Eduardo Militão
Três propostas de lei querem endurecer e apressar a execução fiscal dos contribuintes. Duas delas chegam a permitir que, sem a autorização do juiz, os procuradores da Fazenda da União e dos estados bloqueiem eletronicamente o dinheiro das contas bancárias dos devedores.
Auditores fiscais, procuradores e alguns deputados defendem a substituição da atual Lei de Execuções Fiscais, a 6.830/80, para recuperar o dinheiro público de maneira mais rápida e desafogar o Judiciário. Parlamentares e juízes contrários à mudança alegam que ela viola os preceitos fundamentais e estabelece uma espécie de “inquisição fiscal” do Estado.
Saltam aos olhos os valores que o governo cobra, mas não recebe, apesar de anos de disputa dentro e fora dos tribunais. Segundo a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), há R$ 900 bilhões para serem pagos à União, já incluídos aí os débitos da Previdência Social. A recuperação desse dinheiro, segundo estimativas do governo, exigiria nada menos do que 16 anos. Isso, claro, se nenhum centavo a mais entrasse no débito até lá. Para se ter uma idéia, esse valor equivale a um ano e meio de arrecadação da Receita.
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A PGFN e a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) prepararam um anteprojeto (veja a íntegra) que tenta endurecer os métodos de cobrança, apesar de já haver outras duas propostas que tratam do assunto em tramitação na Câmara. O texto prevê que, sem autorização judicial, os procuradores possam solicitar ao Banco Central que ordene o bloqueio eletrônico dos valores devidos na conta bancária do contribuinte, caso exista saldo suficiente.
A penhora online seria feita sem a quebra do sigilo, pois os servidores não terão acesso ao valor dos saldos ou à movimentação financeira do devedor. O Banco Central apenas vai dizer se existe ou não fundo suficiente para honrar o pagamento. Em caso afirmativo, o bloqueio será ordenado ao banco onde o cliente mantém a conta. Porém, esse polêmico item do projeto não tem o aval da Ajufe.
O anteprojeto das entidades obriga que os procuradores só ajuízem a execução na Justiça depois de informarem aos juízes o endereço do devedor e quais os bens que ele possui para serem penhorados. A falta dessa medida aparentemente simples é apontada como a causa do abarrotamento de trabalho do Judiciário.
A PGFN e a Ajufe propõem ainda a criação de um sistema nacional de patrimônio dos devedores, para facilitar a localização de bens como imóveis, veículos, dinheiro em contas correntes, ações na bolsa e patentes no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).
Fechar o cerco
Na mesma linha, projetos dos deputados Celso Russomanno (PP-SP) e Régis de Oliveira (PSC-SP) tentam fechar o cerco contra os devedores. Apresentados em 2005 e 2007, respectivamente, eles defendem que o governo concentre as tarefas de cobrança e não sobrecarregue os juízes com serviços burocráticos – como a localização dos devedores e de seus bens.
“Em lugar nenhum do mundo o juiz é o responsável pela execução da pena; ele condena. Isso é matéria administrativa”, diz o deputado Régis, juiz licenciado e que faz uma analogia da execução fiscal com a execução criminal. A medida “dispensa o juiz da tarefa estressante de mero ‘cobrador do Fisco’”, avalia Russomanno, na justificativa de sua proposta, que, entre as medidas para acelerar a cobrança, não prevê a penhora eletrônica de contas.
No bolso, dói
Apesar da controvérsia de juízes, advogados e parlamentares, o procurador-geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Lucena Adams, defende a penhora eletrônica, mesmo sem autorização do Judiciário. “Todo mundo reclama onde dói mais. Dinheiro dói mais”, afirma ele, em entrevista ao Congresso em Foco. O procurador diz que o bloqueio de dinheiro é um dos principais instrumentos de cobrança do mundo moderno, principalmente nos países desenvolvidos.
“Lá há até bloqueio de salários”, comenta Adams. Hoje, a lei brasileira não permite o confisco de salários, mas alguns juízes autorizam o bloqueio de até 30% dos rendimentos de uma pessoa, principalmente em caso de pagamento de pensão alimentícia.
Para o deputado Régis de Oliveira, a penhora eletrônica é válida, porque o importante é desburocratizar o método da cobrança. “Se você tem meios de a própria administração pública realizar um ato qualquer, esse não é um privativo do Judiciário. O Judiciário pode determinar, mas a realização, a celebração, a ida à casa da pessoa, o constrangimento sobre os bens é um ato do próprio Estado.” Ele defende até que a dívida pública seja vendida para escritórios de cobrança, assim como fazem os bancos. “É que o Estado nosso tem mania de querer se inchar à toa. E nada funciona.”
O procurador Adams ressalta que o devedor pode oferecer antecipadamente bens ao governo para evitar a execução judicial. Assim, poderia evitar um bloqueio em suas contas bancárias.
Adams enfatiza que a demora no recebimento de impostos causa uma concorrência desleal entre as empresas que pagam e as que, deliberadamente, sonegam os tributos para questioná-los na Justiça e até renegociá-los. “Quem sonega usa isso para disputar mercado”, avalia o procurador. Outra injustiça seria que, para compensar a falta de receitas, o governo aumenta a carga tributária daqueles que já pagam os impostos.
O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Unafisco) aprova os projetos de lei. O diretor de estudos técnicos da entidade, Luís Benedito, diz que o excesso de burocracia beneficia o devedor. “Toda iniciativa de fazer que quem deve pague é interessante”, afirma.
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