Ricardo Ramos e Edson Sardinha
Em 40 minutos de depoimento, o caseiro Francenildo Costa Santos, de 24 anos, acendeu um rastilho de pólvora que se alastrou da CPI dos Bingos, passou pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e atingiu o principal gabinete do Ministério da Fazenda. Nildo, como é mais conhecido, não recorreu ao terno e gravata nem às evasivas que têm caracterizado a participação dos demais depoentes das comissões parlamentares de inquérito, e contradisse o mais poderoso dos ministros do presidente Lula.
De camiseta e calça jeans, tornou praticamente insustentável a permanência de Palocci no cargo ao responder se confirmava ter visto o ministro na mansão alugada pela chamada república de Ribeirão Preto para fazer lobby em Brasília: “Eu confirmo até morrer”. Ao ver numa tela 12 fotos de integrantes do grupo, Nildo identificou, entre outros, Palocci, Rogério Buratti (secretário municipal em Ribeirão na gestão Palocci), Ademirson Ariosvaldo da Silva (secretário particular do ministro) e Juscelino Dourado (ex-chefe de gabinete no Ministério da Fazenda). "Esse era o chefe”, afirmou ao ver a foto do ministro.
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O caseiro confirmou ainda ter visto na mansão dinheiro administrado por Vladimir Poleto, ex-assessor da prefeitura de Ribeirão, a quem chamou de "patrãozinho". "Vi na mala do Vladimir quando ele fazia o pagamento. Era dinheiro que forrava o fundo da mala", contou.
As declarações de Nildo foram interrompidas pela decisão do STF de atender ao pedido do PT de suspender o depoimento do caseiro. A combinação explosiva não só deixou a CPI em pé de guerra como tirou de Palocci o que ainda lhe restava de apoio na oposição.
“Um ministro que precisa calar um caseiro de 24 anos não pode ser ministro. O PSDB cobra e exige a demissão de Antonio Palocci. A economia está madura o suficiente para suportar que ele seja defenestrado”, disse o líder tucano, senador Artur Virgílio (AM). O clima de instabilidade gerou até rumores, em Brasília, de que Palocci teria pedido demissão. À noite, o presidente Lula desmentiu com um gesto negativo com o dedo ao ser questionado sobre o assunto por repórteres.
Nas mãos do Supremo
A suspensão do depoimento também pôs no centro da crise o ministro do Supremo Cezar Peluso, que concedeu a liminar, no início da tarde, que impediu Francenildo de dar mais detalhes. Em sua decisão, Peluso argumentou que as declarações do caseiro em nada contribuiriam para as investigações (leia a íntegra da decisão do ministro).
Além de solicitar a suspensão do depoimento, o pedido feito ao Supremo pretende expurgar do relatório final da CPI dos Bingos documentos relacionados ao assassinato do prefeito Celso Daniel, à administração petista em Ribeirão Preto, aos empréstimos entre filiados do PT e ao caixa dois de campanha. Peluso concedeu apenas parte do que foi requerido, mas a corte ainda vai se posicionar sobre os demais pontos.
“A decisão de um homem só, que diga-se de passagem é indicado politicamente (Cezar Peluso foi indicado por Lula), joga para o espaço a independência dos poderes”, reagiu o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Um dos fiadores da última ditadura, o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) chegou a comparar a decisão do Supremo a um ato dos governos militares e atacou duramente o presidente da República. “A grande verdade é que este governo é um governo de ladrões. No PT tem homens de bem? Tem. Mas o PT tem ladrões, e capitaneados pelo presidente da República, que diz que não sabe nada, mas é o responsável por tudo.”
Lembrando Eriberto
O senador Pedro Simon (PMDB-RS) defendeu o afastamento de Palocci por 30 dias e comparou caseiro ao motorista Eriberto França, que denunciou as contas fantasmas que ligaram o presidente Fernando Collor de Mello a Paulo César Farias, no episódio que derrubou o governo. “Hoje é um dia para ficar marcado na história do PT, quando um rapaz simples e singelo fez denúncias graves contra o ministro. Ele nos lembra aquele motorista que o Eduardo Suplicy mostrou na época da CPI do PC”, disse Simon.
O argumento dos governistas
Aliviados com a decisão do Supremo, os governistas defenderam a decisão judicial alegando que a CPI vem extrapolando cada vez mais a sua atribuição, que seria investigar os crimes ligados a casas de bingos. Os senadores da base aliada também acusaram a oposição de tentar atacara a vida privada de Palocci. “Todo mundo sabe que o único objetivo desta CPI é atingir o presidente Lula. E o ministro é do presidente. Ele (Lula) que decide sobre a sua permanência ou não”, reagiu a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC).
O líder do PT na Câmara, Henrique Fontana (RS), disse que a oposição está “desestabilizada” por causa da última pesquisa eleitoral, que mostrou a vitória do presidente Lula em todos os cenários possíveis. “Não há nenhum ato que fale contra a vida profissional do ministro.”
Autor do pedido de liminar, o senador Tião Viana (AC) criticou a exploração de detalhes do depoimento do caseiro, que, segundo ele, prejudicariam a vida conjugal do ministro. “Agressivo não é ir à Justiça, é atacar a reputação de uma pessoa explorando mentiras como histórias de camisinha e Viagra (o caseiro contou que sua esposa recolhia os objetos na casa após as festas)”, afirmou. “A CPI vem rasgando o regimento do Senado. Agi com minha consciência”, disse Viana, que é o primeiro-vice-presidente da Casa.
Promessa de recurso
Criticado no plenário por não ter acompanhado a polêmica, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), reapareceu, no fim da tarde, para garantir que tomaria todas as decisões para que as investigações não fossem paralisadas pelo Judiciário. “Farei tudo o que estiver ao meu alcance para garantir os poderes da CPI e do Congresso Nacional”, afirmou. “Com essa decisão, o Senado fica menor. A decisão tira poderes do Senado. Estamos buscando a verdade que a sociedade cobra”, reagiu o presidente da CPI, Efraim Morais (PFL-PB), ao anunciar que recorreria contra a suspensão do depoimento.