses setores não costumam ter muito zelo pela questão ambiental”, acrescentou Chico, para quem o Pará, estado com graves problemas de cunho fundiário, acabará arcando com as “demandas reais” da população pobre. Ele acredita ainda que, por ser rica em minério, a região de Carajás definida no projeto vai gerar outra distorção na divisão. “Seria a joia da coroa.”
PublicidadeCaso a população decida pela sua criação, a unidade federativa do Tapajós terá 29 municípios das regiões do Baixo Amazonas e do Sudoeste Paraense, passando a ser o quarto maior estado brasileiro, superando Minas Gerais. Em seu território morariam cerca de 1,7 milhão de pessoas (cerca 20% da atual população do Pará). A capital deve ser a cidade de Santarém, que possui atualmente 276 mil habitantes.
Já o Estado do Carajás vai englobar municípios localizados no Sul e no Sudeste paraense, que abrangem uma área de 284,7 mil km², onde vivem cerca de 1,4 milhão de pessoas. A maior cidade é Marabá. De acordo com o projeto, o plebiscito será realizado em novembro, seis meses após a publicação do decreto, como define a Constituição.
Confira a íntegra da entrevista:
Por que o senhor é favorável à divisão do Pará?
Porque eu represento o interesse de 1.600 habitantes do Sul e do Sudeste do Pará cujo anseio já vem de mais de 30 anos. Logicamente, chegando aqui como deputado federal, abracei esta causa, que é uma causa de todos, com o objetivo de transformar aquela região num lugar mais adequada para se viver bem. Essa é a grande motivação.
Como o senhor responde àqueles que criticam os gastos extras implicados na criação de estados?
Isso vai muito da desinformação. Lamentavelmente, as pessoas ainda não tiveram a oportunidade de ter essa informação mais bem apurada. O Estado do Tocantins teve um custo para a União, cinco anos depois de criado, de R$ 500 milhões, com R$ 100 milhões por ano de transferência voluntária. Espero que não precisemos nem disso, até porque, segundo o doutor Rogério Boueri, economista do Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], o custo de implantação é de R$ 1 bilhão e o custo de manutenção é de mais R$ 1 bilhão. Logicamente, há transferências constitucionais, e a receita própria vai poder cobrir isso. Mas o melhor é o benefício que isso [a divisão] traz – o crescimento extraordinário do Tocantins nos estimula e nos convence de que é o melhor investimento que se possa fazer. Hoje, por exemplo, lá [Tocantins] existem cinco faculdades de medicina, enquanto no nosso lado, do Carajás e Tapajós, com população maior e área territorial maior, não temos nenhuma. Tem oito de engenharia – três de engenharia elétrica e cinco de engenharia civil – e no nosso lado não tem nenhuma. De enfermagem, tem 13, e nós só temos uma. E assim por diante. O ganho social é extraordinário. Tem hospital que faz cirurgia cardíaca no Tocantins, e do nosso lado não tem. Isso nos convence de que esses investimentos todos vieram a favorecer, e muito, o povo do Tocantins – e é o mesmo que queremos para o Estado do Carajás.
Na hipótese de aprovação do plebiscito, em que prazo o cidadão paraense já poderá verificar melhorias sociais na prática?
