Três anos após a revelação de que deputados e senadores usavam a cota de passagens aéreas do Congresso como queriam, para voar com familiares e amigos pelo país e mundo afora, até agora praticamente ninguém foi punido. De lá pra cá, os maiores avanços ocorreram na Câmara e no Senado, que mudaram as regras para o uso do benefício: reduziu-se o tamanho da verba, limitaram-se as viagens internacionais, restringiu-se o acesso às passagens aos políticos e assessores, e passou-se a publicar na internet a relação dos passageiros. Alguns parlamentares até devolveram o dinheiro gasto para fins particulares.
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Tradicionalmente tão criticado, o Congresso deu, ao seu modo, alguma resposta, embora não tenha punido nenhum parlamentar. Mas o saldo da chamada farra das passagens, revelada pelo Congresso em Foco em 2009, ainda é zero na Justiça. E, desta vez, nem se pode falar da velha morosidade do Judiciário brasileiro. O problema é que até hoje o Ministério Público não ofereceu qualquer denúncia para exigir o dinheiro público gasto indevidamente por políticos em voos com familiares, amigos ou para concretizar negócios particulares ou atender a pleitos de eleitores e aliados.
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De acordo com a Procuradoria da República no Distrito Federal, responsável pelas investigações, o inquérito civil público que apura a farra das passagens aéreas continua em curso, sem risco de prescrição das eventuais sanções. A denúncia, segundo o Ministério Público, ainda não foi feita por causa da complexidade da investigação, principalmente em razão do grande número de parlamentares envolvidos e de passagens emitidas. Os investigadores não arriscam uma previsão de quando o caso chegará à Justiça.
“A instrução do caso demandou a individualização dos valores devidos por cada deputado, o levantamento de seus dados pessoais e apurações sobre eventuais ressarcimentos já realizados”, explica a assessoria da Procuradoria da República no Distrito Federal.
Pedido de ressarcimento
O Ministério Público diz que o pedido de ressarcimento aos cofres públicos pode ser feito a qualquer momento. O prazo de prescrição para a apresentação de ações de improbidade administrativa é de cinco anos, contados a partir da conclusão do mandato do parlamentar, ressalta a assessoria.
No ano passado, os procuradores que cuidam do caso enviaram um ofício à Câmara, questionando sobre os ressarcimentos feitos por deputados que usaram indevidamente a cota. Mas, até agora, os investigadores não receberam qualquer resposta. “A despeito disso, os procuradores da República que atuam no inquérito prosseguem trabalhando nas medidas judiciais cabíveis, concomitantemente à condução de outras inúmeras investigações que chegam à instituição diariamente”, acrescenta a assessoria.
Farra generalizada
Só na Câmara, mais da metade dos parlamentares usou as cotas para fazer viagens ao exterior. Miami, Nova York, Paris e Buenos Aires eram os destinos internacionais preferidos dos passageiros que voavam na cota da Câmara. As reportagens do Congresso em Foco mostraram que ministros, senadores e deputados – incluindo o presidente da Câmara, o hoje vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB) – usavam suas cotas de passagens aéreas para passear com a família no exterior ou na praia; ceder bilhetes para potenciais eleitores e terceiros; transportar artistas, celebridades e músicos para eventos, às vezes promovidos pelos próprios parlamentares, e uma infinidade de objetivos alheios ao mandato no Congresso e na Esplanada.
Mais do que isso, descobriu-se a existência de um esquema de venda das passagens destinadas aos parlamentares. Operadores de turismo compravam as cotas com deságio e vendiam no mercado. Até o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes voou com passagens compradas desses agentes.
A Câmara e o Senado informaram, à época, que as mudanças nas regras do uso da cota de passagens aéreas proporcionaria uma economia anual de R$ 25 milhões aos cofres públicos. Apesar de avanços, nem tudo correu tão rapidamente no Congresso. Baixada a poeira da crise, a Câmara e o Senado decidiram, em dezembro daquele mesmo ano, liberar o uso dos créditos acumulados por deputados e senadores nas companhias aéreas antes da mudança nas regras até o dia 31 de janeiro de 2011. Na prática, os parlamentares ficaram livres para extrapolar a cota mensal a que tinham direito para voar à vontade no ano eleitoral de 2010. O Senado ainda demorou dois anos para começar a divulgar na internet o uso da cota pelos senadores.
Adriane Galisteu
O caso ganhou repercussão nacional no dia 14 de abril de 2009, quando o Congresso em Foco revelou que a apresentadora de TV Adriane Galisteu, sua mãe, um amigo e outras celebridades voaram na cota do deputado Fábio Faria (PSD-RN), ex-namorado de Galisteu. Os atores Kayky Brito, Sthefany Brito e Samara Felippo, também tiveram passagens pagas pela Câmara para participar do camarote do deputado no carnaval fora de época de Natal em dezembro de 2007. Os artistas informaram que não sabiam da origem da passagem.
Um mês antes, porém, o site havia mostrado que um grupo de amigos da hoje governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB), viajou de São Luís para Brasília por meio da cota de passagens aéreas do Senado. A farra era mesmo grande: até ex-parlamentares à época continuavam a usar indevidamente o benefício público para voar.
A série de reportagens publicada pelo Congresso em Foco rendeu ao site, em 2009, o Prêmio Embratel de Jornalismo Investigativo (Tim Lopes) e contribuiu para a conquista do Prêmio Esso na categoria “melhor colaboração à imprensa”.
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