Eduardo Militão
Um grupo de quase 500 ex-militares da Força Aérea Brasileira (FAB) retoma este mês sua luta para ter de volta o direito a indenizações por perseguição durante a ditadura militar. Ao cancelar 495 anistias a ex-cabos da Aeronáutica em 2004, o governo federal deixou de pagar, por ano, aproximadamente R$ 29,7 milhões.
Até o fim do mês representantes da Associação dos Anistiados do Nordeste (Asane) e dos Anistiandos de Pernambuco (Adnape) vêm a Brasília pressionar as autoridades a revalidarem indenizações deferidas em 2002 e canceladas dois anos depois. O alvo deles é a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (MJ), que iniciou esta semana os trabalhos administrativos deste ano.
O grupo de ex-cabos se diz atingido pela Portaria 1.104, de outubro de 1964, meses após o golpe militar. O governo ditatorial baixou a norma para limitar a oito anos a permanência dos praças (soldados, cabos e sargentos, as categorias de nível médio nas Forças Armadas) na Aeronáutica. Segundo o porta-voz da Asane e da Adnape, Marcos Antônio de Sena, a portaria foi uma retaliação. “Em 1963, houve uma rebelião de praças em Brasília, porque eles foram proibidos de se candidatarem. Foi uma briga mesmo. Eles prenderam os oficiais [os militares de mais alta patente]”, conta Sena. “Depois disso, a FAB começou a retaliar.”
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Com base nisso, a Comissão de Anistia avaliou mais de 5.900 processos, segundo dados do Ministério da Justiça. Concedeu mais de 2.700 indenizações a militares e negou outras 3.117. Quem era cabo da FAB até a edição da polêmica Portaria 1.104 recebeu a indenização. Quem entrou na Aeronáutica depois teve a indenização declarada em 2002, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso.
Mas o MJ interpretou que quem chegou à corporação depois disso sabia das novas regras. Portanto, não haveria perseguição nenhuma. Ficar oito anos na FAB e depois ser dispensado seria mera regra administrativa, de acordo com a Portaria 594, de 2004, baixada pelo então ministro Márcio Thomaz Bastos.
PublicidadeAssim, 495 ex-cabos (veja a lista completa) perderam o direito de receber cerca de R$ 5 mil por mês como reparação de danos – valor médio dos benefícios, conforme a Asane e a Adnape. Segundo Marcos Sena, alguns conseguiram receber isso por meio de decisões judiciais.
TCU avalia questão
Em 2006, o Tribunal de Contas da União (TCU) passou a avaliar se o procedimento do MJ era correto e pediu a suspensão da análise de processos. O julgamento do caso foi adiado para este ano. No final de novembro passado, a Comissão de Anistia chegou a fazer uma sessão para debater o assunto.
Apesar disso, Marcos Sena reclama que o Ministério da Justiça continua cancelando anistias de ex-cabos. “Depois dessa sessão, o ministro Tarso Genro cancelou mais quatro. Estou mandando um e-mail para ele”, disse o porta-voz da Asane a da Adnape ao Congresso em Foco. O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão Pires Júnior, não foi localizado pela reportagem.
Perseguição
Os ex-militares que entraram depois da portaria dizem que não foram perseguidos individualmente, mas coletivamente. O ex-telegrafista Gilvam Vanderlei de Lima, 58 anos, é um deles. “A Aeronáutica entendia que os cabos antigos poderiam contaminar os novatos. Nós fomos punidos por presunção. Todo esse período eu passei sob extrema vigilância. Havia um sistema de escuta que monitorava todos os operadores”, diz ele. “Eu passei oito anos como suspeito de ser comunista sem saber.”
Para Marcos Sena, a decisão do governo Lula de cancelar as anistias é “um crime”. “Eles fizeram uma nova interpretação. Podiam fazer isso, mas não poderiam retroagir”, reclama o porta-voz dos ex-cabos.
Ao sair da FAB, Sena ainda conseguiu emprego na Marinha, onde trabalhou por cinco anos. Depois, foi tentar a vida na Europa, como garçom, lavador de pratos e auxiliar de escritório em bancos. De volta ao Brasil, montou uma sorveteria. “Faliu dois anos depois. Fui fazendo uns biscates, como até hoje”, conta Sena, que também faz serviços de guia a estrangeiros que visitam o Brasil.
Gilvam conta que, depois de deixar a FAB, tentou estudar direito. Mas teve de abandonar o curso no quarto ano. Em 1976, passou num concurso da Polícia Civil de Pernambuco. Aposentou-se como escrivão em 2003.
Campanha virtual
Para fazerem valer sua voz, os ex-militares enchem a internet de protestos, decisões judiciais e argumentos jurídicos para defenderem seu direito às indenizações. Há um ano e meio Gilvam criou um segundo blog para divulgar a causa, o Portal dos cabos da FAB atingidos pela Portaria 1.104. Já existia a página Ex-cabos licenciados e excluídos. Segundo Gilvam, o novo veículo de comunicação já recebeu mais de 250 mil acessos.
Além disso, os militares buscam apoio em sites que promovem a interação. Na seção “A palavra é sua”, do Congresso em Foco, por exemplo, há centenas de reclamações e protestos contra a falta de indenizações para os ex-cabos. “A gente não tem apoio, um órgão de comunicação que nos ouça. Para suprir essa falta, eu criei o portal dos cabos”, explica Gilvam.