Olha, eu vou te dar números que você vai confirmar, porque o laboratório está aí, a céu aberto. O Tocantins foi criado há 22 anos, o Mato Grosso do Sul tem 33 e Brasília fez 50 anos. São três laboratórios a céu aberto para você analisar o custo-benefício e o ganho tamanho experimentado pelos três. Lembro que li um artigo há pouco tempo que fala das críticas a Juscelino [Kubitschek] quando ele decidiu mudar a capital para Brasília. A parcela da imprensa daquela época caiu matando, como se fosse um desatino, uma inspiração maldita de querer tirar do Rio de Janeiro o título de capital e colocar no sertão, no planalto goiano. Aí está hoje Brasília, essa belíssima capital, tão importante para a integração nacional. De igual forma eu quero dizer que a criação dos estados de Carajás e de Tapajós é também motivação para a integração da Amazônia, da região Norte, ao contexto nacional. Por outro lado, outro detalhe: em 20 anos, o Tocantins – que era o corredor da miséria em Goiânia – sofreu algumas transformações extraordinárias. Algumas delas eu até transcrevo para você em números absolutos. Por exemplo: a soma do PIB [Produto Interno Bruto] de Goiás e Tocantins de 1988 a 2008 cresceu 194%, em 20 anos. O Brasil, no mesmo período, cresceu 76%, cerca de um terço, apenas, do que cresceram os dois estados somados. Se você for buscar Minas Gerais e o Paraná, não é diferente. Se você buscar Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, vai ver que eles cresceram juntos 722% no período de 1975 a 2008 ? embora Mato Grosso do Sul tenha sido criado em 1977, esses eram os dados que temos referentes àquela época. No mesmo período, o Brasil cresceu 251%, cerca de um terço do que cresceu a soma de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Isso em dados absolutos de crescimento de PIB.
Que outros tipos de benefício, consideradas as características sociais e geográficas do Pará, podem ser esperados com a divisão?
Quando você fala em infraestrutura, havia 110 quilômetros de rodovias pavimentadas em Tocantins quando ele foi criado. Hoje, tem 5.048 quilômetros. Eu te digo que é muita coisa, mas vamos comparar. O Estado do Pará – que tem mais de 400 anos, cinco vezes o território e seis vezes a população de Tocantins – nesses mais de 400 anos tem cinco mil quilômetros de rodovias estaduais pavimentadas. O Tocantins, em apenas 20 anos, fez cinco mil quilômetros de rodovias pavimentadas. Se você entender que o Tocantins tinha menos de 2% de água encanada de residências de seu território há 20 anos, e hoje tem 96,7% de água encanada e potável, que você pode abrir a torneira e beber, é um desafio para o resto do Brasil. Não sei se tem outro estado no Brasil com tamanho crescimento nessa área. O Pará todo tem 44% por cento das residências com água encanada, apenas. São dados do IBGE. Mas no Sul do Pará não tem mais do que 10%. Mas posso te assegurar uma coisa: não tem água potável. No Sul do Pará, ao dividir, nós ficaríamos com a média de 32% das residências com água encanada, nenhuma delas potável. São sinais do crescimento econômico e do ganho estruturante daquela região. Esse é um instrumento que alavancou o crescimento dessa região, incorporou uma região – que hoje é o Tocantins – que era tido como corredor da miséria em Goiânia a um contexto totalmente diferenciado, gerando um crescimento formidável.
Como essas mudanças podem interferir na educação?
Quando você fala em educação, a coisa muda, ganha outra dimensão. Na área educacional, então, a coisa se remonta a valores extraordinários. Você tem, hoje, naquela região [Tocantins], 42 faculdades credenciadas no Ministério da Educação, é algo formidável. Em relação ao número de cursos ali existentes, você fica abismado de ver o quanto se possibilitou conhecimento para os jovens daquela região. Na área de Direito, de Engenharia Elétrica, Civil, de Produção, Engenharia Ambiental e Sanitária, Agronomia. Isso nos convence de que estamos no rumo certo.
Alguns críticos do plebiscito dizem que inclusive o desmatamento pode aumentar em plena região Amazônica, com o progresso trazido pelos novos municípios. Como o senhor responde a isso?
