Luiza Erundina *
As jornadas de junho de 2013 que levaram às ruas e praças do país centenas de milhares de brasileiros e brasileiras apontaram, em faixas e cartazes, demandas difusas que ecoaram nas palavras de ordem gritadas repetida e estrondosamente para chegar aos ouvidos de quem pretendiam atingir.
Certamente todos se lembram dos refrões: “Você não me representa”; “Queremos participar”; “Exigimos nossos direitos – transporte, saúde e educação de qualidade”; “Não à corrupção, ética na política”.
Eram recados diretos e claros dirigidos aos Poderes da República e a todas as nossas instituições políticas. Quem os escutou e como reagiram a eles?
Sob o impacto do susto, o governo tratou de engendrar algumas poucas e improvisadas medidas, anunciadas em rede de televisão num pronunciamento da presidente Dilma Rousseff, na tentativa desesperada de dar uma resposta ao clamor das ruas.
O Congresso Nacional, por sua vez, num furor legiferante jamais visto, desengavetou projetos que dormiam, havia anos, nas gavetas do Legislativo, e os colocou em tramitação em reação às críticas e cobranças contundentes que vieram das ruas.
Quase dois anos já se foram e quase nada se efetivou das medidas anunciadas e promessas feitas pelos representantes dos dois Poderes, inclusive durante a campanha eleitoral de 2014.
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Como estranhar, então, a explosão das manifestações de 15 de março de 2015, gestadas no ambiente de frustração pelas expectativas não atendidas, que levou uma multidão novamente às ruas, expressando indignação e revolta pelo descaso como se sente tratada pelos poderes constituídos, que não tiveram capacidade nem vontade política para encaminhar as ações que prometeram no calor da peleja e no sobressalto do susto que tomaram?
Se esperavam que tudo voltaria ao normal e as ruas ficariam vazias outra vez, se enganaram. As manifestações de 15 de março foram mais fortes e com maior furor, expresso nos gritos de “Fora Dilma” e na agressividade das palavras de ordem.
Independentemente do número de participantes – um milhão, ou mais ou menos que isso – as manifestações foram, realmente, impressionantes e não devem ser subestimadas.
Os protestos, embora se dizendo apartidários, tinham como foco a presidente Dilma e seu partido — o PT —, as críticas eram ofensivas e antidemocráticas, mas, nada disso, nem mesmo o empenho engajado dos meios de comunicação em defendê-las, tira das manifestações sua legitimidade e seu significado como exercício de liberdade de expressão.
O segundo governo Dilma se inicia em meio a dificuldades incomuns na inauguração de um mandato presidencial, e seria um erro lamentável creditá-las, exclusivamente, ao reacionarismo de amplos segmentos da sociedade brasileira, tendo a elite à sua frente.
Isolados, a presidente e seu partido distanciaram-se do contato com o povo e adotaram a tese conservadora e equivocada de que é preciso deter o crescimento econômico, num momento em que o país não cresce. Além disso, impuseram arrocho e sacrifício aos assalariados, mantendo intocados os privilégios dos rentistas.
Essa opção cobra seu preço, erodindo a base de apoio da presidente na sociedade.
O cenário se completa com um ministério inexpressivo, integrado por remanescentes de velhas oligarquias e prepostos do capital financeiro, sob a justificativa de uma pretensa governabilidade, e com a deplorável formação de um cartel político-empresarial no seio da maior empresa do país e uma das maiores do mundo no setor de petróleo.
O preocupante é que, nesse ambiente, crescem as manifestações de desapreço à democracia, inclusive pelos que gritam “palavras de ordem” nas ruas.
Parte da oposição conservadora se mantém mobilizada como se estivesse no “terceiro turno” das eleições. Há até quem ouse pensar em golpe.
Atentemos, todos, para o fato de que o Estado democrático de direito é uma inestimável conquista do povo brasileiro; é um bem supremo que devemos defender e preservar a todo custo. Graças a ele é que, hoje, somos livres para nos manifestar e, até mesmo, nos insurgirmos contra a própria democracia.
Assim, criticar, cobrar, protestar pacificamente é um direito de todos. De outro lado, é dever da presidente estar atenta às vozes que vêm das ruas e abrir-se ao diálogo franco e construtivo com quem se dispuser a ajudar a edificar o país em outras bases e fundamentos éticos, capazes de sustentar uma nação justa e soberana onde todos e todas tenham assegurados o pleno exercício de sua cidadania.
Senhora presidente Dilma, é preciso agir imediatamente e aderir clara e prontamente ao partido da maioria, que são os trabalhadores e trabalhadoras, os aposentados, as donas de casa…, enfim, o povo sofrido que a elegeu e que espera que suas conquistas sejam preservadas e seus direitos assegurados.
É preciso ter lado na vida e na política. E o seu, presidente, é o mesmo que a senhora escolheu, quando, ainda muito jovem, se juntou a tantos outros brasileiros e brasileiras para lutar, brava e generosamente, contra a ditadura civil-militar e pelas liberdades democráticas no Brasil.
Conte conosco, presidente Dilma, nessa difícil travessia e no cumprimento da inadiável tarefa de reconquistar a confiança e o apoio popular para governar o nosso país para todos!
* Luiza Erundina (PSB-SP), ex-prefeita de São Paulo, é deputada federal e 3ª suplente da Mesa Diretora da Câmara.
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