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Congresso em Foco – Que possibilidade há de o senhor não deixar o PT?
Domingos Dutra – Só há uma possibilidade: se o PT do Maranhão sair do curral do Sarney. E como não vejo essa possibilidade agora, e como o prazo de mudança de partido é 4 de outubro, estou em contagem regressiva. Evidentemente que não se rompem 33 anos de vida sem dor. Dediquei 80% da minha vida útil ao PT. Foi o meu primeiro partido. Enfrentamos os piores momentos, como a ditadura e a oligarquia Sarney, vendendo camiseta, fazendo feijoada, enfrentado pistoleiro para construir o PT e ver o Lula presidente. O resultado foi Lula na Presidência. Mas o amigo dele na Presidência foi o Sarney. E os fundadores do PT foram relegados.
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Por que só agora, no governo Dilma, o senhor decidiu deixar o partido?
Não deixei em 2010 porque a intervenção no diretório estadual do partido foi em junho, e não havia mais prazo para sair. Nós ganhamos lá para apoiar o PCdoB [do então candidato Flávio Dino], mas houve intervenção para apoiar a Roseana Sarney (PMDB). Passados quatro anos, continua tudo igual. Por questão de caráter, não tenho como continuar no partido que apóia a oligarquia mais nojenta e antiga do país. Nos indicadores sociais, o Maranhão só ganha de Alagoas em alguns itens. Todos os estados se beneficiaram do governo do PT, mas o governo do PT manteve o Maranhão no estado de miséria.
E qual a responsabilidade do ex-presidente Lula nisso?
Quem mandou fazer a intervenção no Maranhão foi Lula na época. O diretório nacional aprovou por maioria apertada. Muita gente votou constrangida, porque o Sarney passou de março a julho fazendo chantagem.
Que lição o senhor tira dessa saída do PT?
A sociedade brasileira e a militância de base precisam ficar muito próximas, controlando e vigiando suas lideranças. Do contrário, o sistema vai engolindo. É o que está acontecendo hoje com o PT. Isso começou com os governos municipais e depois passou para os governos estaduais, com a inversão de prioridades. Quando o PT chegou à Presidência, a via institucional acabou engolindo a luta social, o movimento de base. Na medida em que quem governa é o capital é evidente que vão mudando os hábitos e os costumes do partido. Os filiados pobres não apitam mais no partido. Os operários e os servidores públicos foram tomando conta do PT. Os atingidos por barragem e os quilombolas, por exemplo, já não apitam mais. Isso começou com as coligações, de 1987 para cá. Até 1986, o PT não se coligava com ninguém. De 1988 pra cá, começou a aliança com partidos de esquerda, como o PSB, o PDT e o PCdoB. Agora não tem mais limite, é aliança com PTB, PMDB, PP. Os partidos de esquerda ficaram a reboque. O resultado é isso que está hoje.
O que está aí hoje?
Nosso governo oxigenou Collor, Renan, Sarney, Jucá, os de sempre. No plano federal, ainda há espaço para lutar, porque ainda tem muita gente boa no partido, como o Olívio Dutra, o Tarso Genro, o Paulo Teixeira, o Fernando Ferro e o Henrique Fontana. Meu agravante é local. Até hoje não explicaram qual é o tamanho da dívida que o governo e o PT têm com o Sarney. Quanto mais Sarney humilha o PT, mais ele cobra o PT não sei o quê. Por isso que digo que, em nível estadual, não há condição de eu continuar no partido. O PT do Maranhão está no curral do Sarney, e não é por maioria, mas por intervenção. Como ficar num partido que, mesmo que eu ganhe, não tenho segurança de que vou levar, como ocorreu em 2010.
Essa aliança do governo Dilma com os ruralistas também pesa na sua decisão de deixar o PT?
Isso me incomoda, mas sei separar os níveis. Tem a questão do partido, tem a questão da bancada e tem a questão do governo. A participação da direita, dos conservadores, no governo incomoda muita gente na bancada. A base do governo derrota o próprio governo. Sei que incomoda até a presidenta Dilma. Mas o jeito de Dilma é diferente de Lula. Dilma tem feito concessões porque, infelizmente, o eleitor deu voto progressista para presidente, mas conservador para o Congresso. Ela tem de negociar com o Congresso. Esse incômodo existe, mas não é determinante para a minha saída. A bancada está muito incomodada com a presença dos conservadores no governo. É um governo de coalizão, do cão. Tem uma parte que é a favor dos índios e dos quilombolas, outra que é contra. Isso se deve ao resultado das eleições.
Qual a saída?
Não quero exigir que a presidenta faça uma guerra civil para subjugar o Congresso e o Judiciário. Isso tem de ser resolvido pela cidadania. O que determina minha saída é o domínio do PT no Maranhão pelo Sarney e a insegurança de o resultado não ser respeitado.
Que diferenças o senhor vê entre Lula e Dilma?
São bem visíveis. Dilma não tem no PT a mesma história de Lula. Ela não chegou à Presidência com o mesmo esforço que ele, que fez caravanas. A Dilma não tem o mesmo nível de tolerância para negociar com essas figuras como Lula tinha. Ela não tem o mesmo carisma e a mesma empolgação. São diferenças, algumas positivas e outras negativas. Fazer certas concessões para governar dá gastura e embrulha o estômago de Dilma.
Que tipo de concessão?
No começo do governo, por exemplo, ela tirou muita gente na limpeza ética, mas muitos deles voltaram. Ela faz concessões com a liberação de emendas porque, do contrário, as matérias não passam no Congresso. Ela tem de receber figuras que não receberia em situação normal.