Eu posso te dizer que o desmatamento se dá exatamente por ausência de estado. É absoluto. O estado [do Pará] nunca se antecipou em ordenar a ocupação de seu território. Aliás, nenhum estado brasileiro, todos foram ocupados sem que o estado se antecipasse. Nós queremos um estado que possa, de forma séria, responsável, educar essa ocupação. Hoje, está consagrado que o desmatamento gerado pela ocupação não vai existir mais – e nós vamos votar o Código Florestal proximamente. E nós temos terra suficiente para transformar essa última fronteira agrícola num grande celeiro de produção, sem desmatar uma só árvore, melhorando o aproveitamento e agregando tecnologia àquela região. O estado vai estar lá para disciplinar, para fiscalizar, para inibir essa prática [de ocupação desordenada]. E então promover um desenvolvimento sustentável. A presença do estado vai inibir essa prática predatória.
Há discussões sobre a repartição de outros estados. A tripartição do Pará não pode provocar uma onda de divisão em outras regiões, de forma que o impacto ambiental passe a ser de fato uma ameaça?
Eu posso te dizer que, [projetos de divisão de estados] tramitando na Casa, só tem quatro. Especulações, inúmeras. Isso não pode ser feito de forma irresponsável. Um estudo foi previsto na Constituinte de 1988 para fazer uma recomposição geopolítica. Isso foi feito por um grupo parlamentar e ministerial, que deveria apresentar um resultado em um prazo de um ano, focado principalmente na redução geopolítica da Amazônia. O constituinte de 1988 se preocupou com isso. Depois [o estudo] não foi feito, ou seja, não se cumpriu uma determinação da Constituinte de 1988, que seria fazer essa análise da geopolítica brasileira. Portanto, eu entendo que, onde quisermos criar estados, a exemplo dos já criados, será um grande avanço. Mas é necessário que se faça isso de uma forma responsável.
Uma vez aplicados os recursos na divisão, quanto tempo levará até serem verificados os retornos sócio-econômicos?
Esse gasto é um gasto que já tem hoje. O Pará mantém as escolas, os hospitais, a segurança pública, de forma precária. São gastos previstos na receita própria do estado, não vai aumentar gasto nem de um e nem de outro, não vai aumentar a taxa de impostos sobre o cidadão. Não se vai tirar dinheiro do governo federal para aplicar no novo estado. O próprio estado vai fazer uma inversão financeira para ter o benefício de uma melhor qualidade de vida. Se o Tocantins, em 20 anos, promoveu essa transformação extraordinária – e era o corredor da miséria em Goiânia, o que nós não somos -, temos um potencial extraordinário. Temos [Carajás] 70% do rebanho bovino do Estado do Pará, e isso significa o sétimo maior do Brasil; nós temos plataformas industriais formidáveis no setor do agronegócio; temos a Vale do Rio Doce investindo, nos próximos cinco anos, R$ 35 bilhões. Temos todo um potencial que precisa ser instrumentalizado pelo estado, ou então atrair novas empresas que abracem esse desafio conosco. Eu acho que esse resultado virá muito mais cedo do que foi no caso do Tocantins, por causa do potencial hoje existente.
Do ponto de vista econômico, a divisão também traria vantagens?
Medido pelo censo de 2010: já há uma migração natural para aquelas regiões, o que nos permite dizer que essa migração já existe apenas na esperança de que oportunidades de negócio, de emprego, possam ali agregar. Observe que, na região Norte, considerando-se a população entre 2000 e 2010, sendo a média de crescimento da população nacional de 12,5% no período, o estado do Pará cresceu 40%. Em Carajás, a soma dos nossos 39 municípios vai gerar um crescimento de 38%. Significa dizer que há uma migração natural para a região Norte. No Acre, no Amazonas, todos com migrações extraordinárias de pessoas em busca de novas fronteiras, de oportunidade de emprego, de renda, em busca de qualidade de vida, de um trabalho melhor, com dignidade. Essa migração é intensamente da região Nordeste. Isso não vai diminuir. Pelo contrário, vai aumentar com a criação de um novo estado, mas gerando oportunidades para todos os brasileiros. O potencial é muito grande. Falta gerenciamento, e é isso o que nós queremos para a região.