Estudantes judeus na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) relaram ter recebido cópias de um artigo com teor antissemita ao longo da semana desta sexta-feira (27). O texto, com título “Pelo fim do Estado de Israel- Todo apoio ao Hamas e à resistência palestina”, publicado na capa da versão impressa do Diário da Causa Operária, foi distribuído para promoção de um evento do PCO, partido de extrema-esquerda fundado em 1995.
O Diário da Causa Operária é um veículo de comunicação pertencente ao PCO, partido cuja posição contrária a Israel já era conhecida dentro da comunidade judaica. O que chamou atenção dos estudantes foi o tom agressivo do texto, afirmando categoricamente que “a ação do Hamas foi um exemplo a ser seguido pelo restante dos palestinos e por todos os povos oprimidos do mundo”, que “moralmente correto é o que o Hamas fez”, além de se referir a Israel como um “Estado nazista”. O grupo Hamas foi responsável, durante o ataque de 7 de outubro, pelo maior massacre de judeus desde o Holocausto.
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O texto foi acompanhado de uma charge que, imitando a estética das charges do regime nazista, retrata um judeu entrando na casa de um suposto palestino com uma cópia da Torá em uma mão e uma espingarda nas costas, apontando para o livro e dizendo “diz aqui no meu livro sagrado que esta casa é minha”.
Alunos em choque
Bruna Ades, estudante de psicologia, foi uma das primeiras judias na universidade a receber o texto, entregue a ela por uma militante do PCO na noite de quinta-feira (26). “Quando ela saiu, eu fui olhar o que era e me deparei com essa imagem. Ela me chamou atenção porque era um símbolo muito forte da propaganda nazista. Eu gelei, senti uma mistura de medo com raiva. Uma amiga me perguntou se eu queria ir atrás da moça que estava entregando os jornais, mas eu fiquei em choque”, narrou.
Ao conversar sobre o ocorrido com outros estudantes da PUC-SP, outros estudantes judeus também alegaram ter recebido o folheto. Um deles, Fabio Schames, conta que o texto também lhe foi entregue por uma militante do PCO, e que esta estaria chamando os alunos para uma palestra sobre o tema. “Enquanto ela falava, eu comecei a olhar para as informações do folheto. (…) Na hora, eu fiquei mal. A mulher ainda estava na minha frente e eu disse que não queria isso. Ela disse ‘fica para você, se é a favor ou não é problema seu’”.
Assim como aconteceu com sua colega, Schames diz ter entrado em choque com o conteúdo da charge e do texto. “Eu não consegui passar da terceira linha, de tão nojento que foi para mim”, acrescentou. Ele mostrou o artigo para outra amiga judia, cuja reação foi rasgar o jornal. “Nem conseguimos ir para a aula depois. Ficamos sentados conversando e se lamentando. Foi muito pesado para nós”.
PublicidadeAntissemitismo x antissionismo
O texto, apesar de não fazer o uso do termo “judeu”, fala constantemente sobre a hostilização ao sionismo, corrente teológica do judaísmo favorável à criação de um Estado judaico na região onde fica Israel. O autor preserva o tom agressivo, defendendo que “os palestinos têm absolutamente todo o direito de pegar em armas contra Israel e os sionistas” e “que venha a revolução árabe para varrer o sionismo do mapa”.
Michel Gherman, professor de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenador acadêmico do Instituto Brasil-Israel, explica que a discordância com o sionismo não é necessariamente sinônimo de antissemitismo, mas que os dois discursos constantemente coincidem. Se por um lado há uma corrente de questionamentos em função dos abusos de direitos humanos cometidos por Israel, e que defende soluções moderadas para o conflito local, há também quem defenda o extermínio ou o desamparo à população judaica na região.
“Se a resposta for o extermínio ou a exclusão dos direitos desses judeus, estamos falando de antissemitismo claro. O problema é que, no momento em que vivemos agora, juntamente a esta charge, estamos imaginando que a resposta [ao conflito] é menos importante, o mais importante é a promoção do ódio, e nesse caso com um alvo específico, que é o judeu”, apontou o pesquisador.
Gherman também alerta que, além de retratar os judeus por meio da mesma estética adotada na propaganda nazista, a charge adota a retórica do regime ditatorial alemão ao retratar os judeus como um fator de risco para a população. “Enquanto o racismo clássico diz que um grupo não pode ser incluído na socioedade por ser inferior, o racismo nazista diz que o negro ou o judeu são perigosos, e que por isso devem ser exterminados. Aquela charge faz justamente retratar o judeu como alguém muito perigoso”, argumentou.
O Congresso em Foco contactou a executiva nacional do PCO, bem como o Diário da Causa Operária para caso quisessem se manifestar a respeito. Até o momento, não houve resposta. O espaço segue aberto para que possam se posicionar.
Sobre o episódio, a PUC-SP emitiu a seguinte nota:
Informamos que o material do jornal mencionado não é produzido e nem veiculado pela PUC-SP. Ressaltamos que não é permitido nenhum tipo de distribuição de conteúdo informativo dentro da Instituição e os estudantes foram orientados a informem aos nossos agentes se observarem novamente qualquer comportamento semelhante dentro do campus. Sobre a suposta palestra, não há registro desse evento na Universidade.