Radicado há décadas no Brasil, Carlos Lungarzo, incansável defensor dos direitos humanos, é argentino de nascimento e conhecedor profundo da trajetória do jesuíta Jorge Bergoglio, agora papa Francisco, outro líder conservador de uma Igreja que, qual avestruz, enterra cada vez mais a cabeça na areia para alhear-se dos desafios da atualidade.
Os “Segredos do santo padre”é um artigo obrigatório. Nele, Lungarzo traça o perfil de um religioso que, por identificação ideológica com a ditadura argentina, oportunismo ou pusilanimidade, recusou ajuda a um membro da sua Ordem, permitindo que ele caísse nas garras dos esquadrões da morte militares; e não moveu uma palha para encontrar uma criança recém-nascida sequestrada pela repressão, indiferente às súplicas da família.
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O que ele tem em comum com Pedro é já haver negado Cristo… e muito mais do que três vezes!
O paralelo mais apropriado, contudo, é com o papa Pio XII, aquele que ficou em cima do muro enquanto grassava a barbárie nazista.
Destaco os trechos principais:
“A Argentina voltou à normalidade democrática em 1983 quando o então padre Bergoglio estava com 47 anos. Nessa época, o atual papa era reitor do (…) maior seminário de formação de sacerdotes da Argentina (…), após ter sido, entre 1973 e 1979, o principal chefe (…) da poderosa e influente ordem dos jesuítas…
PublicidadeEm 1983, Jorge Bergoglio, uma figura austera, silenciosa, alheia a chamar a atenção, não tinha nenhuma influência política evidente, mas acumulava muita influência invisível. Ele utilizou essa influência para tentar mostrar um rosto ‘moderno’ da Igreja, modificando a imagem desta como cúmplice qualificada e ativa dos genocídios e torturas generalizadas, que foram comuns na Argentina…
Como é bem conhecido, a Igreja Católica apoiou intensa e devotadamente os crimes da ditadura, não apenas encobrindo ou justificando-os, mas também dando apoio psicológico e propagandístico, colocando a seu serviço seu aparato internacional (incluída a máfia italiana e o grupo P2), abençoando as máquinas de choque e os instrumentos usados para mutilação, e até, em vários casos, aplicando tortura com suas próprias mãos.
Há pelo menos 40 livros em espanhol e pelo menos 15 em inglês, dedicados de maneira total ou parcial à cumplicidade da Igreja Católica com os crimes de Estado na Argentina nos anos 1976-1983, e milhares de páginas de Internet.
Como em muitos outros países, uma minoria de padres apoiou a causa dos direitos humanos e teve certa militância no que foi chamado ‘Teologia da Libertação’.
Dois deles foram os jesuítas Orlando Dorio e Francisco Jalic que propagavam uma visão social do cristianismo em favelas e bairros populares. Estes padres foram capturados pelos esquadrões da morte dos militares e submetidos a tortura, mas conseguiram sobreviver. Enquanto Jalic se fechou num mosteiro alemão e nunca mais falou de seu passado (e possivelmente, nunca voltou à Argentina), Dorio acusou explicitamente Bergoglio, que era a máxima autoridade de jesuítas, de ter negado proteção e haver permitido que ele fosse capturado.
Bergoglio usou por duas vezes a prerrogativa de não acatar as decisões da Justiça, privilégio que a Argentina concede aos bispos, que têm um fórum privilegiado equivalente ao dos deputados, senadores e presidentes. Em função disso, recusou dar depoimento aos tribunais que julgaram os crimes contra a humanidade na época da ditadura.
Bergoglio aceitou, porém, comparecer a uma terceira intimação, quando a pressão dos milhares de vítimas se tornou muito intensa.
Segundo a advogada Myriam Bregman, que trabalha em direitos humanos, as afirmações de Bergoglio, quando aceitou ir aos tribunais, mostram que ele e outros padres eram coniventes com os atos praticados pela ditadura. Ele, porém, não foi indiciado, também com base na ‘falta’ de provas.
Em 1977, a família De la Cuadra (…) teve sequestrados cinco de seus membros, dos quais apenas um reapareceu muito depois.
O padre Bergoglio se recusou a indagar onde eles estavam e até a ajudar a procurar uma criança recém-nascida, filha de uma das mulheres desaparecidas.
Em algumas ocasiões, o Santo Padre não pôde refutar que a ditadura argentina tinha cometido numerosas atrocidades, mas argumentou que isso foi uma resposta provocada pela esquerda, que, segundo ele, também teria usado o terror. Este infame argumento, como todos sabem, foi fortemente repudiado em todos os países que tiveram ditaduras recentemente.
Durante o governo de Néstor Kirchner e, após, o de sua esposa, Cristina Fernández, o atual papa, mantendo seu estilo ‘sutil’ aproveitou para criticar muitas vezes o governo (…), acusando-o de ditatorial, de gerar o caos, de defender pessoas de vida sexual ‘abominável’, etc.
Com seu estilo aparentemente moderado, Bergoglio teve certo sucesso onde outros padres, que pregaram abertamente a tortura e o genocídio dos ateus e marxistas, fracassaram. Com efeito, apesar de ser unanimemente repudiado pelos defensores de direitos humanos, inclusive os católicos, ele nunca foi processado, como aconteceu com o padre Wernich, e até conseguiu forjar uma máscara de tolerância“.
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