Uma postagem compartilhada pelo Partido da Causa Operária (PCO) em suas redes sociais, na última sexta-feira (19), tem dado o que falar. Na montagem, ilustrada pelo ex-presidente Lula (PT), o partido defende a revogação da Lei da Ficha Limpa como uma forma de garantir o “direito da população a escolher seus próprios candidatos”. O fim da legislação favoreceria a candidatura do petista à Presidência da República neste ano, ameaçada por uma possível condenação em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). É a primeira vez que um partido faz publicamente esse tipo de defesa. Nem o PT, de Lula, fez tal crítica à lei.
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Na página do PCO no Facebook, a foto já teve mais de 18 mil compartilhamentos e 14 mil reações. A maioria dos comentários, no entanto, é de reprovação, perplexidade e até mesmo escárnio. Ainda assim, as críticas não abatem a direção nacional da legenda. Para o presidente nacional do PCO, Rui Costa Pimenta, a maior parte das manifestações contra o fim da Ficha Limpa vem de setores da sociedade que apoiam os ideais da direita brasileira.
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“Eu queria chamar a atenção para o seguinte: a maior parte dos comentários negativos são de elementos de direita. Isso ajuda a caracterizar também o sentido político da lei. Quer dizer, quem é que defende? Quem é que tem interesse nela?”, questionou.
Rui Costa reiterou ao Congresso em Foco que “desde o primeiro momento”, o PCO foi contra a sanção da Lei da Ficha Limpa por dois motivos. O primeiro, que, segundo ele, seria uma questão de princípio geral, é que em uma democracia eleitoral cabe ao povo decidir quem são os bons candidatos, e não aos juízes. “Os juízes, ao impugnarem candidatos antes deles serem submetidos ao escrutínio popular, agem como uma espécie de colégio eleitoral, suprimem a candidatura de determinadas pessoas. Isso é absurdo, porque se o fundamento de um regime baseado na eleição é o voto popular, então quem tem que decidir é o voto popular. O voto popular não pode ter um tutor”, argumentou.
O segundo motivo, em sua avaliação, seria o uso da Lei da Ficha Limpa como “um instrumento de manipulação das eleições pelas forças direitistas contra a esquerda”.
“Curiosamente, a nossa tese se comprovou de uma maneira bastante impactante, que é a questão do próprio Lula. Agora, nós temos uma situação que é assim: o candidato mais popular do país pode vir a não concorrer às eleições porque alguns juízes decretaram que ele não é um candidato adequado para ser votado, embora quase metade da população queira votar nele. É por isso que não deveria haver Lei da Ficha Limpa. Se o pessoal quer votar no Lula, vota no Lula. Eles têm que votar em quem quiserem”, afirmou Rui Costa, que disputou as eleições presidenciais pelo partido, criado por dissidentes mais à esquerda do PT.
Direita x esquerda
Apesar das declarações do presidente do PCO, o ranking de partidos com o maior número de políticos barrados pela Lei da Ficha Limpa em disputas eleitorais é bastante variado. Nas eleições municipais de 2016, foram as legendas tradicionalmente de centro-direita que tomaram os holofotes. A partir de registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Congresso em Foco mostrou que, do total de 2.329 candidaturas indeferidas pela Justiça Eleitoral naquele ano com base na Ficha Limpa, 306 eram do PMDB, o equivalente a 11,1% do total. Em segundo lugar aparecia o PSDB – 209 tucanos foram considerados inelegíveis.
Já em 2014 ficaram na dianteira o PT e o PSB, com 20 candidatos considerados “ficha suja” cada. Em seguida, o PP, com 18 concorrentes que tiveram suas candidaturas negadas em razão de condenações por órgão colegiado ou por rejeição de contas referentes a outros cargos públicos. Os dados são de um levantamento feito pelo Congresso em Foco com base em informações dos tribunais regionais eleitorais (TREs).
