Mesmo que a Câmara recue da polêmica proposta de garantir um auxílio-funeral de R$ 16,5 mil para a família de deputados que morrerem no exercício do mandato, ninguém ficará desassistido na hora do enterro. Pelo menos, não por falta de dinheiro.
Antes de incluir a proposta do auxílio na pauta da Mesa Diretora, a Câmara simplesmente ignorou um benefício garantido por lei desde 1975 aos familiares dos parlamentares falecidos.
Atualmente, toda vez que um deputado morre, sua família recebe R$ 564 mil de pecúlio, sem que nenhum centavo a mais saia dos cofres públicos. O valor é recolhido por meio de uma espécie de “caixinha” dos 513 deputados, pois cada um cede 2/30 de seus salários para ajudar os parentes do falecido.
Com a morte no ano passado dos deputados Gerônimo da Adefal (PFL-AL), Enéas Carneiro (Prona-SP), Júlio Redecker (PSDB-RS) e Nélio Dias (PP-RN), a Câmara já pagou nesta legislatura mais de R$ 2,2 milhões com os quatro pecúlios. Em breve, também pagará o benefício para a família do deputado Ricardo Izar (PTB-SP), presidente do Conselho de Ética, morto na última sexta-feira (2).
Os decretos legislativos 96/75 e 29/81 determinam que os valores sejam pagos na folha de pagamento seguinte à morte do deputado, descontando-se da remuneração de cada colega de plenário. Caso mais de um deputado morra no período, os pagamentos serão feitos nos meses seguintes.
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Com o pecúlio, nenhum centavo é gasto pelo erário. Segundo o diretor de Seguridade Parlamentar da Câmara, Nilson Matias, metade dos R$ 564 mil do pecúlio fica com a viúva do parlamentar e o restante é dividido entre os filhos, embora, para esses, o valor fique bloqueado até que eles completem 18 anos.
Em casos em que há disputa de bens, espólios ou testamentos, a Câmara deposita o valor em juízo até que tudo seja resolvido pela Justiça, explica o diretor de Seguridade Parlamentar.
Ontem (6), o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), disse que alguns dispositivos do Projeto de Resolução 124/08, que cria o auxílio-funeral para os deputados, também lhe causam “incômodo” e que vai mandar a Mesa Diretora reavaliar a medida. A certa altura da entrevista coletiva, ele chegou a comentar que já existe uma “caixinha” dos deputados para resolver essas questões, mas não falou diretamente do pecúlio.
Super-luxo
Segundo o projeto de resolução, que tramita em regime de prioridade e depende de aprovação do plenário, as famílias dos deputados teriam direito a até R$ 16.500 – o valor do salário dos congressistas – para cobrir despesas de traslado e funeral. Se preferirem, poderiam optar para que a Câmara mesmo se encarregasse de encomendar os serviços.
O assunto será tratado na próxima reunião da Mesa, em data ainda não confirmada. A polêmica não está só na criação do benefício, mas também no valor proposto.
O presidente da Associação Brasileira de Empresas e Diretores Funerários, Lorival Panhozzi, disse ao site que, pela tabela da categoria, o funeral mais caro sai no máximo a R$ 11 mil.
"A não ser que eles incluam o translado, mas dá para fazer um belo funeral com menos do que os R$ 16 mil. Com esse dinheiro, é um funeral mais do que super-luxo", avalia.
O autor da proposta do auxílio-funeral, o diretor geral da Câmara, Sérgio Sampaio, disse que não poderia falar ontem com o Congresso em Foco. Mas auxiliares dele confirmaram que a administração da Casa considera “importante” a ajuda para as famílias prevista no projeto de resolução.
Eles alegam que, embora mais vantajoso para os familiares e sem custos adicionais para a Câmara, o pecúlio não pode substituir o auxílio-funeral. Isso porque os valores podem demorar de um a vários meses para sair.
Avião da FAB
Segundo esses auxiliares, a mulher do ex-deputado Gerônimo da Adefal, morto em março do ano passado, levou três meses para receber o pecúlio. Mais: ela teve de esperar um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) transportar o corpo do marido, porque não tinha recursos para bancar o traslado de Brasília, onde ele morreu, para Alagoas. “Você pode duvidar que tenha família pobre de deputado, mas tem”, disse Chingalia ontem.
A solução seria permitir que o valor do pecúlio pudesse ser adiantado para cobrir as despesas do funeral. Entretanto, os servidores da Diretoria Geral da Câmara informam que isso precisaria estar previsto na legislação.
Auxiliares da Diretoria Geral da Câmara negaram que o PRC 124 estenda o benefício do auxílio-funeral a ex-parlamentares. Eles disseram que apenas deputados em exercício – o que exclui os licenciados – teriam direito ao auxílio. E enfatizaram que todos os órgãos da administração pública mantêm o benefício aos servidores públicos e autoridades.
"Exorbitante"
Benefício semelhante é previsto para os cerca de 3 mil servidores efetivos da Câmara, mas o rateio entre eles não envolve os parlamentares, mas apenas o desconto dos próprios funcionários concursados. O problema é que famílias de servidores, ao contrário dos familiares dos parlamentares, esperam até 15 anos para receber o pecúlio.
Por isso, o Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo e do Tribunal de Contas (Sindilegis) entrou com uma ação para pôr fim ao pecúlio dos servidores ainda em agosto de 2005. A ação foi indeferida pela 17ª Vara Federal do Distrito Federal. O Sindicato recorreu ao Tribunal Regional da Primeira Região (TRF1ª). O processo foi recebido em 11 de janeiro deste ano.
Segundo o presidente do Sindilegis, Magno Mello, a intenção é que a Câmara assuma o passivo do pagamento do pecúlio, já que famílias de funcionários esperam muito tempo para receber o benefício. "Houve um descompasso e estão morrendo mais pessoas do que o previsto, pois foram incluídos os servidores inativos. A Câmara só aceita a saída do pagamento compulsório se os funcionários arcarem com o passivo", diz Mello.
O sindicalista
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