A falta de controle sobre as passagens aéreas extrapolou os limites do Congresso mais uma vez. Depois de envolver três ministros de Estado (leia mais), agora é a vez do Judiciário. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e o ministro do STF Eros Grau aparecem como beneficiários da cota de passagens de dois deputados. Os dois ministros, no entanto, apresentaram documentos para comprovar que não tiveram viagens pagas pela Câmara. Há indícios de que ambos tenham sido vítimas de um mercado paralelo de bilhetes pagos com dinheiro público.
Gilmar decidiu ontem (16) cobrar explicações do presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP). O chefe do Judiciário quer uma investigação para saber como o nome dele e o de Eros Grau acabaram aparecendo na cota dos deputados Paulo Roberto (PTB-RS) e Fernando de Fabinho (DEM-BA), respectivamente.
Os seis bilhetes usados por Gilmar Mendes e sua esposa, a secretária-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Guiomar Lima Mendes, serviram para uma viagem do casal para Nova Iorque e para Fortaleza, onde vive a família de Guiomar. Os registros da empresa aérea coincidem com as passagens emitidas pelo deputado gaúcho.
Gilmar enviou ao Congresso em Foco documentos que compravam que os mesmos bilhetes foram pagos em cinco parcelas com seu cartão de crédito pessoal, e o trecho entre São Paulo e Fortaleza por meio de milhagens. Gilmar e Guiomar seguiram para os Estados Unidos no voo JJ 8080 da TAM, do Aeroporto de Guarulhos para o Aeroporto JFK, em Nova Iorque, no dia 19 de julho do ano passado. Voltaram no dia 25, no voo JJ 8081 da mesma TAM.
O ministro Eros Grau apresentou um comprovante de que sua passagem foi paga pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. A viagem entre São Paulo e Rio de Janeiro aconteceu no dia 31 de março de 2008, no voo JJ 3940, entre os aeroportos de Congonhas e Santos Dumont.
O deputado Paulo Roberto se mostrou surpreso com a informação de que saiu de sua cota um voo para o presidente do STF. Segundo o parlamentar, isso reforça sua suspeita de que um ex-funcionário utilizava sobra de passagens que pertenciam ao parlamentar. O servidor foi demitido em outubro de 2008, mas Paulo Roberto prefere não revelar o nome.
“Eu dei por falta e notei que não estava usando toda minha cota. Ele era o responsável pelas passagens”, contou o deputado ao site ontem.
A partir de então, Paulo Roberto passou a exigir da TAM os comprovantes de suas viagens. Confrontado com os fatos apresentados pelo Congresso em Foco, o deputado disse vai reiterar o pedido de informações à TAM para requerer providências ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e ao terceiro secretário da Casa, Odair Cunha.
Paulo Roberto disse não ter relações pessoais com o ministro Gilmar Mendes e sua esposa, Guiomar. Enfatizou também que não tem interesses no Supremo, nem processos contra ele tramitando no STF. “Acredito que tanto eu quanto o ministro Gilmar Mendes fomos vítimas de um esquema”, afirma Paulo Roberto.
O deputado diz que os únicos que utilizam sua cota são ele, sua mulher, e, eventualmente, seus filhos e assessores. No entanto, ele não reconhece a viagem da filha Jéssica Pereira aos Estados Unidos – os bilhetes foram emitidos em junho de 2008 e indicam as rotas Manaus–Miami e Nova Iorque–São Paulo.
De acordo com Paulo Roberto, essa viagem foi paga com seu próprio dinheiro, sem uso da verba parlamentar. Ele acredita que o ex-funcionário embolsou os recursos e debitou a fatura na conta da Câmara.
O deputado Fernando de Fabinho não retornou aos contatos feitos em seu gabinete ontem pela reportagem.
O quarto secretário da Mesa, Nelson Marquezelli (PTB-SP), também pediu ontem explicações ao diretor-geral da Câmara, Sérgio Sampaio, sobre o uso de sua cota de passagens por três pessoas que o deputado alega desconhecer. Luma Leroy, Luana Leroy e Robert Leroy foram beneficiários de bilhetes emitidos a partir da cota de Marquezelli no dia 2 de agosto de 2007, conforme revelou o Congresso em Foco. “Não faço ideia de quem sejam essas pessoas”, disse o parlamentar (leia mais).
Atualmente, já respondem a ação de improbidade, com pedido de ressarcimento aos cofres públicos, dois servidores, um agente de viagens e os ex-deputados Lino Rossi e Thaís Bergo Duarte Barbosa. O processo tramita na 13ª Vara da Justiça Federal no DF. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), os servidores da Câmara e o agente de viagens desviaram passagens aéreas para uma operadora de turismo de Brasília.
O caso foi tratado pelo site ainda em setembro de 2008 (leia a íntegra da reportagem). Foi justamente a partir desse episódio que o MPF decidiu aprofundar as investigações sobre o uso de passagens pagas por meio das cotas dos deputados.
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