Alguns grupos de evangélicos apoiam a presença de Marco Feliciano como presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara, e uma pessoa, entre outras, usa o seguinte argumento:
…Ele sustenta a mesmas teses que o papa, mas ninguém reclama contra o papa. Trata-se de animosidade contra os evangélicos!
Primeiro: no Brasil o papa é pouco conhecido, mas na Argentina, onde ele é tristemente célebre, é fortemente combatido pelos grupos autênticos de direitos humanos, embora conte com o apoio de oportunistas que utilizam os diretos humanos como arma política ou de propaganda pessoal ou de ingênuos que se impressionam por sua linguagem demagógica. No Brasil quase não há oposição contra ele, também porque o país é menos atingido pelo Vaticano do que outros países.
Segundo: os críticos têm razão em comparar os dois. Em realidade, julgando pelos fatos empíricos e não apenas com base teórica, o papa é ainda mais truculento que Feliciano. Ele é tão homofóbico, misógino e preconceituoso como este, mas, além disso, facilitou o sequestro de padres e a ocultação de sequestros de crianças. Muitas pessoas podem dizer que Feliciano não ajudou a nenhuma ditadura porque não teve sorte. É jovem demais para isso. Mas não podemos julgar às pessoas por inferências teóricas, muito embora tenham uma probabilidade muito alta, quase de 100%.
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Terceiro: o papa é um assunto interno dos católicos. O Vaticano é escutado apenas por essa proporção católica, que é menos de 1/5 da Humanidade e, por outro lado, tampouco todos os católicos aceitam o esquema mafioso do Vaticano. Qualquer um que conheça a Europa sabe que mesmo em países católicos, como a França, as crenças religiosas em geral e a católica em particular vêm caindo drasticamente devido ao alto nível cultural e às boas condições de cidadania das suas populações e às liberdades democráticas, que são rigorosamente cuidadas e mantidas. A tal ponto que igrejas outrora muito frequentadas hoje são usadas como museus.
Quarto: o poder real do papa está condicionado ao dinheiro do Banco Vaticano, às maquinações da cúria romana, a harmonia com a máfia, a suas alianças com o neofascismo. E esse poder, que se pretende estender a todo o mundo, fica fragmentado, diminuindo, portanto, sua eficácia. Claro que o papa tem o poder dito “espiritual”: ele pode excomungar e coisas do gênero. Mas os que acreditam, em pleno século 21, no poder dessas superstições não podem queixar-se. Ninguém é obrigado a permanecer numa religião. Atualmente, nenhum país ocidental, nem mesmo a própria Argentina, tem leis que obriguem uma pessoa a ser católica. Se você fica no fogo, é para se queimar!
PublicidadeO caso de Feliciano é bem diferente:
Concordo, sim, em que ele, não é pior que o papa. Mas ele está dotado de poder civil e político. Em qualquer lugar civilizado (e diferencio “civilizado” de “democrático”; não diria que os EUA são civilizados, embora tenham um sistema democrático), um cara como ele não poderia ocupar nenhum função eletiva, nem mesmo vereador de uma cidade de mil habitantes.
Então, é absolutamente vergonhoso e insano que ele possa ter sido eleito deputado. Essa insanidade foi possível por outra maior. Porque uma agrupação que é uma simples associação criminosa para lucrar com a fé e ingenuidade do povo, e que alberga todo tipo de marginais de colarinho branco, nunca deveria ter registro eleitoral como partido. E seus membros, com um histórico como o de Feliciano, jamais poderiam ser eleitos.
Há ainda outra insanidade maior, que é o sustentáculo dessas agremiações: as seitas religiosas não pagam impostos – como qualquer pessoa ou organização – sobre seus “resultados financeiros”, e sua atividade criminosa de extorquir pessoas humildes da população, em troca de vantagens nos céus e falsos milagres e sucesso na terra, “não é considerada crime”. Essas sociedades ludibriam com a maior crueldade e empáfia pessoas pobres, indefesas, desesperadas, cujos problemas são tantos que pensam que só contam com esses canalhas vigaristas para resolver junto a Deus.
Mas, que este teratológico sujeito seja presidente da Comissão dos Direitos Humanos é simplesmente uma achincalhação de mau gosto. Um deboche absurdo. Em realidade, a única comissão em que ele poderia estar seria uma Comissão Contra os Direitos Humanos.
Quem tem a culpa disso?
Obviamente, o caráter classista, corrupto e escravocrata das instituições da América Latina (e não só dela, mas especialmente dela), organizadas por um sistema eleitoral que, na prática, propõe que para ganhar as eleições um partido tenha que fazer acordos com apoiadores eleitoreiros e, depois, para poder governar, garanta a distribuição de cargos em toda a estrutura de poder para garantir a votação de leis que lhe interessem nas casas legislativas.
Especificamente no Brasil, a situação dos direitos humanos é pavorosa: pense em alguma violação e, sem dúvida, ela tem exemplos no Brasil: homofobia, misoginia, racismo, brutalidade policial e militar, tortura, assassinatos do poder público, massacres de populares, de indígenas, evicção massiva de populações, trabalho escravo, violência contra mulher e crianças, tráfico de pessoas, exploração sexual, desprezo pela liberdade de crença, sabotagem aos direitos sexuais, repressão contra os direitos reprodutivos, desprezo pelos direitos dos refugiados e a legislação internacional, apologia da violência do estado (em filmes e novelas) etc. etc. etc.
O pior é a inoperância dos poderes públicos. Eles têm comissões e ministérios dos DH, porque precisam mostrar no exterior e são pressionados pelos legítimos defensores dos DH internos. Aliás, seja premeditado ou não (é difícil saber), eles cumprem a função de desmoralizar os DH. Quando um truculento deputado disse que a CDH poderia ser fechada, foi impossível não pensar que sua ausência, lamentavelmente, talvez nem seria percebida.
Havia uma lenda que dizia que o antigo rei Midas transformava em ouro tudo o que tocava. As instituições públicas nacionais parecem ser um Antimidas. Com efeito, organizações internacionais que em outros países funcionam bem, aqui, são um total fracasso.
Muito tempo depois do começo da luta contra Feliciano, uma das maiores ONGs internacionais de DH fez uma tímida declaração contra o sujeito.
Aliás, eu não entendo o que pensam as pessoas que atacam Feliciano, porém poupam de críticas a comunidade à qual ele pertence. Como o deputado poderia se manter se não fosse por seus parceiros, outros de sua mesma laia, que fazem parte do aparato político e religioso que o levou ao poder?
O caso de Feliciano é uma amostra horrível, dolorosa, bizarra, da falência moral absoluta dos poderes públicos. Não fica dúvida de que o único objetivo do Estado é promover e proteger o lucro das empresas, e, para garantir isso, tudo é possível: destruir a ecologia, expulsar populações de suas casas para entregar terras à especulação imobiliária e/ou latifundiários e fazer vista grossa ao desrespeito generalizado aos direitos humanos.
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