Fábio Góis*
Mulher é poesia. Não, a frase não é piegas ou, numa visão mais amargurada, cafajeste. Quem ousaria negar a assertiva, ou mesmo ridicularizá-la? Logo hoje, 8 de março, em pleno Dia Internacional da Mulher? Como ignorar o valor da mulher na sociedade e na própria existência, como ficar alheio às agruras a que, secularmente, as mulheres foram submetidas em sociedades machistas (e, não seria exagero dizer, bárbaras)?
Não é preciso comentar as desditas físicas destas verdadeiras flores humanas – não seria de bom tom mencionar as mazelas fisiológicas das mulheres neste dia. Aliás, em qualquer dia (deixemos a tarefa para os ginecologistas…). Tampouco vamos falar das 129 tecelãs de Nova Iorque que, em 8 de março de 1857, foram queimadas numa fábrica têxtil porque reivindicaram redução de jornada de trabalho – episódio que levou à instituição da homenagem deste dia. Hoje, não!
Quem ousaria desafiar as loas apaixonadas de nomes como Olavo Bilac, Vinícius de Moraes, Chico Buarque de Holanda ou Eça de Queiroz, quem teria a empáfia de tentar diminuir – tarefa inglória – o sentimento transposto para o papel, eternizado nas páginas da posteridade, de forma tão elevada, e tendo a mulher como força-motriz? Aliás, quem seríamos nós sem uma mãe – logo, mulher? Para começar, não seríamos. Sendo assim, alguém aí consegue imaginar argumentos plausíveis para que seja contestada a relevância suprema do sexo feminino? A tal mordida na maçã, que nos expulsou do Paraíso e coisa e tal? Definitivamente, não…
Pois hoje, um dos dias mais importantes do ano, o Congresso em Foco presta não uma simples homenagem, mas faz uma verdadeira declaração de amor àquelas que tornam menos árdua a existência, que suavizam o cotidiano, que embelezam os espaços, que ornamentam a aridez da condição humana. E o site o faz de uma forma adequada e justa: resgata grandes loas à mulher, pungentes odes à feminilidade, verdadeiros tributos líricos nascidos de cabeças iluminadas como a dos poetas supracitados.
Aos mestres, a palavra
Comecemos por Vinícius (convenhamos, o Poetinha sabia, com maestria ímpar, como lisonjear uma dama…). No livro Vinícius de Moraes – poesia completa e prosa (Editora Nova Aguillar, Rio de Janeiro), lá está nosso romântico ex-diplomata desferindo suas gentilezas: “Mulher, que máquina és, que só me tens desesperado / Confuso, criança para te conter! / Oh, não feches os teus braços sobre a minha tristeza não! / Ah, não abandones a tua boca à minha inocência, não! (…) Anjo, sinto o calor do vento nas espumas / Passarinho, sinto o ninho nos teus pêlos”.
A propósito, a mulher que se achar feia não precisa esbravejar contra Receita de mulher, no qual Vinícius diz a célebre frase introdutória: “As feias que perdoem, mas beleza é fundamental”. Como diria Fernando Pessoa, “o poeta é um fingidor”. O poetinha quis que dizer que “feiúra” e “flor” são antônimos, só isso. Não que uma mulher “feia” não possa ser uma flor.
Chegamos ao grande mestre Olavo Bilac, talvez o mais lírico poeta da humanidade, em todos os tempos. Ou alguém aí acha normal um sujeito pegar uma caneta de pena, sentar-se à mesa de madeira puída e, em poucos instantes, escrever A alvorada do amor (na opinião de muitos, o mais belo poema lírico)? No que pode ser chamado de “épico em delírio”, Bilac compôs um Adão revoltado com os ditames celestiais e, embevecido pelo amor a Eva, ele mesmo apóia a tal mordida na maçã e a exorta à fruição do amor carnal, irrefreavelmente. Que importa tudo sem Eva, a mulher primeira? É a inquietação de Bilac, por meio de seu Adão.
Sem mais delongas, um trecho: “E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo / Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo, / Disse: Chega-te a mim! entra no meu amor, / E à minha carne entrega a tua carne em flor! / (…) Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar: / Tudo renascerá cantando ao teu olhar, / Tudo, mares e céus, árvores e montanhas, / Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas! / Rosas te brotarão da boca, se cantares! / Rios te correrão dos olhos, se chorares! / E se, em torno ao teu corpo encantador e nu, / Tudo morrer, que importa? A natureza és tu, / Agora que és mulher, agora que pecaste!”. Sem comentários.
