Patrícia Gripp e Edson Sardinha
Desde a retomada das eleições presidenciais diretas, em 1989, os artistas brasileiros nunca estiveram tão ausentes da disputa eleitoral como neste ano. Os embates protagonizados pelas atrizes Paloma Duarte e Regina Duarte e pelas duplas sertanejas Zezé di Camargo & Luciano e Chitãozinho & Xororó no horário eleitoral de 2002 deram lugar, nesta campanha, a declarações isoladas que têm revelado mais desencanto do que convicção com o atual cenário político. Estrela no horário eleitoral este ano, só mesmo a do PT.
O silêncio dos artistas pode ser explicado, em parte, pela decepção manifestada por alguns deles em relação ao governo Lula e ao próprio Partido dos Trabalhadores, que sempre teve a simpatia da maior parte do que eles próprios gostam de chamar de "classe artística" (leia mais). Mas ele também se deve à frustração generalizada com os políticos, provocada pelos sucessivos escândalos no Congresso, e pela proibição dos showmícios, que diminuiu bastante o espaço para a participação paga desses profissionais.
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Ouvidos pelo Congresso em Foco, o cartunista e escritor Ziraldo, o cantor e compositor Roberto Frejat e os atores Tonico Pereira e Perry Salles têm em comum o fato de terem votado em Lula para presidente em 2002. Hoje, porém, apenas Tonico mantém o voto no petista. Apesar de terem visões distintas sobre a crise política e seus contornos, os quatro não escondem a indignação com as intermináveis séries de escândalos e se mostram preocupados com a crise ética no país.
Para o criador do Menino Maluquinho, um dos maiores sucessos da literatura infanto-juvenil do país, esta é a mais melancólica de todas as eleições. "Que Congresso é este? Um Congresso que elege, por pura molecagem, como se fosse um grêmio estudantil, um pobre deputado fisiológico da mais baixa estatura intelectual [em alusão a Severino Cavalcanti, PP-PE] para presidente de uma de suas casas?", pergunta Ziraldo, o mais novo eleitor de Heloísa Helena (Psol). O cartunista foi um dos fundadores do jornal Pasquim, que, com sua irreverência e crítica política, fez sucesso ao desafiar a ditadura militar nos anos 1970.
Declarando-se pessimista com o futuro e "extremamente decepcionado" com o atual governo, o líder do Barão Vermelho vê na política apenas um reflexo de um problema ainda mais complexo. "É um momento de decadência ética do ser humano como um todo", avalia Frejat, que pretende votar no candidato Cristovam Buarque (PDT).
Também eleitor do pedetista, Perry Salles centra suas críticas no governo Lula, classificado por ele como "uma das maiores decepções de todos os tempos". "Não existe mais serviço púbico, apenas homens públicos a serviço do seu bolso privado. Esta é a realidade brasileira", sentencia. Tonico Pereira, que atualmente interpreta o funcionário público Mendonça na série A grande família, na TV Globo, ataca o Congresso e defende a reeleição do petista sob o argumento de que a vida dos pobres melhorou e a concentração de renda diminuiu nos últimos quatro anos. "Não o suficiente, mas caiu", considera o ator.
Artistas em polêmica
O quase absoluto mutismo da categoria nesta campanha eleitoral só foi rompido há um mês, após encontro reservado entre o presidente Lula e um grupo de artistas na casa do ministro da Cultura, Gilberto Gil, no Rio. Na ocasião, o compositor e maestro Wagner Tiso e o ator Paulo Betti, dois petistas históricos, fizeram declarações bastante polêmicas.
"Não estou preocupado com a ética do PT. Acho que o PT fez um jogo que tem que fazer para governar o país", disse o músico. Citando o filósofo Jean-Paul Sartre, Betti foi pela mesma linha ao dizer que "não é possível fazer política sem botar a mão na merda". Do encontro participaram, entre outros, o cantor e compositor Geraldo Azevedo e o ator José de Abreu. Outro participante da reunião, o cineasta Luiz Carlos Barreto, avalizou o mensalão e o uso de métodos irregulares de cooptação para garantia de base parlamentar, com o argumento de que "os fins justificam os meios".
Os comentários desencadearam discussões no meio artístico, receberam censura inclusive de petistas e despertaram os artistas tucanos. "Não sou conivente com a afirmação dele [Betti], existem políticos e políticos, mãos e mãos. Isso vai estar na biografia dele, mas não quero julgar o meu colega, como não quero que o meu colega me julgue", disse o ator Ney Latorraca.
"O Paulo Betti e o Wagner Tiso estão falando besteira. Eles estão se envolvendo com a merda e, quando você se envolve com a merda, você acaba sujo", emendou o novelista Agnaldo Silva. Assim como Lula, Geraldo Alckmin também tem mantido encontros com artistas. Entre os que participaram de reuniões com o candidato tucano, estão os atores Mauro Mendonça, Juca de Oliveira e Paulo Goulart e as atrizes Nicete Bruno, Rosamaria Murtinho, Nathália Thimberg, Zezé Motta e Irene Ravache.
Veja o que os artistas disseram ao Congresso em Foco:
Ziraldo, cartunista e escritor
Um dos principais autores de literatura infanto-juvenil do país, o escritor e cartunista Ziraldo, criador do Menino Maluquinho, diz estar mais preocupado com a renovação do "pior Congresso Nacional de todos os tempos" do que com a sucessão presidencial.
