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Ex-deputado federal e senador, Ronaldo recebia sedativo há 48 horas em razão do agravamento do quadro de saúde. Ontem (sexta, 6), foi induzido ao coma em uma unidade de terapia intensiva montada em seu apartamento. O tipo de câncer diagnosticado em junho de 2011, quando iniciou tratamento no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, foi o adenocarcinoma no pulmão esquerdo.
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Advogado por formação, iniciou a carreira política em Campina Grande como vereador nos anos 1960, tendo sido eleito prefeito do município em 1968. No ano seguinte, teve seus direitos políticos cassados pela ditadura militar, motivo que o levou a reativar o exercício da advocacia entre Rio de Janeiro e São Paulo. Em 1982, voltou a conduzir a Prefeitura de Campina Grande. Elegeu-se governador da Paraíba para o período 1991-1994 e, em seguida, conquistou nas urnas uma cadeira no Senado (1995-2002).
No fim da trajetória política, foi eleito deputado federal em 2002 e exerceu dois mandatos consecutivos, uma vez que se reelegeu em 2006. No ano seguinte, renunciou ao mandato (relembre aqui) sob acusação de tentativa de homicídio – em 1993, Ronaldo disparou tiros de revólver contra o também ex-governador e desafeto político Tarcísio Burity, em um restaurante de João Pessoa. O episódio ficou conhecido como caso Gulliver, em referência ao nome do estabelecimento. Ronaldo renunciou para perder prerrogativa de foro privilegiado e não ser julgado no Supremo Tribunal, que já havia marcada a data do julgamento.
Poeta e apreciador da obra do conterrâneo Augusto dos Anjos, Ronaldo Cunha Lima participou do programa de televisão Sem Limite (Tupi, SBT) respondendo perguntas sobre o poeta paranasiano. Ele mesmo se arriscou na poesia, e tinha orgulho de ser considerado poeta – é famosa sua “petição em verso” intitulada Habeas Pinho, em que Cunha Lima pede ao juiz Roberto Pessoa de Souza a devolução de um violão apreendido com boêmios que, em uma noite de 1955, em Campina Grande, foram impedidos pela polícia de continuar uma serenata. O magistrado não só acolheu o pedido, como o fez também em verso (confira abaixo).
Ronaldo publicou diversos livros, entre ele Azul itinerante, poesia policrômica (editora José Olympio, 2006) e Sal no rosto – Sonetos escolhidos (idem, ibidem). Deixa quatro filhos e a mulher, Maria da Glória.
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Confira a petição em verso e a reposta do juiz a Ronaldo Cunha Lima:
“Habeas Pinho – Ronaldo Cunha Lima
Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca:
O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola.
É simplesmente, doutor, um violão.
Um violão, doutor, que na verdade
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade.
De quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.
Inexiste entre eles afinidade.
O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam as mágoas e que povoam a vida
Sufocando suas próprias dores.
O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.
Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém seu destino se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.
Mande soltá-lo pelo Amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.
Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz,cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado
derramando na rua as suas dôres?
É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento.
Juntando esta petição aos autos nós pedimos também DEFERIMENTO.
Ronaldo Cunha Lima, advogado.”
Confira agora a lírica resposta do juiz, em soneto perfeito (duas estrofes de quatro versos e duas de três versos):
“Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.
Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.
Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte á rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.
Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar à porta do Juiz.”