Mário Coelho
O clima esquentou entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) durante a sessão plenária desta quarta-feira. Ao discutirem um embargo de declaração impetrado pela Procuradoria Geral da República (PGR), o ministro Joaquim Barbosa disparou contra o presidente da corte, Gilmar Mendes. No momento mais quente da briga, Barbosa afirmou que Mendes “está na mídia destruindo a credibilidade do judiciário brasileiro”.
O bate-boca começou durante a discussão de um embargo de declaração a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2791, proposto pelo governo do Paraná. A lei em questão cria o Sistema de Seguridade Funcional do Estado do Paraná e transforma o Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado do Paraná (IPE) no Paranaprevidência. Foi contestado um trecho da lei que permitia os serventuários da Justiça não remunerados pelo estado a serem inscritos no regime próprio de previdência dos servidores públicos estaduais de cargos efetivos.
Mendes defendia que o Supremo deveria se pronunciar sobre os efeitos da decisão. Barbosa, entretanto, foi contra à tese. Nesse momento, começou a troca de farpas entre os dois membros da mais alta corte de Justiça do país. “A sua tese deveria ter exposta em pratos limpos”, disparou Barbosa. “Ela foi exposta em pratos limpos, eu não sonego informação. Vossa excelência me respeite. Isso foi discutido. Vossa excelência não estava na sessão. Vossa excelência faltou à sessão”, devolveu o presidente do STF.
Percebendo que o clima esquentaria ainda mais, o ministro Carlos Ayres Britto decidiu pedir vista ao processo, na expectativa de que o bate-boca parasse ali. Entretanto, o ministro Carlos Alberto Direito pediu para que o plenário analisse outro processo, de tema similar. Mostrando que não havia superado as críticas do colega, Gilmar Mendes citou a data que a ADI 2791 foi julgada e voltou a dizer que Barbosa não estava presente à sessão. “Todos os pressupostos foram explicados à época, nenhuma informação foi sonegada.”
A partir dessa frase, o plenário do STF testemunhou, por aproximadamente cinco minutos, a briga entre os dois ministros. Barbosa sentiu a necessidade de rebater, depois da explicação de Mendes. “Eu não falei em sonegação de informação, ministro Gilmar. O que eu disse: nós discutimos, naquele caso anterior, sem nos inteirarmos totalmente das consequencias da decisão, porque inseria os beneficiários. Eu acho um absurdo”, retrucou Barbosa.
O que até então era uma discussão acalorada sobre um caso específico, descambou para as ofensas pessoais. O presidente do Supremo disse que “quem votou na época sabia [das consequencias]” e que o colega “julgaria por classe”. Seguiu-se então o seguinte diálogo:
Joaquim Barbosa – Não [não julga por classe], eu sou atento às consequencias da minha decisão.
Gilmar Mendes – Todos nós somos. Vossa excelência não tem condições da dar lição de moral.
Joaquim Barbosa – E nem vossa excelência! Vossa excelência está destruindo a justiça deste país.
(Gilmar Mendes gargalha ao fundo)
Joaquim Barbosa – E vem agora dar lição de moral em mim? Saia à rua ministro Gilmar, saia à rua.
Carlos Ayres Britto interrompe – ministro Joaquim, nós já superamos essa discussão com meu pedido de vista.
Joaquim Barbosa – Vossa excelência [Gilmar Mendes] não tem nenhuma condição…
Gilmar Mendes – Eu estou na rua ministro Joaquim.
Joaquim Barbosa – Vossa excelência não está não. Vossa excelência está na mídia destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro. Quando vossa excelência se dirige a mim, não está falando com os seus capangas no Mato Grosso, ministro Gilmar.
Ayres Britto voltou a interromper a discussão dos dois. A ele, juntou-se o ministro Marco Aurélio Mello, que sugeriu encerrar a sessão naquele momento. Marco Aurélio comentou que esse tipo de bate-boca não traz nenhum benefício para o Supremo. Barbosa, antes do encerramento, ainda procurou se defender. “Fiz uma intervenção regular, normal. A reação brutal, como sempre, veio de vossa excelência [Gilmar Mendes].” O presidente da corte respondeu: “Vossa excelência disse que eu faltei aos fatos, o que não é verdade”.
A sessão acabou sendo encerrada naquele momento. Mendes, então, convocou todos os ministros para uma reunião dentro do seu gabinete. Barbosa saiu sem conversar com a imprensa. Até o momento, a assessoria de imprensa do STF não se pronunciou sobre o assunto. Por conta do bate-boca, a plenária do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que deveria iniciar às 19h, começou somente às 20h30. Na composição da corte eleitoral, estão três ministros do Supremo.
Esta foi a segunda briga pública entre Barbosa e Mendes. Em setembro de 2007, os dois discutirram quando o hoje presidente do STF propôs votar novamente, com a presença de todos os 11 ministros que integram o Supremo, uma questão decidida em uma ocasião anterior, quando um dos ministros não estava. “Ministro Gilmar, me perdoe a palavra, mas isso é ‘jeitinho’. Nós temos que acabar com isso”, disse Barbosa na ocasião. Em resposta, Mendes disse que não iria responder à provocação. “Vossa Excelência não pode pensar que pode dar lição de moral aqui”, retrucou Mendes, em 2007.
Alguns minutos após a discussão, o video já estava registrado no You Tube. Além do meio virtual, telejornais e programas de rádio de diversos veículos de comunicação já exibem imagens e audio com as principais bravatas dos ministros. Em poucas horas, o vídeo já tinha mais de 300 exibições no You Tube e 26 comentários, a maioria elogiando Joaquim Barbosa e criticando Gilmar Mendes.
Apoio
Após a reunião de cerca de mais de três horas de duração, convocada por Gilmar Mendes, oito ministros divulgaram nota à imprensa na qual manifestam apoio ao presidente da corte.
Diz a nota, subscrita pelos ministros Celso de Mello (decano do Supremo), Marco Aurélio, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito:
“Os ministros do Supremo Tribunal Federal que subscrevem esta nota, reunidos após a Sessão Plenária de 22 de abril de 2009, reafirmam a confiança e o respeito ao Senhor Ministro Gilmar Mendes na sua atuação institucional como Presidente do Supremo, lamentando o episódio ocorrido nesta data.”
Colaborou Fábio Góis