Teve toques de ópera-bufa política o primeiro – e único – discurso em que Demóstenes Torres, no Plenário do Senado, tentou explicar sua relação com Carlinhos Cachoeira. Acompanhada de gestual a conotar firmeza de caráter, a prosódia era aplicada pelo senador com desenvoltura teatral – o pronunciamento, com o desenrolar dos fatos, revelar-se-ia pura retórica. Apartes surgiam de 44 senadores de todos os matizes partidários, irmanados em entusiástico tom de solidariedade e desagravo ao colega de instituição. Naquele dia, 6 de março, o painel eletrônico do palco das decisões da Alta Casa registrou a presença de 72 dos 81 senadores em exercício. Ao todo, a sessão de solidariedade durou cerca de 1h40 minutos.
O outrora implacável senador Demóstenes
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“Minha vida sempre foi um livro aberto, e continuará sendo”, garantiu Demóstenes, que utilizou a tribuna por 8 minutos e 22 segundos para fazer a defesa. Senadores imediatamente se mostraram seduzidos pela cantilena do parlamentar goiano, diante de um discurso ensaiado e bem redigido em conjunto com seu departamento jurídico. Como não raro acontece no Senado – quando um dos seus tem destaque negativo na imprensa e se diz injustiçado ou caluniado, acorrendo ao calor humano do plenário –, verificou-se uma enxurrada de palavras amigas ao colega. Quando Demóstenes já recolhia seus papéis e se preparava para descer do púlpito, Eduardo Suplicy (PT-SP) pediu a palavra, prontamente concedida.
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Confira aqui o discurso de Demóstenes e os primeiros apartes de apoio:
Assista à segunda parte dos discursos de apoio:
Confira a terceira parte das declarações de solidariedade a Demóstenes:
“Nós dois fomos forjados na luta contra a criminalidade”, discursou Pedro Taques (PDT-MT), que compartilha com Demóstenes a origem profissional do Ministério Público. Houve quem fizesse analogia a Vinicius de Moraes em “Se todos fossem iguais a você”. “Quem dera, senador Demóstenes Torres, todos os políticos fossem iguais a Vossa Excelência”, poetizou Mário Couto (PSDB-PA), que também costuma defender a ética no Senado, mesmo às voltas com investigações no Ministério Público do Pará.
Já o senador Lobão Filho (PMDB-MA) chegou a ler a íntegra de uma nota assinada pelo jornalista Cláudio Humberto, intitulada “Conversas de senador não têm indício de crime”, cujo teor justificaria a defesa de Demóstenes feita em plenário. “A Procuradoria Geral da República não recebeu representação, ofício ou denúncia contra o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), cujas conversas com Carlos Cachoeira foram gravadas pela Polícia Federal durante o ano de 2011. Isso quer dizer que não foi encontrado, em quase trezentos telefonemas, qualquer indício de ato ilícito, do contrário, a investigação teria sido transferida para o Supremo Tribunal Federal”, diz a nota lida por Lobão, quando o senador reafirmou sua confiança na “moral inatacável” do colega.
Depois de revelada a teia de negócios entre Demóstenes e Cachoeira, o bicheiro preso pela Polícia Federal, diversos senadores passaram a se dizer surpresos e decepcionados com o colega, antes tido como uma espécie de reserva moral da oposição no Congresso – como assim classificou, aliás, Flexa Ribeiro (PSDB-PA) em um dos apartes. “Como é que ficam agora os senadores, inclusive do PT, que se solidarizaram ao Demóstenes? Peçam desculpas ao Brasil”, fustigou pelo Twitter o advogado e ex-deputado federal petista Luiz Eduardo Greenhalgh, resumindo o tom de constrangimento que passou a acometer os agora ex-defensores de Demóstenes. Afinal, transcorreu-se mais de uma hora e meia de revezamento em discursos de apoio a Demóstenes, que agora enfrenta processo por quebra de decoro no Conselho de Ética do Senado e, de quebra, é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal.
Curiosamente, nem o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), que capitaneou a sessão de desagravo, nem o líder do PMDB, Renan Calheiros (AL), pronunciaram qualquer palavra de apoio a Demóstenes. Nas crises que quase lhes custaram o mandato, os dois peemedebistas tiveram em Demóstenes um de seus principais opositores.