De carona na rejeição popular à criação de um fundo bilionário para bancar gastos de candidatos com as eleições, os presidentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), articulam a volta do financiamento eleitoral por empresas, proibido em 2015, por 8 votos a 3, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para que a medida entre em vigor nas eleições de 2018, o Congresso Nacional precisaria promulgar uma emenda constitucional até 7 de outubro.
O assunto é objeto de uma proposta que aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Caso passe pela comissão e por duas votações no plenário sem modificações, o texto já poderá ser promulgado. Os deputados já aprovaram a PEC 113C/2015 há dois anos. O presidente da CCJ, Edison Lobão (PMDB-MA), anunciou que vai desengavetar a proposta nesta semana, designando um relator.
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Resistência de Eunício
A manobra para aprovar a volta do financiamento empresarial enfrenta uma resistência de peso. Responsável por pautar as votações em plenário, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), criticou duramente a eventual retomada do antigo modelo.
“Meia dúzia de pessoas passaram a defender essa história de financiamento privado. Se esse sistema, que era legitimado por lei, deu no que deu, nós agora dentro de um processo desses vamos criar novamente financiamento privado de empresas?”, questiona Eunício.
Os presidentes do Senado e da CCJ, bem como da Câmara, são alvos de investigação no Supremo. A suspeita é de que eles receberam doações eleitorais ilícitas de empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato.
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Custeio da democracia
Voto vencido no julgamento que declarou a inconstitucionalidade das doações empresariais, Gilmar defendeu ontem, durante um seminário promovido pelo jornal O Estado de S.Paulo, a decisão da corte, que, segundo ele, só tornou o processo eleitoral mais confuso.
“Quando se faz reforma no Legislativo, elas são mais completas. Quando fazemos as nossas, nós o fazemos de maneira pontual, como fizemos com a cláusula de barreira (rejeitada pelo Supremo) ou quando só tratamos do financiamento (proibição da doação empresarial), dissociado do modelo eleitoral”, declarou.
Para ele, diante da resistência à criação de um fundo eleitoral, em votação na Câmara, não resta outra saída para financiar as campanhas a não ser a volta das doações por empresas. “Temos que discutir o custeio da democracia. Se colocarmos num plebiscito, vamos ter a resposta de que não se quer fundo público nem corporativo. Então como fica?”, indagou.
Segundo Gilmar, irregularidades constatadas nas eleições de 2016, as primeiras com o novo modelo, mostram que o fim do financiamento empresarial não resultou em eleições mais limpas. De acordo com o ministro, 300 mil dos 700 mil doadores individuais nas disputas municipais do ano passado não tinham renda compatível para justificar as contribuições feitas às candidaturas.
Rejeição da equipe econômica
Também presente no seminário do Estadão, Rodrigo Maia disse que considera inviável a criação do fundo eleitoral. “Não consigo encontrar condições, pelas discussões que tive com a equipe econômica nas últimas semanas sobre a situação fiscal do Brasil, de organizar R$ 3 bilhões para financiar a campanha”, declarou.
Para ser aprovado na Câmara, o fundo precisa do apoio de pelo menos 308 deputados na votação marcada para esta terça-feira (22). O mesmo quórum terá de ser atingido na votação em segundo turno. Só então a proposta seguirá para o Senado, onde terá de superar a resistência de senadores e o calendário apertado para valer em outubro do ano que vem.
O relatório do deputado Vicente Cândido (PT-SP), recentemente aprovado em comissão especial, prevê a destinação de valor correspondente a 0,5% da Receita Corrente Líquida da União. Na prática, isso representa R$ 3,6 bilhões. O texto dele também muda a forma de eleição de deputados e vereadores, substituindo a eleição proporcional pelo modelo majoritário, o chamado distritão, pelo qual são eleitos apenas os mais votados.
Maia defendeu uma alternativa ao relatório de Vicente Cândido. Para ele, a Câmara poderia aprovar a criação do fundo sem vinculá-lo à receita corrente líquida e aguardar a decisão do Senado sobre a volta do financiamento empresarial.
Pela regra anterior, as empresas podiam doar até 2% do faturamento bruto obtido no ano anterior ao da eleição. No caso das pessoas físicas, a doação era limitada a 10% do rendimento bruto do ano anterior. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), autora da ação que resultou na proibição do financiamento empresariais, cerca de 70% do dinheiro destinado às campanhas eleitorais em 2014 veio de empresas privadas. Para a OAB, as doações empresariais tornam as eleições menos democráticas e transparentes e ainda mais suscetíveis ao poder econômico. Além disso, observa a Ordem, atrela políticos aos interesses de seus financiadores empresariais.