Relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin declarou nesta segunda-feira (9) que o fim do foro privilegiado (ou foro especial por prerrogativa de função) é algo urgente. Fachin atribuiu ao privilégio – que assegura ao detentor julgamento apenas em tribunais superiores, retardando processos – o fato de diversos processos prescreverem, ou seja, perder o prazo de punibilidade.
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“O foro privilegiado é uma exceção não justificada no sistema republicano e sua extinção urge”, declarou Fachin, que participou hoje (segunda, 9) do 6º Fórum Nacional de Juízes Federais Criminais (Fonacrim), evento promovido pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre (RS).
Para o ministro, não se verifica na prática a máxima de que a Justiça deve ser igualmente aplicada para todos os cidadãos, independentemente de qualquer critério. Fachin diz considerar que a lei é seletiva no Brasil, pois beneficia quem tem condições de usar as brechas legais para se livrar, ou pelo menos retardar, de eventuais punições.
“Temos um sistema injusto, seletivo e desigual entre o segmento social mais abastado e aquele dos cidadãos desprovidos de privilégios. […] A inefetividade da Justiça em certos segmentos sociais tem a causa mais evidente na morosidade da prestação jurisdicional, com um sistema recursal irracional”, acrescentou o ministro, para quem recursos protelatórios são um dos principais entraves à eficácia da Lei Penal, pois “acabam por perpetuar as causas penais e levar os processos à prescrição”.
Fachin disse ainda que as cortes superiores têm que firmar, de uma vez por todas, o entendimento de que a execução da pena tem que se dar a partir da condenação em segunda instância. O caso já foi debatido em um primeiro julgamento no plenário do STF, quando a tese prevaleceu por seis votos a cinco, mas deve voltar à análise dos magistrados.
“Cabe a nós, magistrados, impor resposta aos que tiverem seus crimes comprovados. Devemos estar conscientes de que a parcela privilegiada pela seletividade do sistema penal se empenha em fazer crer que estamos colocando em perigo garantias individuais. Mas devemos seguir adiante, ainda que falhas possam ocorrer. Os tempos de agora são íngremes e precisamos seguir agindo com ousadia, temperança, confiança, serenidade e firmeza”, ponderou.
A crítica de Fachin decorre do fato de que o Supremo, o “guardião da Constituição”, é um tribunal concebido para a resolução de questões atinentes ao texto constitucional, sem a estrutura necessária para o julgamento de questões penais em série. Dado o volume de denúncias que a Procuradoria-Geral da República (PGR) tem encaminhado à corte nos últimos tempos, em acusações que envolvem as figuras mais poderosas da República, a demanda tem crescido em uma proporção maior do que a capacidade de processamento por parte dos ministros, o que resulta em mais morosidade judicial. E, em consequência, em impunidade por prescrição.
Barreira
O fim do foro privilegiado, embora seja um clamor social, não é prioridade no Congresso. Ultimamente, diante de escândalos desfraldados em investigações como Lava Jato e Operação Zelotes, por exemplo, deputados e senadores que defendem a extinção da prerrogativa até tentam avançar para a aprovação de novas legislações, mas têm esbarrado em uma maioria formada, em boa medida, por encrencados na Justiça. E vão além: não só emperram a tramitação de projetos sobre o assunto como fazem o oposto, aprovando matérias que conferem o benefício a investigados.
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Senadores até chegaram a aprovar uma proposta de emenda constitucional (PEC) que extingue o foro especial por prerrogativa de função para autoridades federais, mas a Câmara sequer iniciou as discussões sobre a matéria. Pelo contrário, tentativas de debates foram sepultadas em uma Comissão de Constituição e Justiça cheia de acusados de crimes e práticas ilícitas.
A proposta acaba com o foro privilegiado em caso de crimes comuns para deputados, senadores, ministros de estado, governadores, ministros de tribunais superiores, desembargadores, embaixadores, comandantes militares, integrantes de tribunais regionais federais, juízes federais, membros do Ministério Público, procurador-geral da República e membros dos conselhos de Justiça e do Ministério Público. O texto aprovado determina ainda que autoridades e agentes públicos hoje beneficiados pelo foro respondam a processos iniciados nas primeiras instâncias da Justiça comum, mas faz exceções: chefes dos três Poderes da União (Executivo, Legislativo e Judiciário) continuam julgados no STF, ponto que recebeu crítica de alguns parlamentares.
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