Seis dias. Esse foi o tempo de convivência entre uma repórter e sua fonte, que resultou numa publicação que promete esquentar ainda mais o “verão político” deste incipiente 2008 – já devidamente aquecido com o pacote compensatório da equipe econômica de Lula, anunciado na última quarta-feira (2). Trata-se da entrevista concedida pelo ex-presidente do PT e ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, à repórter Daniela Pinheiro, da revista Piauí. O material, que ocupa 12 páginas da revista, foi publicado na edição desta semana. E pode dar uma forte dor de cabeça no ex-cacique petista.
Na entrevista, Dirceu desandou a acusar e disparou sua “metralhadora giratória” contra figuras públicas diversas, inclusive do próprio PT. A presidente do Psol, Heloísa Helena; o ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro de Lula Olívio Dutra; o filho do presidente Lula, o “Lulinha”; e até o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, foram atingidos pelos disparos verbais de Dirceu. Mas, como aconteceu no episódio do mensalão, Lula continua ileso. Ou seja, não recebeu uma acusação sequer de seu velho companheiro de luta.
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Além dessa questão, outra intrigou não só a repórter Daniela Pinheiro – que acompanhou José Dirceu numa viagem a três países, durante os já mencionados seis dias –, mas causa estranheza a quem, de alguma forma, acompanha o mundo político nacional: qual seria o verdadeiro motivo do súbito surto de acusações a figuras tão díspares? Seria mais um elenco de declarações meramente precipitadas? Um mecanismo com o objetivo de saciar interesses (ainda) desconhecidos? Continuar em evidência no cenário político?
O fato é que algumas declarações podem trazer problemas a Dirceu. Heloísa Helena, que não costuma deixar nada passar em brancas nuvens, já anunciou que processará seu acusador. Motivo: Dirceu disse que, por motivos “impublicáveis”, a então senadora por Alagoas teria votado contra a cassação de Luiz Estevão, primeiro senador cassado na história da República. A ex-senadora, a julgar pela nota divulgada pelo Psol (leia íntegra abaixo), será responsável por mais um processo aberto contra Dirceu na Justiça.
O ex-ministro deve ter esquecido de que da boa relação com Hugo Chávez dependem alguns negócios de seu interesse, uma vez que faz as vezes de “consultor” na América Latina – com clientes como o magnata mexicano Carlos Slim, o homem mais rico do mundo atualmente. Ao mandatário-mor da Venezuela, idólatra do líder revolucionário Simon Bolívar, restou a singela classificação: “louco”, disse Dirceu na entrevista.
Quanto a Lulinha, filho do presidente Lula, Dirceu praticamente o chamou de mentiroso ao dizer que ele “não se importa com a verdade”. Diante da repercussão negativa da (s) declaração (ões), Dirceu alegou que se referia a outra pessoa – embora seja comum ele dispensar tal tratamento a Lulinha, como garantem alguns de seus companheiros. Resultado: fica ainda mais "queimado" com seu companheiro histórico, tendo-lhe atacado o próprio filho.
Ressaca
O arrependimento de Dirceu em relação à polêmica entrevista ficou patente depois de ele ter pedido desculpas públicas, ontem (4), aos petistas do Rio Grande do Sul e ao ex-governador do estado Olívio Dutra. Segundo Dirceu contou à revista, o PT-RS teria usado dinheiro de caixa dois para construir a sede do partido na capital Porto Alegre. Quanto a Olívio, acusou-o de reclamar excessivamente do (extinto) Campo Majoritário do PT, então comandado por Dirceu, dizendo que, paradoxalmente, o ex-governador se beneficiava da corrente quando o PT-RS foi acusado de praticar caixa dois.
Resultado: em entrevista transmitida ontem (4) de manhã pela rádio Gaúcha, pediu desculpas aos “companheiros” gaúchos, e disse que telefonou para Olívio Dutra para explicar o mal-entendido. “Quero pedir desculpas aos petistas do Rio Grande do Sul pelo transtornou que eu causei”, disse Dirceu à rádio.
Resta saber se os militantes gaúchos e Olívio Dutra – além dos outros alvos de Dirceu na entrevista mais polêmica do verão até agora – aceitarão os pedidos de desculpa, na hipótese de que estes venham a ser estendidos aos demais. Impedido de se candidatar a cargo eletivo até 2015 (a Câmara cassou, em 30 de novembro de 2005, seu mandato de deputado federal, imputando-lhe a pena de oito anos de “gancho” político, que começaram a ser contabilizados em 1º de fevereiro do ano passado), Dirceu pode ter seu já combalido prestígio político ainda mais prejudicado. Caso isso aconteça, ele não deve se abater. Resta-lhe o bilionário negócio da “consultoria” sul-americana… (Fábio Góis)
Leia a íntegra da nota do Psol:
"A entrevista de José Dirceu à revista Piauí é a última expressão do grau de desespero que atinge o ex-todo poderoso porta-voz bajulador do lulismo, hoje abandonado na vala comum dos cúmplices inconvenientes.Sua manifestação contra a presidente nacional do PSOL, a ex-senadora e professora universitária Heloisa Helena, é típica dos renegados que abandonam as posições de progressistas de esquerda, sobre as quais construíram suas vidas políticas, para se transformarem em lobistas do grande capital, nacional e internacional, junto a parceiros que ainda consegue manter na máquina governamental.O PSOL não vai responder no mesmo tom desqualificado da citada entrevista. Não vai reativar suspeitas sobre o comportamento do "guerrilheiro" que nunca fez guerrilha, e que se notabilizou por ter sido o único membro de sua organização, entre todos os que retornaram da clandestinidade, a sobreviver à repressão da ditadura que nos assolou durante duas décadas.Prefere admitir que esteja diante de um caluniador conseqüente, hoje prestador de serviço aos que vivem da exploração do povo brasileiro, ostentando vida de quem recebe polpudas recompensas por tarefas certamente pouco dignas. Ou então, e na melhor das hipóteses, que está diante de um desvairado, em surto psicótico. Que, como tal, merece cuidados terapêuticos urgentes."