Para o professor de sociologia Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), os integrantes da Lava Jato (incluindo magistrados, procuradores e advogados) operam em um circuito que chama de “fechado” e que funcionaria “em rede”.
O professor comanda um grupo de pesquisa chamado “República do Nepotismo”, que utiliza a técnica da prosopografia (biografia coletiva de determinado grupo social ou político) para demonstrar que pessoas como Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e advogados ligados às delações são herdeiros de figuras do Judiciário e da política paranaenses. O estudo será apresentado na segunda quinzena deste mês.
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“Eles se conhecem muitas vezes desde a infância, porque os pais já se conheciam. Frequentaram as melhores escolas, universidades, têm sociabilidade em comum. Quer dizer, vivem na mesma bolha. Têm as mesmas opiniões e gostos políticos e ideológicos. E todos têm conexão com a indústria advocatícia, com os grandes escritórios jurídicos”, afirma.
Leia os principais trechos da entrevista.
Quais as principais conclusões do estudo que o sr. desenvolve na UFPR?
Em primeiro lugar, quando a gente pensa na magistratura brasileira e do Paraná, sempre se deve entendê-la como unidades de parentesco. São famílias ao mesmo tempo jurídicas e políticas, uma unidade que sempre opera em rede. Não existe aquela figura, como alguns imaginam, de pessoas que são “novas”, ou “emergentes”, ou “renovadoras”. Os resultados mostram que são todos herdeiros de uma velha elite estatal.
Isso inclui os integrantes da Lava Jato?
Sim, o juiz Sérgio Moro e todo mundo, temos todos os documentos. É uma elite estatal hereditária porque eles apresentam parentescos no sistema judicial bastante significativos. Não apenas parentesco, mas também relações matrimoniais, de amizade e de sociabilidade. Há também a dimensão do corporativismo. Se forma um grande circuito formativo ideológico, de convivência, que tem determinados padrões e valores hereditários. O próprio Sérgio Moro, uma figura central, filho de um professor universitário, tem como primo um desembargador, o Hildebrando Moro. Ter um parente no Tribunal de Justiça, para os códigos internos, faz muita diferença. Na nossa interpretação, é um sistema pré-moderno. Ele não funciona através de regras impessoais ou de aspectos técnicos, mas com muito poder pessoal. De modo que o ator, na magistratura, tem uma capacidade incrível de determinar a agenda, a temporalidade dos processos, no sentido de escolher os que quer acelerar e aqueles que serão adiados.
Existe relação de proximidade entre magistrados, procuradores e advogados da Lava Jato?
Sim, é o mesmo circuito. Tem o caso da esposa do Moro, a Rosângela Maria Wolff Quadros, que é advogada. Ela está situada dentro do clã da família Macedo, genealogia extremamente importante no Paraná, que atinge atores nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e no empresariado. Como Rafael Greca de Macedo [prefeito de Curitiba], o Beto Richa [governador do Paraná licenciado] e um conjunto de empresários e desembargadores do Tribunal de Justiça. Até se usa o termo “Macedônia”, dada a importância da família Macedo. E a família Wolff é típica do poder local de São Mateus do Sul [interior do Paraná], é uma estrutura que vem da República Velha, do coronelismo. Ela, como advogada, tem relações profissionais com a Apae. E aí há uma conexão direta com a família Arns. Flávio Arns foi senador, vice-governador, ator de atividades assistenciais. E com o advogado Marlus Arns de Oliveira, que é sobrinho do Flávio Arns.
Qual a relação entre eles?
É uma relação profissional [da esposa de Moro] com a família Arns e com as Apaes. Eles trabalharam juntos com as Apaes. O Marlus Arns é advogado de muitos acusados da Lava Jato nas delações premiadas. Chegou até a defender Eduardo Cunha. Em matérias da imprensa sobre advogados amigos do Sérgio Moro, como o Carlos Zucolotto, e as questões sobre Rodrigo Tacla Duran, mostra a partir do casal uma indústria jurídica da Lava Jato, em que muitos dos principais advogados da Lava Jato têm relações próximas com os operadores.
