Depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou, por seis votos a cinco, a utilização de células-tronco embrionárias in vitro em experimentos científicos com objetivos terapêuticos e de pesquisa, o Congresso em Foco ouviu manifestações a favor e contra a decisão dos magistrados da mais alta corte do país.
Ao fim do "mais importante julgamento da história do STF”, como classificou o ministro Celso de Mello, portadores de necessidades especiais festejaram com entusiasmo a possibilidade de que, a partir da liberação – e o conseqüente avanço – das pesquisas, suas deficiências sejam curadas. Mello foi um dos juízes a proferir voto que derrubou a ação direta de inconstitucionalidade (Adin), ajuizada em 2005 pelo então procurador-geral da República, Claudio Fonteles.
À época, Fonteles, conhecido por sua orientação católica, justificou a ação alegando que “o embrião humano é vida humana” – principal argumento de diversos segmentos religiosos, que defendem a proteção da vida antes de qualquer interesse individual ou social.
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Ao deixar o plenário do STF, Mello foi um dos poucos ministros a falar com a imprensa. Ele exaltou a decisão final do Supremo, “um exercício solidário em defesa da vida”. “O STF demonstrou sensibilidade. Entendo que esse foi um julgamento histórico, em que o tribunal discutiu os limites entre a vida e a morte, questões transcendentes, que interessam à generalidade das pessoas”, ensejou Mello, acrescentando que o Congresso Nacional “agiu com extrema prudência, com muita cautela no tratamento normativo desta matéria”.
Ao Congresso em Foco, a geneticista e pró-reitora de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), Mayana Zats, manifestou sua felicidade. “Nós temos uma enorme responsabilidade pela frente, estou consciente disso”, conteve-se a pesquisadora, não esquecendo de agradecer a “aos parlamentares, aos pacientes, a inúmeros amigos de Brasília que acreditaram nessa causa, às academias de ciência e saúde, e a vocês da mídia, que nos deram um apoio enorme”. “Agora é conosco”, acrescentou Mayana, referindo-se à comunidade científica.
Já o coordenador nacional do Movimento Brasil sem Aborto, Jaime Ferreira Lopes, lamentou a decisão dos juízes, mas ressaltou que ela deve ser respeitada. “Em uma democracia, não há o que discutir numa decisão da Suprema Corte. A decisão está tomada, ainda que contrarie os nossos princípios”, resignou-se Jaime, dizendo que continuará na “defesa da vida desde a fecundação”.
“Em nossa concepção, nos embriões existe vida. Portanto, a pesquisa com células-tronco embrionárias constitui uma violação da vida”, concluiu, lembrando que nenhuma clínica de reprodução garante a inutilidade de embriões congelados.
Cura da estátua
Aos gritos e gestos de vitória, um grupo da Associação dos Deficientes do Gama e Entrono (ADGE) posava para fotojornalistas ao lado de Zats e outras pesquisadoras em frente à estátua da Justiça, na Praça dos Três Poderes. De repente, o cadeirante Francisco Paulo de Menezes, 42, proferiu a seguinte pérola, para risos gerais. “Agora, vamos curar até a estátua, que está cega!”, gritou, para depois confidenciar à reportagem. “Às vezes ela é cega e surda…”
“É com imensa felicidade e satisfação que a gente tem o último voto a consolidar o avanço tecnológico. Muita gente sente muita dor. Isso é questão de curar pessoas que hoje não enxergam, muitas não ouvem, e as [pesquisas com] células-tronco vêm trazer essa esperança de que as pessoas voltem a enxergar, voltem a escutar, até a andar, como é meu caso”, comemorou Francisco.
Mãe de uma menina assistida pela Associação Brasileira de Distrofia Muscular (Abidin), a dona-de-casa Angelita Zulmira, 40, mal conseguia conter a alegria. À reportagem, ela disse que agora a ciência poderia ajudar a sua filha a andar. “É uma vitória muito grande, foi uma luta que nós tivemos”, festejou Angelita, informando que há três anos está em romaria em defesa das pesquisas. “Agora, espero que os cientistas trabalhem, com muita fé em Deus, para que eu possa ver a cura da minha filha e de muitos pacientes. Tenho fé em Deus que nós vamos ver [a cura].”
Nos últimos instantes do julgamento, Celso de Mello recorreu a lirismo para, em seu voto, louvar a liberdade da atividade científica neste caso. “Esse memorável julgamento representa a aurora de um novo tempo, impregnado de esperança para aqueles abatidos pela angústia da doença.” (Fábio Góis)