Comandando por Orlando Silva, um ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), o Ministério do Esporte elaborou um conjunto de regras para a Copa do Mundo de 2014, em acordo com a Federação Internacional de Futebol Associados (Fifa), que põe em risco a meia-entrada para estudantes. Segundo a minuta da Lei Geral da Copa, feita pelo Ministério dos Esportes e agora em análise na Casa Civil da Presidência, os preços dos ingressos para os jogos do campeonato mundial de futebol serão determinados pela Fifa. Fica estabelecido que a Lei Geral da Copa – ou qualquer outra lei federal – não poderá versar sobre a possibilidade de meia-entrada nos jogos, ou qualquer outro tipo de desconto. A Fifa poderá eventualmente discutir com os estados e com as cidades-sede tal possibilidade, mas a palavra final é da federação de futebol.
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Tomando-se como base o que foi cobrado na Copa do ano passado na África do Sul, os preços para os jogos vão variar de R$ 150 a até R$ 1.500, pois o preço varia conforme a localização no estádio e a importância do jogo – partidas da primeira fase, por exemplo, terão ingresso bem mais barato do que para a final. Segundo um resumo da minuta, elaborado pelo próprio Ministério dos Esportes e obtido pelo Congresso em Foco, a futura Lei Geral da Copa estabelece a “ausência de gratuidade ou meia-entrada” nos jogos do Mundial Copa (veja trecho).
A meia-entrada é uma bandeira histórica da UNE, que já foi presidida pelo ministro Orlando Silva, do PCdoB, entre 1995 e 1997. A entidade que representa os estudantes obteve ainda nos anos de 1940 o benefício do desconto de 50% para o ingresso em eventos culturais e esportivos. Hoje, a “meia” é regulada por leis estaduais e municipais.
Na semana passada, o então presidente da UNE, Augusto Chagas (ele foi sucedido dias depois por Daniel Iliescu), reagiu à possibilidade de não haver meia-entrada na Copa, ao ser procurado pelo Congresso em Foco. “Isso é um absurdo”, disse ele. “O ministro dos Esportes foi ex-presidente da UNE. Por óbvio, nós temos uma boa relação com ele por isso”, afirmou Augusto. Na verdade, não apenas por isso: a UNE vem sendo comandada há anos pelo PCdoB: Augusto Chagas pertence ao mesmo partido de Orlando Silva, assim como seu sucessor, Daniel Iliescu. “Mas se isso vier a acontecer [a perda da meia-entrada], a UNE discordará dessa opinião do ministério”, completa ele.
Ouça aqui a entrevista com o ex-presidente da UNE:
PublicidadeNegociação da Fifa
Autor da minuta da Lei Geral da Copa, o Ministério do Esporte afirma que não defende o fim da meia-entrada nos jogos. Apenas estabelece que a prerrogativa de definir o valor dos ingressos é da Fifa, e que nenhuma lei federal poderá versar sobre o tema. A argumentação do ministério decorre da forma como hoje é regulamentada a meia-entrada no país. Hoje, o benefício é instituído por várias leis estaduais. “O governo federal não está propondo fim de meia-entrada para estudantes. As leis que tratam do assunto são estaduais, municipais e distritais”, disse a assessoria do Ministério dos Esportes ao Congresso em Foco.
Mas o fato é que há uma legislação federal que trata de meia-entrada, a Medida Provisória 2.208, de 17 de agosto de 2001. Ela estabelece quem pode emitir carteirinhas de estudante para a concessão do benefício da meia-entrada. Trata-se de uma MP execrada pela UNE. Antes dela, a emissão de carteiras de estudante era uma prerrogativa da UNE e da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes), e uma importante fonte de renda para as duas entidades. A MP estabeleceu que as carteiras deveriam ser emitidas também pelos estabelecimentos de ensino. A UNE não considera que a MP 2.208 seja uma garantia federal da meia-entrada. Mas outra entidade nacional de representação dos estudantes, a União dos Jovens e Estudantes do Brasil, afirma em seu site que a MP 2.208 é a garantia legal da “meia”, e orienta qualquer estudante que depare com evento que lhe negue o benefício a procurar o Ministério Público.
Veja mais: a UNE e a meia-entrada – a UJE e a meia
De qualquer modo, a assessoria do Ministério dos Esportes reconhece que a determinação sobre quanto custará cada ingresso nos jogos será da Fifa. “A fixação de preços dos ingressos para a Copa do Mundo é atribuição da Fifa, que discutirá o assunto com as cidades-sede.”
Resumo do anteprojeto
A decisão sobre a meia-entrada, assim como os demais pontos da minuta da Lei Geral da Copa, ainda não estão sacramentados. A versão final sobre a proposta de lei será da presidenta Dilma Rousseff. E, de qualquer modo, o projeto será depois analisado e votado pelo Congresso. O resumo do anteprojeto da Lei Geral da Copa, em discussão no Executivo, mostra que, entre os temas centrais da proposta acordada com a Fifa, está a “ausência de gratuidade ou meia-entrada” durante as partidas do Mundial de 2014. O documento ao qual o Congresso em Foco teve acesso é um arquivo de Power Point elaborado pela consultoria jurídica do Ministério dos Esportes para apresentações sobre a futura lei. Os pontos ali contidos, que compõem o anteprojeto da lei, são o resultado de um acordo entre o ministério e a Fifa.
Esse acordo foi fechado em abril passado, com a presença de Orlando Silva, do secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, do presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira, e do consultor jurídico do ministério, Wladimyr Vinycios Camargos, também egresso dos quadros da UNE e autor do resumo da Lei Geral, obtido pelo Congresso em Foco.
À época, Orlando Silva chegou a “firmar o compromisso” com a federação de que a lei estaria em vigor até 30 de julho, dia do sorteio das Eliminatórias do Mundial. A promessa acabou não cumprida. Desde abril, a minuta da Lei Geral da Copa está na Casa Civil, que analisa eventuais choques com a legislação brasileira. O Congresso em Foco apurou que a versão do projeto de lei, que pode mesmo vir a ser enviada para o Congresso como Medida Provisória, deve sair em breve.
Capítulo novo
As negociações para a Lei Geral da Copa começaram em 2009 e foram reiniciadas em fevereiro passado, já no governo Dilma Rousseff. Segundo os “temas centrais” listados pelo Ministério do Esporte, em março, a Fifa pediu “um capítulo inteiramente novo” sobre venda de ingressos. Após acordo com Orlando Silva, ficou acertado que a entidade vai definir o preço das entradas, definir gratuidades e meias e ainda ser responsável por cancelamentos e reembolsos.
Em abril passado, quando anunciou parte do que seria a futura Lei Geral da Copa após o acordo com a Fifa, o Ministério do Esporte não citou temas como a ausência de meia-entrada e gratuidade nas partidas. Comunicados oficiais trataram de vistos facilitados para turistas e funcionários da federação, da proteção de produtos licenciados, da garantia de até 90 segundos de imagens dos jogos liberados para emissoras sem direitos de transmissão fazerem coberturas jornalísticas da Copa, como já prevê a lei Pelé. Sobre ingressos, só se falou do “combate à venda irregular” das entradas.
A Casa Civil disse que não comenta leis ainda em discussão e que o Esporte é quem deveria prestar esclarecimentos.
Augusto Chagas, da UNE, diz que não deve existir relação entre a suspensão dos descontos e a Copa. “A meia entrada é um direito e não é porque o evento é internacional que isso poderia ser desrespeitado. É um absurdo”, disse ele.
Procurados desde a semana passada, os assessores da Fifa para o Brasil não retornaram os pedidos de esclarecimentos feitos por escrito e por telefone.