O ex-ministro da Cultura Marcelo Calero, que pediu demissão do cargo ontem (18), acusa o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, de tê-lo pressionado a produzir um parecer técnico para favorecer seus interesses pessoais. Em entrevista à Folha de S.Paulo, Calero afirma que foi procurado ao menos cinco vezes, por telefone e pessoalmente, pelo articulador político do presidente Michel Temer, para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) aprovasse um projeto imobiliário nos arredores de uma área tombada em Salvador.
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O órgão é subordinado ao Ministério da Cultura. Segundo Calero, Geddel afirmou em duas dessas conversas que era proprietário de um apartamento, em andar alto, no condomínio La Vue Ladeira da Barra. Só com essa autorização do Iphan o imóvel sairia do papel. “Entendi que tinha contrariado de maneira muito contundente um interesse máximo de um dos homens fortes do governo”, declarou o ex-ministro à Folha. O governo já anunciou o deputado Roberto Freire (PPS-SP) como novo titular da Cultura.
Segundo Calero, o Iphan da Bahia, ligado ao ministro, já havia dado a licença de construção para o empreendimento, mas a decisão foi cassada pelo Iphan nacional. De acordo com o ex-titular da Cultura, Geddel telefonou para ele na noite de 28 de outubro pedindo que ele tomasse providência em relação ao caso. “Ele pede minha interferência para que isso acontecesse, não só por conta da segurança jurídica, mas também porque ele tem um apartamento naquele empreendimento. Ele disse: ‘E aí, como é que eu fico nessa história?’”
Calero contou que ficou atônito com o pedido de Geddel: “Eu fiquei surpreendido, porque me pareceu —não sei se estou sendo muito ingênuo— tão absurdo o ministro me ligar determinando que eu liberasse um empreendimento no qual ele tinha um imóvel. Você fica atônito. Veio à minha cabeça: ‘Gente, esse cara é louco, pode estar grampeado e vai me envolver em rolo, pelo amor de Deus’”.
“O ministro Geddel tem uma forma de contato muito truculenta e assertiva, para dizer o mínimo. Então, na ocasião, eu tergiversei, disse que tinha uma agenda com ele para falar de outros assuntos e que poderíamos falar daquele”, detalhou.
Ele relatou que recebeu nova ligação do colega de ministério dias depois. “Ele disse: ‘Então você me fala, Marcelo, se o assunto está equacionado ou não. Não quero ser surpreendido com uma decisão e ter que pedir a cabeça da presidente do Iphan. Se for o caso eu falo até com o presidente da República’”.
Marcelo Calero disse que outras pessoas foram pressionadas tanto quanto ele a pedir que a Advocacia-Geral da União entrasse no caso para liberar o empreendimento.
Segundo o ex-ministro, no último dia 16 o Iphan determinou que a obra fosse embargada e que o projeto, inicialmente previsto para 30 andares, fosse revisto para 13. O imóvel de Geddel, contou ele, ficava em um dos andares mais altos.
“Estou fora da lógica desses caras, não sou político profissional. Não tenho rabo preso. Não estou aqui para fazer maracutaia. Nós precisamos ter a coragem de dizer: ‘Daqui eu não passo’. Vou voltar a ser um diplomata de carreira que passou em quinto lugar num concurso, estudando e trabalhando ao mesmo tempo.”
O Congresso em Foco não conseguiu localizar Geddel para comentar a acusação.