O caso Lula
O presidente nacional do PCO destacou ainda que a Ficha Limpa, além de ser “antidemocrática”, não livra o Congresso Nacional da corrupção, o que é evidenciado pelos inúmeros escândalos de corrupção que foram descobertos já sob a vigência da lei. “Se esse Congresso Nacional é o resultado de uma depuração, eu tenho até medo de pensar como é que seria um Congresso Nacional que não tivesse depuração. A Ficha Limpa não cria depuração, ela simplesmente impede que a população vote em quem ela quer, e o caso do Lula é muito marcante”, considerou.
Vale lembrar que foi o próprio Lula, enquanto presidente da República, que sancionou a Lei da Ficha Limpa em junho de 2010, no último ano de seu segundo mandato. “O próprio PT e o Lula estão aprendendo muita coisa com o processo que vem já há quase dois anos de golpe de Estado”, disse Rui Costa Pimenta. “O pessoal ingenuamente apoiou essas leis, em nome do combate contra à corrupção. Agora, o combate contra a corrupção virou um combate contra a esquerda nacional”, acrescentou ele.
Entre os políticos que já tiveram problemas com a lei, estão figuras conhecidas da centro-direita brasileira. É o caso, por exemplo, dos ex-governadores do Distrito Federal Joaquim Roriz e José Roberto Arruda – que tiveram de renunciar à candidatura após serem barrados com base na lei. O hoje deputado presidiário Paulo Maluf (PP-SP) também chegou a ter sua eleição negada, em 2014, por ter condenação em órgão colegiado. Seus votos ficaram sub judice. Mas ele conseguiu a liberação na Justiça meses depois. O senador Jader Barbalho (MDB-PA) só tomou posse um ano após a eleição em que saiu como o mais votado do Pará. Ele só assumiu no Senado depois que o Supremo concluiu que a norma não valeu para a disputa de 2010, apenas em 2012.
Questão de intolerância
Em entrevista ao Congresso em Foco, o ex-juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da Ficha Limpa, classificou a posição do PCO como “uma manifestação de intolerância e autoritarismo”.
“Revela um pleno desrespeito até pela forma como a lei foi conquistada, e pelas pessoas que se mobilizaram no Brasil inteiro por essa conquista, por um projeto de Brasil. Não faz sentido repensar uma ideia revestida de tamanha legitimidade apenas em benefício do proveito político específico buscado por um determinado partido. Se há alguma crença de injustiça, ela deve ser dirigida à Justiça Criminal, não à Lei da Ficha Limpa, que não tem nada a ver com isso”, disse.
Para ele, a lei chama atenção para a necessidade de mudança de comportamento na política, não podendo se dobrar a conveniências individuais ou partidárias.
“Mesmo com a Lei da Ficha Limpa, não há garantia de que pessoas desonestas não consigam se candidatar. Não há garantia, a Lei da Ficha Limpa não consegue fazer isso. O que ela faz é apenas retirar aqueles casos mais graves. Eu uso uma metáfora nas minhas palestras: ‘a Lei da Ficha Limpa é uma peneira que retira o cascalho grosso’. Não quer dizer que resolva todos os males, mas pelo menos aqueles mais grosseiros, mais evidentes, ela atinge”, justificou o advogado.
Iniciativa popular
A Ficha Limpa foi criada a partir de um projeto de lei de iniciativa popular idealizado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que reuniu 1,6 milhão de assinaturas. A proposta enfrentou resistência do Congresso, inicialmente, mas acabou aprovada sob forte pressão popular em maio de 2010, em votação unânime. Duas semanas depois passou pelo Senado da mesma forma.
A lei, sancionada pelo então presidente Lula em junho daquele ano, tornou inelegível por oito anos o candidato que tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão de órgão colegiado, mesmo que ainda exista a possibilidade de recursos. É nesse último quesito que o ex-presidente pode ser enquadrado. A legislação, porém, permite que os candidatos recorram à Justiça para tentar derrubar a condenação ou questionar, na Justiça eleitoral, algum aspecto do indeferimento da candidatura para reverter a decisão.
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