"Para este Congresso, não reeleja ninguém", defende o escritor, de 74 anos. Eleitor de Heloísa Helena (Psol), o artista mineiro considera esta a mais melancólica de todas as eleições de que já participou.
"Que Congresso é este? Um Congresso que elege, por pura molecagem – como se fosse um grêmio estudantil – um pobre deputado fisiológico da mais baixa estatura intelectual para presidente de uma de suas casas? Esse nível de irresponsabilidade é incompatível com a estatura do cargo", diz, referindo-se ao ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), que renunciou ao mandato depois de ter sido acusado de cobrar propinas de fornecedores da Câmara dos Deputados.
O cartunista também condena o fisiologismo dos parlamentares que se escondem sob o manto do voto secreto para absolver colegas envolvidos em irregularidades. "Meu Deus, como um representante do povo pode querer não confessar ao seu eleitor o voto que o representa? Independente das reiteradas provas de corrupção de grande parte dos congressistas atuais, o que prospera entre os representantes da vontade popular são as manobras indecorosas para a manutenção dos mandatos tão repetidamente desrespeitados", ressalta.
Tonico Pereira, ator
Ator com participação em mais de duas dezenas de filmes, Tonico Pereira é o único dos artistas ouvidos pelo Congresso em Foco a defender a reeleição do presidente Lula, em quem votou em 2002. Tonico, que interpreta um funcionário público na série A Grande Família, considera que a vida dos pobres melhorou e a concentração de renda diminuiu no governo petista.
"Não o suficiente, mas caiu. Antes de ser corporativista, sou um cidadão e o Lula, para o povão miserável, fez um bom governo. Então, antes de votar pelos meus interesses de classe média, eu estou votando pelo interesse da massa trabalhadora, a massa sofrida brasileira", explica.
Embora defensor do governo Lula, o ator é crítico severo dos parlamentares. "O Congresso não tem moral nenhuma para julgar nada", afirma. "O mensalão é o nome que o ex-deputado Roberto Jefferson deu para o caixa dois do PT. No governo passado, Sérgio Motta [ex-ministro das Comunicações, acusado de envolvimento na compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição] foi o responsável pelo caixa dois do FHC. Ele existe em todos os partidos. Eu não concordo, mas faz parte do jogo político da cultura brasileira".
O ator diz não compartilhar da visão do compositor Wagner Tiso e do ator Paulo Betti, também petistas, que relativizaram a importância da ética na política. "Não achei legal o que eles disseram. Se você não pensar nisso como possibilidade, então é melhor desistir. Eu persigo a ética na política", diz Tonico Pereira.
Frejat, músico
Líder da banda Barão Vermelho, o cantor e compositor Roberto Frejat se enquadra entre os eleitores que votaram em Lula, em 2002, e que não pretendem jamais repetir a dose. Declarando-se "extremamente decepcionado", Frejat diz que o presidente sabia da existência do mensalão.
"Eu acho que o governo foi conivente com a corrupção, principalmente nos altos escalões. Teve todo um teatro no sentido de dizer que o presidente não sabia de toda aquela situação do mensalão. Eu acho que é praticamente impossível, dado o fato de todos os assistentes mais próximos estarem envolvidos. Essa conversa pra mim não funciona", avalia.
Para o roqueiro, Lula irá se reeleger graças ao Bolsa Família, baseado "numa política de esmola". "Sem querer colocá-lo como único culpado, acho que todos os governos até hoje no Brasil não deram nada para os mais miseráveis e o governo Lula deu R$ 30. Então, é lógico que os miseráveis vão votar nele e eles são a maioria. Eu não acho que esmola é bem-estar social", critica.
O músico diz que votará em Cristovam Buarque (PDT) por acreditar que o pedetista é o único, entre os presidenciáveis, a priorizar o mais relevante dos temas nacionais: a educação. Para Frejat, o cenário atual é grave e só tende a piorar. "Pode ser que economicamente algumas coisas melhorem, outras piorem, pode ter crise e tal, mas a essência do país, que é a Constituição, está totalmente equivocada. Acho que isso aí só tende a se refletir em todas as áreas, no Legislativo, Executivo e Judiciário e acaba, lógico, refletindo em toda a população", critica.
Perry Salles, ator
Considerando o governo Lula "uma das maiores decepções de todos os tempos", o ator, cineasta e diretor teatral Perry Salles ataca a falta de investimentos em educação pública e a proliferação da corrupção como os principais entraves ao desenvolvimento do país.
"Não existe serviço púbico, apenas homens públicos a serviços do seu bolso privado. Esta é a realidade brasileira", afirma. Apesar disso, garante apostar no poder transformador do brasileiro e na elevação do país a uma das principais potências mundiais em poucos anos. O ator também se declara eleitor de Cristovam Buarque (PDT), por causa das propostas para a área da educação.
O artista foi irônico ao comentar as declarações do compositor Wagner Tiso e do ator Paulo Betti, que relativizaram a ética na política ao rebaterem as críticas ao governo Lula: "Isso é resultado do estado de desespero do ser humano, que não tem tempo pra pensar", disse Perry.