Artesãos de acordes
Desde que o mundo é mundo, o amor pela mulher é cantado. Aliás, nada mais adequado do que as notas musicais para enfatizar a tradução do sentimento: não contentes com apenas as letras, os grandes gênios recorrem aos tons melódicos para mostrar que não estão de brincadeira. A ordem é arrancar lágrimas de enlevo, com os fins mais diversos (não cabe aqui entrar em detalhes). Elas gostam.
Dois destes “artesãos” da melodia brotam automaticamente das idéias: Cartola e Chico Buarque (o leque de congêneres é vasto, então nos limitemos à dupla). Começar por quem? É certo que Chico ainda está por aí, encantando as cercanias de moçoilas e senhoras, e tem uma obra pra lá de expressiva. Mas Cartola é Cartola. A “brasileirice” romântica pousou nele, e por lá resolveu ficar. Cartola ainda hoje deve influenciar o colega mais moço quando este pensa em dar uma caprichada na tinta. Além do mais, os mais idosos têm a preferência.
Em Corra e olha é céu, uma canção tão singela quanto primorosa, a paixão pela mulher chegou a contornos sublimes. Vejamos: “Linda, no que se apresenta / O triste se ausenta / Fez-se a alegria / Corra e olhe o céu / Que o sol vem trazer bom dia”. Você aí, mulher sensível (redundância?), não ficaria ao menos envaidecida por ser a inspiração para tais palavras? E em relação a estas, então: “Queixo-me às rosas, / Mas que bobagem / As rosas não falam / Simplesmente as rosas exalam / O perfume que roubam de ti, ai”… Suspirem, caras damas…
Esses versos, como muita gente sabe, são de As rosas não falam, um verdadeiro hino ao amor romântico. Letra curta, mas de vastíssimo alcance. E então, como se sentem as musas?
Lírico Buarque de Hollanda
Quem nunca ouviu Mulheres de Atenas não sabe o que é uma verdadeira oferenda à condição feminina. Ao escrever a canção magistral, Chico foi longe demais, bem ao seu estilo. Ao fazer uma sugestão às mulheres (“Mirem-se no exemplo…”), Chico enaltece ao passo que traduz a alma da mulher sofrida, “guerreira”, pertinaz, mas sempre bela e delicada.
Brasileiras devidamente exortadas, vamos ao que interessa. “Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas / Vivem pros seus maridos, orgulho e raça de Atenas / Quando amadas, se perfumam / Se banham com leite, se arrumam / Suas melenas / Quando fustigadas não choram / Se ajoelham, pedem, imploram / Mais duras penas / Cadenas”, reza a primeira estrofe. É o suficiente? Não, nunca é demais para agraciar as mulheres. Então vejamos mais uma pérola de Chico.
E essa vem dedicada. Ao menos é o que sugere o título, Yolanda, que nosso mestre fez em parceria com o cantor cubano Pablo Milanês. Ei-la, em trecho desconcertante: “Se me faltares, nem por isso eu morro / Se é pra morrer, quero morrer contigo / Minha solidão se sente acompanhada / Por isso às vezes sei que necessito / Teu colo, teu colo, eternamente teu colo”. Que tal? Alguém duvida da importância de um colo (e todo o resto) feminino para um ser vivente?
Caso alguém ainda duvide, ai vai mais um trechinho: “Se alguma vez me sinto derrotado / Eu abro mão do sol de cada dia / Rezando o credo que tu me ensinaste / Olho teu rosto e digo à ventania / Yolanda, Yolanda, eternamente Yolanda”. A Yolanda em questão, esteja onde estiver, só pode ser uma mulher etérea: imortalizada, empresta sua aura de musa às demais yolandas do planeta. Você que, caso se chame Yolanda e esteja lendo este texto, responda sinceramente: você não escuta a música como se estivesse sido escrita para você?
Carpe diem
Os quatro cavalheiros acima citados certamente são mais do que suficientes para uma homenagem à mulher. Com o perdão dos demais apaixonados geniais, uma vez que eles mesmos já prestaram belíssimos tributos a quem tanto merece, que são vocês mulheres. Poderíamos ter registrado aqui palavras de mulheres maravilhosas sobre a mulher, mas aí não seria uma homenagem romântica. De homem para mulher, a intenção se legitima em si.
Clarices, Elises, Hildas, Leilas, Marias: recebam a homenagem do Congresso em Foco como se estivessem recebendo flores de um campo inteiro. Todos os campos do mundo não comportam as flores que vocês merecem. E mais uma coisinha: quando receberem um poema rabiscado em pedaço de papel, sigam os conselhos de Eça de Queiroz. Suspirem, beijem o papel devotamente, sintam um acréscimo de estima por si mesma. Pode não ser a primeira vez que lhes escrevem aquelas sentimentalidades, mas pensem que sim.
*Fábio Góis é repórter do Congresso em Foco
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