Edson Sardinha |
O descumprimento das finalidades previstas em lei para o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) pode inviabilizar, não só os projetos de inclusão digital, como a continuidade da cobrança da própria contribuição. A avaliação é feita por um dos principais especialistas na área, o juiz Fernando Neto Botelho, da 4ª Vara de Feitos Tributários de Minas Gerais. O Fust é composto pelo recolhimento de 1% sobre o faturamento bruto das empresas de telecomunicações e, por lei, deveria ser usado na instalação de computadores e internet em escolas, bibliotecas e hospitais das regiões mais pobres do país. Com ele, de acordo com a proposta orçamentária para 2005, o governo espera arrecadar, em média, R$ 44 milhões por mês. O juiz explica que o cumprimento das finalidades legais para o Fust é essencial para validar a contribuição. Segundo Botelho, o desvio do dinheiro para fazer superávit primário transforma o tributo em um “imposto travestido”. Com o contingenciamento anunciado pelo governo, a contribuição do Fust passaria a ser caracterizada como um tributo sem finalidade, característica dos impostos em geral. Leia também O problema, alerta, é que o setor de telecomunicações é imune constitucionalmente à incidência de novos impostos. “Assim, ou se cumpre a finalidade legal do Fust, ou a própria contribuição estará ameaçada”, adverte o juiz. Ele é autor do livro “As Telecomunicações e o Fust” (ed. Del Rey, 2001). Congresso em Foco – O senhor acredita que esses mais de R$ 3 bilhões do Fust, que estão parados, serão usados na universalização dos serviços de telecomunicações? Ou o dinheiro continuará servindo para o governo fazer “caixa”? Juiz Fernando Neto Botelho – Essa é uma decisão primeiramente política, e não tenho elementos para análise da questão política, menos ainda da motivação interna da administração federal quanto a qualquer receita pública, seja ou não do Fust. Mas é preciso acentuar que, qualquer restrição que se faça ao empenho dos recursos do Fust – dos que já foram recolhidos ou mesmo daqueles que serão recolhidos – equivale a desvio da finalidade legal a ele prevista. Esse desvio de finalidade contraria a legalidade estrita do fundo, violação que compromete, inclusive, a exigibilidade da própria contribuição, que passa a não mais adotar caráter finalístico, que é essencial a ela. Como assim? Se esse contingenciamento ocorrer, a contribuição do Fust estará sujeita a uma mutação conceitual, passando a adotar característica de "imposto travestido", ou, de tributo sem finalidade, quando foi ela editada para cumprimento imprescindível de uma dada finalidade. Na prática, o que isso significa? A hipótese, portanto, trará uma nova configuração à questão, pois o faturamento dos serviços de telecomunicações já se faz pré-tributado por outros impostos, não comportando a permanência de mais um, que se consolidaria com a transformação da contribuição em um tributo sem finalidade, característica dos impostos em geral. Deve-se lembrar, inclusive, que os serviços de telecomunicações gozam, hoje, de imunidade A descentralização desses recursos resolveria o problema? O problema atual não é de centralização dos recursos com a União, na minha opinião. É de não-cumprimento do dispositivo legal da Lei do Fust, que determina o empenho dos recursos em projetos e programas nela mesma previstos. O descumprimento das finalidades do Fust – a redução das desigualdades sociais e regionais, por meio da redução das desigualdades telecomunicativas – equivale ao descumprimento de finalidade do próprio Estado brasileiro. “O descumprimento das finalidades do Fust (…) O contingenciamento desses recursos, então, fere a Constituição? A proibição dos empenhos das receitas pré-recolhidas ao Fust – medida repetida nos últimos três anos, para fomentar o "superávit" primário – viola, assim, a Constituição. E, a toda violação da Constituição, equivale medida, prevista na lei, para solução. Essas medidas não me parecem necessitar de qualquer descentralização administrativa dos recursos, o que inclusive demandaria uma intrincada modificação legal da Lei do Fust e um imenso e ácido debate sobre a própria questão do federalismo, já que as receitas do Fundo são originárias da prestação de serviços de telecomunicações, que são serviços, por definição constitucional, de competência única e exclusiva da União, e não dos demais entes da Federação. Acho que iríamos, por esse caminho, inaugurar mais um contraditório de altíssima complexidade. Sou, portanto, contrário à proposta, embora a respeite e a considere útil para o debate. “A proibição dos empenhos das receitas pré-recolhidas ao Fust – medida repetida nos últimos três anos, para fomentar o "superávit" primário – viola a Constituição”
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