Além do senhor, há outros deputados do PT incomodados com essa situação?
Sim, há outras pessoas incomodadas. Basta ver a composição da reforma política. O Vaccarezza está lá na comissão da reforma política, mas desautorizado pela bancada do PT. Quem representa o partido lá é o Ricardo Berzoini. O Henrique Fontana renunciou ao posto por ter sido preterido.
Como se resolve essa situação?
Isso só se resolve em 2014. Se a população brasileira quiser um Congresso progressista e limpo, tem de saber escolher. Se quiserem deputados e vereadores com a mesma postura, têm de fazer boas escolhas. Não há coerência pelo menos na área em que trabalho. A gente passa quatro anos enfrentando o latifúndio. Quando as urnas se abrem, só quem está forte é o latifúndio. Não temos um indígena no Congresso. Não temos um deputado estadual indígena. De quilombola, só tem eu. Apesar de sermos metade da população, nós, negros, somos apenas 5% da Câmara.
O senhor tem esperança de que esse cenário mude nas próximas eleições, após essa série de manifestações?
Esperança eu tenho. Resultados já existem. Mas não tenho esperança de que o Congresso de 2104 será revolucionário, porque o poder econômico acaba imperando. Nas manifestações, menos de 5 milhões de brasileiros estavam nas ruas num país de 200 milhões de habitantes. O pessoal mais pobre, do Bolsa Família, do Pronaf, ficou calado. Quando chegar a campanha, por causa do poder econômico, não tenho esperança de que saia das ruas um Congresso revolucionário nem uma safra de governadores éticos. Mudança vai ter, mas não será neste patamar, porque, na reforma política, só vai ter algum remendo, nada para mudar.
Por que o senhor pretende ir para a Rede?
Para a Rede, só faltam as cordas. Se legalizar, é o meu partido. O Supremo determinou a fidelidade partidária. Estou no PT há 33 anos. Sou fiel. Mas entendo que só haverá fidelidade quando houver lista e financiamento público. Se eu for para um partido existente, o Sarney vai querer me cassar. A Rede me atende por ser um partido novo que tem a Marina.
Num país com mais de 30 partidos reconhecidos, por que criar a Rede?
Há um diferencial de pessoas. A Marina, fundadora do PT, continua uma pessoa muito simples, nunca se envolveu em nada ruim. Na Rede estará a Heloisa Helena, muita gente que foi do PT e que tem princípios. Na Rede, a direção é horizontal, não tem presidente ou porta-voz. O político só poderá ter, no máximo, 16 anos de mandato. Isso vai permitir candidaturas cívicas de movimentos sociais.
Mas se a Rede não conseguir o número de assinaturas necessárias, o que o senhor fará?
Só vou avaliar isso na hora que tiver certeza que não dá para legalizar. Temos mais de 830 mil assinaturas. Em cartório, temos mais de 500 mil. Certificadas, 200 mil assinaturas. Temos poucos dias para legalizar. E, por isso, temos de acelerar.
Mas já não há partidos em excesso no Brasil?
A organização partidária está na Constituição Federal. Quem tem de controlar o número de partidos é o voto popular. Não dá para comparar a Rede com esses partidos de aluguel, tanto pelas figuras dela quanto pelas propostas e bandeiras que defende. É fundamental para a democracia brasileira.
O senhor está decepcionado com o ex-presidente Lula?
Não posso negar que fiquei desapontado com o resultado disso. Se soubesse que daria nisso, ou não teria apostado na constituição do PT ou teria me juntado ao Sarney lá atrás. Não teria sofrido tanto para chegar até isso. Lula perdeu uma oportunidade histórica. Fez um governo bom. Pela popularidade, pelo carisma e pela inteligência que tem, Lula poderia ter melhorado a política. Mas, pelo contrário, ele inflou a ação de figuras como Jader Barbalho, José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá.
Isso continua no governo Dilma?
Ela continua muita coisa. Tem feito muito para melhorar o padrão de vida da população. Foi abalada pela crise no início. A crise externa entrou no país, a inflação foi o item mais danoso. A queda do Palocci e de outras figuras obrigou ela a botar pessoas que não tem o mesmo traquejo, como a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil). O Mantega é muito competente, mas está cansado. Dilma tem de lidar com uma base muito difícil, com lideranças como o Eduardo Cunha. Ela tem o estilo dela. Mas a comunicação da Dilma com a população é muito aquém daquela que Lula tinha com as massas. Isso pesa. Dilma é muito séria, super honesta. Mas infelizmente tem uma crise em curso. Pegou uma onda de protestos de tema de competência do município, como transporte, e segurança, que é do estado, mas que se nacionalizou e bateu na porta dela. No começou, ela tentou fugir do tema, custou falar, e quando falou não teve o eco necessário.
Na Rede, o senhor fará oposição a Dilma?
Marina defende que a Rede não é de governo ou oposição. É de posição. Significa que vamos votar a favor das matérias de interesse do povo brasileiro que estejam próximas do que a gente pensa. O que for contrário, vamos votar contra. Não podemos ser governo ou oposição 100%, como é essa forma tradicional. Não posso ser hipócrita de passar 33 anos num partido, sair e considerar, agora, que tudo que esse partido fez não prestou. Não vou negar minha história com o PT. Na semana passada, em uma atividade com o Flávio Dino (PCdoB) no município de Milagres, chorei ao explicar por que estava deixando o PT. Como sou filho de camponês, minha mãe era quebradeira de coco, continuo muito emotivo e não tenho vergonha de derramar lágrimas quanto o motivo é justo.