O governo Lula afastou-se das bases originais do PT e fez concessões demais à elite. A opinião é do frade dominicano Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, militante do PT desde a fundação do partido e amigo do atual presidente da República há mais de duas décadas.
Em entrevista publicada na nova edição da revista IstoÉ, Frei Betto critica a política econômica, diz que o governo Lula é "esquizofrênico" e que o PT, ao retirar do seu ideário o compromisso com o socialismo, operou "uma metamorfose da linguagem". "O pensamento burguês é mestre em fazer isso para iludir as pessoas, e o PT repetiu essa técnica", definiu. Mas ele inocenta Lula de qualquer responsabilidade pelas práticas irregulares denunciadas pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ).
Frei Betto, que assessorou o presidente Lula até o final de 2004, aborda a experiência no governo em "Mosca azul, reflexão sobre o poder", livro que a Editora Rocco lança nesta semana. Veja os principais trechos da entrevista que ele deu à jornalista Ana Carvalho:
"O PT foi eleito pelo MST, pela CUT, pelo povo das portas das fábricas, das comunidades eclesiais de base, dos movimentos de mulheres, de negros, enfim, o PT venceu em razão de suas profundas ligações com suas bases. Ao chegar ao poder, no entanto, o partido e o governo Lula passaram a tratar essas mesmas bases com distanciamento, incomodados com suas reivindicações, com sua marcha. Isso provocou uma mudança no discurso e na lógica ideológica do partido".
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"É uma incongruência o presidente defender a autonomia do Banco Central. Ele não pode delegar ao BC e ao Ministério da Fazenda a direção econômica do país. Não entendo, com a história que tem, com o pensamento que tem, como Lula mantém tão aferradamente essa linha que está atravancando o desenvolvimento brasileiro. Na minha opinião, o fato de o Brasil ter pagado a dívida ao FMI não é motivo de orgulho. Gostaria que aqueles US$ 15 bilhões tivessem sido usados para pagar a dívida social, que é enorme".
"O PT poderia ter chegado ao governo sem fazer tantas concessões à elite. Da mesma maneira que poderia ter tido aliados que não fossem adversários dos princípios defendidos pelo partido ao longo de sua história".
"O Lula foi eleito para varrer os tucanos no Ministério da Fazenda e do BC. No entanto, não só permaneceram lá como ditam a política econômica. Ela é mais ortodoxa do que no governo FHC. Nesse sentido, o governo Lula é esquizofrênico. Tem políticas sociais avançadas e uma política econômica ultraneoliberal. Essa contradição tem de ser resolvida. Fica complicado acreditar num projeto de desenvolvimento com uma política que beneficia o capital e acentua as desigualdades sociais".
"O PT cometeu um grave erro de, no início de 2003, não apurar todas as denúncias de corrupção nos dois mandatos de FHC. Empurrou as denúncias para baixo do tapete. Resultado: eles vão bater forte na questão ética e o PT não vai ter fôlego para recuperar a memória popular em relação às maracutaias ocorridas na era FHC. Foi lamentável o PT não apurar o que aconteceu na privatização das teles e não investigar a dívida externa, como prometeu".
"Lula e o eleitor também foram pegos de surpresa por toda essa maracutaia dos dirigentes do PT".
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