Gabriela Salcedo
Durante 15 anos, o jornalista Matheus Leitão, filho dos também jornalistas Marcelo Netto e Miriam Leitão, investigou quem delatou seus pais, que acabaram presos e torturados nos cárceres da ditadura militar. Para sua surpresa, descobriu que o responsável pela delação foi o homem que, por ironia do destino, inspirou o seu próprio nome de batismo: o então dirigente do PCdoB capixaba Foedes Santos. Conhecido pelo codinome de Zé, Foedes liderava o grupo de comunistas do qual seus pais faziam parte. Foi ele quem deu o nome de guerra de “Matheus” a Marcelo, que viria a utilizá-lo para batizar o próprio filho anos depois.
No fim do ano passado, Matheus Leitão juntou histórias familiares que sempre ouviu e dados oficiais do Superior Tribunal Militar (STM) para chegar ao nome de Foedes. “O cara que delatou os meus pais deu o meu nome, eu precisava ir atrás dessa história. Ficou marcado na minha identidade e se transformou numa busca pessoal”, contou o jornalista, de 38 anos, ao Congresso em Foco.
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Matheus disse que a vontade de saber a verdade sobre o delator de seus pais começou aos 12 anos de idade, quando descobriu que seus pais haviam sido presos durante a ditadura militar. “Marcou a minha vida, eu fiquei ferido quando soube que eles foram entregues. Esse sofrimento alimentou a minha busca, eu queria entender o porquê”, explicou.
A fim de desvendar a sua história e a de sua família, Matheus foi ao encontro de Foedes, hoje com 73 anos, morador de um pacato sítio no interior do Espírito Santo. O ex-dirigente do partido comunista confessou ter entregue os companheiros. “Eu precisei fazer a pergunta mais de uma vez para ele responder. Acredito que era a dificuldade de tratar do tema”.
PublicidadeDe acordo com Matheus, sempre houve uma desconfiança entre os militantes do partido de que Foedes era o delator, mas ele nunca havia sido questionado sobre o assunto. Enquanto seu pai, torturado por 13 meses, e sua mãe, por três meses, eram expostos a sessões de tortura com cães, roleta-russa e até cobras, o delator andava pelo presídio sem marcas no corpo. Mas o militante diz que também foi torturado e obrigado a revelar aos militares o nome dos companheiros.
Foedes contou a Matheus que foi surpreendido com a quantidade de informações que os militares possuíam quando foi preso e não conseguiu esconder sua alta função dentro do partido. Após “passar por maus bocados”, como descreve Matheus, sessões de torturas que não deixavam marcas, acabou por entregar os militantes.
“Eu o perdoei, mas não posso falar pela geração dos meus pais. O pedido de perdão dele é muito mais aos meus pais e aos seus companheiros de luta”, disse Matheus.
No ano passado, em depoimento ao jornalista Luiz Cláudio Cunha, Miriam revelou o drama que viveu aos 19 anos de idade, quando, grávida, foi presa e tortura por militares e mantida no escuro em companhia de uma cobra. “Eu não conseguia ver nada, estava tudo escuro, mas sabia que a cobra estava lá. A única coisa que lembrei naquele momento de pavor é que cobra é atraída pelo movimento. Então, fiquei estática, silenciosa, mal respirando, tremendo. Era dezembro, um verão quente em Vitória, mas eu tremia toda. Não era de frio. Era um tremor que vem de dentro”, relatou.
A reportagem de Matheus – na qual o jornalista é repórter e personagem ao mesmo tempo –, conta a história subjetiva de um dos capítulos mais infelizes do Brasil no último século. A reportagem está disponível na plataforma de jornalismo online Brio.
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