Quais casos foram identificados pelo grupo de pesquisa?
O do procurador Diogo Castor de Mattos, que era filho do falecido procurador Delívar Tadeu de Mattos. Ele foi casado com Maria Cristina Jobim Castor, que era irmã de Belmiro Valverde Jobim Castor, que foi empresário, secretário de Estado, do Bamerindus, um nome muito importante na política. No escritório da família, o Delívar de Mattos & Castor, trabalha um irmão do procurador, que se chama Rodrigo Castor de Mattos. Ele foi advogado do marqueteiro João Santana. É mais uma relação direta de parentesco, que corrobora que é uma indústria advocatícia da Lava Jato muito próxima dos seus protagonistas.
Há situações parecidas com outros integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba?
O Carlos Fernando dos Santos Lima é filho de Osvaldo Santos Lima, que foi procurador, deputado estadual da Arena e presidente da Assembleia Legislativa do Paraná em 1973. Ele também tem dois irmãos no Ministério Público. A esposa dele teve relação com o Banestado [banco paranaense que deu origem a escândalo de corrupção nos anos 1990 e Carlos Fernando investigou]. O Deltan Dallagnol é filho do ex-procurador Agenor Dallagnol. Ele passou no concurso sem ter os dois anos de formado, o pai foi o advogado [na apelação da União, em que a Justiça deu vitória ao procurador]. Todos os operadores da Lava Jato também são extremamente conservadores e têm perfil à direita, semelhante aos seus parentes que faziam parte do sistema na ditadura. Naquela época, seus pais eram gente do establishment. E eles herdam a mesma visão de mundo. É uma elite social, política e econômica.
Os integrantes da Lava Jato vivem em um meio comum?
Sim, eles se conhecem muitas vezes desde a infância, porque os pais já se conheciam muitas vezes. Eles frequentaram as melhores escolas, universidades, têm sociabilidade em comum. Quer dizer, vivem na mesma bolha. Têm as mesmas opiniões e gostos políticos e ideológicos. E todos têm conexão com a indústria advocatícia, com os grandes escritórios jurídicos que atuam no sistema judicial.
Na pesquisa, o sr. ouviu falar sobre advogados que conseguem acordos de delação com a Lava Jato fazerem parte de um mesmo grupo?
É exatamente o que os resultados revelam, porque alguns principais advogados da indústria da delação são nomes com conexão com as famílias da Lava Jato.
O mesmo se aplica aos tribunais superiores na Lava Jato?
O circuito é o mesmo quando você analisa o Tribunal Regional Federal da 4ª Região [TRF-4]. Tem o João Pedro Gebran Neto, neto do ex-diretor-geral da Assembleia Legislativa do Paraná. Ele vem de uma das mais tradicionais famílias da Lapa, de onde sai boa parte das famílias que dominam a política paranaense nos anos 1970. Victor Luiz dos Santos Laus é bisneto do fundador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, presidente do TRF-4, é neto do desembargador ministro Thompson Flores, que foi do Supremo Tribunal Federal (STF) durante a ditadura militar, uma das principais genealogias do Rio Grande do Sul. O ministro Felix Fischer, mesmo sendo alemão, é casado com uma procuradora de Justiça do Paraná aposentada. Ele tem três filhos no Judiciário paranaense. Depois, no STF, temos o Edson Fachin, que tem a mesma dinâmica familiar. É casado com uma desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná. A filha dele é advogada do escritório Fachin Advogados Associados e é casada com Marcos Alberto Rocha Gonçalves, filho de Marcos Gonçalves, executivo do grupo J&F, da família dos irmãos Joesley e Wesley Batista. Há um verdadeiro circuito que começa no Moro e vai até o Fachin. Todos com o mesmo perfil: família, ação política, conexões empresariais, com escritórios advocatícios, ideologia propensa à direita, de uma elite estatal muito antiga que opera em redes familiares.