Em pouco mais de um mês, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federa (STF), determinou, a cada dois dias, a soltura de um investigado em operações decorrentes da Lava Jato. De 15 de maio a 25 de junho, Gilmar atendeu a 23 pedidos de liberdade a suspeitos presos pela Polícia Federal por solicitação do Ministério Público e determinação da Justiça. Duas pessoas foram libertadas duas vezes. Entre elas, o ex-diretor da Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa) Paulo Vieira de Souza, apontado como operador de propinas do PSDB pelo grupo de trabalho da Lava Jato em São Paulo. Ao libertar os investigados, o ministro estabeleceu medidas cautelares, como a proibição de manter contato com outros investigados e de sair do país, com a apreensão dos passaportes.
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Entre 15 de maio e 4 de junho, Gilmar concedeu habeas corpus a 19 pessoas que haviam sido presas em desdobramentos da Lava Jato. Todas as prisões haviam sido autorizadas pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro. À época, o juiz afirmou, em ofício encaminhado ao STF, que “casos de corrupção e delitos relacionados não podem ser tratados como crimes menores, pois a gravidade de ilícitos penais não deve ser medida apenas sob o enfoque da violência física imediata”.
Nessa segunda-feira (25), após audiência com investigados na Operação Unfair Play, derivada da Lava Jato, Bretas disse que não se sente frustrado pelas decisões do ministro. “Eu não me sinto frustrado. Me sinto feliz, porque o Judiciário está funcionando. Não tenho o que reclamar. É uma questão de hierarquia”, disse.
Rizoma
Entre os liberados em junho está o empresário Arthur Pinheiro Machado. Investigado na Operação Rizoma, que apura esquemas em fundos de pensão, Machado ganhou liberdade pela segunda vez em 7 de junho. Ele já tinha uma decisão favorável de 23 de maio.
Além de Arthur Machado, outras cinco pessoas investigadas pela Operação Rizoma foram beneficiadas por habeas corpus concedidos por Gilmar. O primeiro foi Milton Lyra, em 15 de maio. Lyra é apontado como operador de propinas do núcleo do MDB do Senado.
Três dias depois, em 18 de maio, Gilmar liberou Marcelo Sereno, Adeilson Ribeiro Telles, Carlos Alberto Valadares Pereira e Ricardo Siqueira Martins.
Pão Nosso
Na investigação sobre irregularidades no sistema penitenciário do Rio de Janeiro, Gilmar concedeu seis pedidos de liberdade no espaço de uma semana.
A operação, deflagrada em março, apura irregularidades em contratos da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio (Seap). Os investigados são acusados de corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.
O primeiro a ganhar habeas corpus foi o delegado Marcelo Luiz Santos Martins, em 21 de maio. Em seguida, no dia 23, o ministro libertou o advogado e ex-secretário adjunto de Tratamento Penitenciário Marcos Vinícius da Silva Lips. O empresário Sandro Alex Lahmann e Carlos Mateus Martins, pai do delegado Marcelo Martins, foram soltos no dia 24. Por fim, o ex-diretor da Seap, Cesar Rubens Monteiro de Carvalho, foi solto em 28 de maio.
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Fraudes
Outros três suspeitos soltos por Gilmar são acusados de envolvimento em fraudes em contratos do governo do Rio. Hudson Braga e Carlos Miranda, respectivamente ex-secretário de Obras e o homem apontado como operador financeiro do ex-governador Sérgio Cabral, foram liberados por determinação do ministro no dia 23 de maio.
Preso na Operação Jabuti, o ex-presidente da Federação do Comércio do Rio de Janeiro (Fecomercio-RJ) Orlando Diniz foi solto em 1ª de junho. Diniz estava preso desde fevereiro e foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF), em março, por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. O MPF alega que Diniz foi responsável por desviar pelo menos R$ 10 milhões dos cofres públicos.
Câmbio, desligo
Apenas da operação “Câmbio, desligo”, Gilmar libertou seis pessoas entre os dias 5 e 25 de junho. O último deles, o corretor de valores Marcelo Rzezinski, foi liberado ontem, em decisão da última sexta-feira (22).
A “Câmbio, desligo” investiga uma rede de doleiros acusados de atuar a mando do ex-governador fluminense Sérgio Cabral. O MPF apresentou denúncia contra 62 pessoas sob acusações de lavagem de dinheiro e envio de recursos ao exterior, movimentação financeira fruto do esquema de corrupção encabeçado por Cabral no governo do Rio.
Antes de Rzezinski, Gilmar concedeu liberdade a Rony Hamoui, Paulo Sérgio Vaz de Arruda, Athos Roberto Albernaz Cordeiro e Oswaldo Prado Sanches em 4 de junho. No dia seguinte, o irmão de Athos, Antônio Claudio Albernaz Cordeiro também foi solto.
Paulo Vieira de Souza
Além de Arthur Pinheiro Machado, outra pessoa libertada duas vezes por Gilmar foi o ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza. Apontado como operador de propinas do PSDB pelo grupo de trabalho da Lava Jato em São Paulo, o engenheiro ganhou liberdade pelas mãos de Gilmar no fim do mês passado.
Paulo Vieira foi preso pela primeira vez em 6 de abril, por ordem da Justiça Federal em São Paulo, acusado de participar de um esquema de desvio de recursos nas obras do trecho Sul do Rodoanel, entre 2009 e 2011. Ele ficou preso até 11 de maio, quando o ministro determinou sua soltura.
Poucas horas após ser preso pela segunda vez, em 30 de maio, Gilmar acolheu pedido de habeas corpus apresentado pela defesa do ex-diretor da Dersa. A soltura foi estendida a Tatiane Cremonini, filha do ex-executivo. Paulo Vieira havia sido preso novamente após ser acusado pelo Ministério Público de representar risco às investigações por ameaçar testemunhas.
Segundo as investigações, o esquema do qual o ex-diretor da Dersa fazia parte movimentou cerca de R$ 113 milhões em contas na Suíça.
Gilmar Mendes é um crítico das prisões preventivas. Segundo ele, o expediente virou regra e, muitas vezes, é usado como “tortura” para forçar delações premiadas. “Como se abusa da prisão cautelar e da prisão preventiva. Prisão preventiva precisa ser necessária, adequada e proporcional”, disse ao analisar habeas corpus pedido pelo ex-ministro Antonio Palocci em abril.
Agora, ao liberar Paulo Vieira pela segunda vez, Gilmar afirmou que a nova prisão do engenheiro era produto do “inconformismo” do juiz em razão do habeas corpus concedido anteriormente por ele. “No caso concreto, está patente que o novo decreto de prisão revela inconformismo com a ordem de habeas corpus anteriormente deferida por este tribunal. Na decisão que deferiu a medida liminar […] demonstrei que os fundamentos da prisão preventiva então decretada eram claramente despropositados”, escreveu o ministro na decisão.
O ministro minimizou os argumentos levados em conta pelo juiz para levar Paulo Vieira novamente à prisão. “O magistrado de origem justifica a nova prisão aduzindo que a defesa do paciente teria exercido influência no depoimento das testemunhas de acusação. Para tanto, aponta tão somente a presença da advogada da empresa Dersa na referida audiência. Contudo, não há fatos concretos a justificar o novo decreto cautelar. A restrição da liberdade de um indivíduo não pode sofrer restrições amparada em hipóteses ou conjecturas”, escreveu.
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