O já apimentado caldeirão da reforma política, no qual borbulham temas controversos como a fidelidade partidária, o voto em lista partidária e o financiamento público de campanha, acaba de ganhar mais um tempero de polêmica: o fim das eleições de dois em dois anos.
Duas propostas de emenda constitucional (PEC) recém-apresentadas na Câmara e no Senado cancelam as eleições municipais de 2008 e prorrogam os mandatos dos atuais prefeitos e vereadores por dois anos para que o país tenha eleições coincidentes a partir de 2010.
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Com a mudança, o eleitor brasileiro só voltaria às urnas daqui a três anos e meio para escolher, de uma só vez, presidente, governador, prefeito, vereador, deputado estadual, deputado federal e senador.
A unificação do processo eleitoral é vista com bons olhos por alguns líderes partidários, mas a prorrogação dos mandatos dos eleitos em 2004 enfrenta grande resistência dos parlamentares. Boa ou não, a medida contraria, de cara, o interesse dos congressistas que pretendem se candidatar a prefeito no próximo ano.
De olho nas prefeituras
Nas últimas eleições municipais, 85 dos 513 deputados concorreram ao cargo de prefeito. Desses, no entanto, apenas 18 conseguiram se eleger. No Senado, dois dos sete candidatos daquelas eleições saíram vencedores das urnas. Mas, na prática, ninguém saiu perdendo, já que, além de ganharem visibilidade no horário eleitoral gratuito, todos mantiveram sem prejuízos os seus mandatos no Congresso.
Um dos deputados que disputaram as eleições de 2004, o atual líder do Democratas (ex-PFL), Onyx Lorenzoni (RS), classifica a PEC 6/07, do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), como uma “viagem”. “Não se muda a regra do jogo com ele acontecendo. Tenho profundo respeito pelo deputado Flávio Dino, mas isso é uma invenção”, disse Onyx, que concorreu à prefeitura de Porto Alegre.
Pior dos mundos
“Essa proposta não vai nos levar ao paraíso”, admite Dino. “Mas o pior dos mundos é o que temos hoje, com eleições descasadas no tempo e politicamente”, rebate o autor da proposta. Para ele, as “eleições de ponta a ponta” causariam pelo menos três efeitos imediatos: a redução dos custos de campanha, o fim da paralisia legislativa a cada dois anos e a verticalização “natural” das correntes partidárias.
“O atual calendário é irracional, compromete a agenda legislativa e dificulta uma ação mais profissionalizada no serviço público”, avalia.
Levando em consideração o crescimento das despesas a cada eleição, Dino estima que o país deixará de gastar, só em 2008, R$ 1 bilhão, entre despesas de campanha e da Justiça eleitoral, caso a PEC seja aprovada. A mudança, segundo ele, também evitaria que os parlamentares paralisassem o Congresso no meio do mandato por se envolverem diretamente com a campanha eleitoral de prefeitos e vereadores, seus principais cabos eleitorais.
O argumento econômico também é levantado pelo senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO), autor da PEC 28/07, que também prevê o adiamento das eleições municipais. “É dever do Congresso Nacional atentar para a falta de economicidade desta prática e procurar, de uma vez por todas, estancar essa saída inútil de recursos do povo”, afirma ele na justifica de sua proposta.
O líder do PR na Câmara, Luciano Castro (RR), também defende o encaminhamento da proposta. “Primeiro, porque barateia as eleições. Segundo, por ser mais fácil para o eleitor, que se identifica mais com as opções políticas de todos os candidatos, desde o vereador ao presidente da República.”
Custo da democracia
Mas a tese da economia é questionada por outros líderes partidários e cientistas políticos. “Economizar suprimindo eleições é como ter paz nos cemitérios”, ironiza o líder do PSDB, deputado Antônio Carlos Pannunzzio (SP), que também critica a prorrogação dos mandatos dos eleitos em 2004. “Prorrogar mandato é sempre um drama, começa a ter aparência de casuísmo.”
“Os valores democráticos são mais fortes que os econômicos”, diz o líder do PPS na Câmara, Fernando Coruja (SC), ao ressaltar que a eleição municipal teria uma lógica diferenciada das eleições estaduais e para presidente.
“A economia de R$ 1 bilhão numa eleição pode ser corrompida por meia dúzia de prefeitos só com a prorrogação dos mandatos”, afirma o professor José Rodrigues Filho, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). “O povo precisa exercitar a democracia e calcular o custo dessa democracia”, completa.
O cientista político Alexandre Barros não vê vantagens no casamento das eleições. Na opinião dele, a ida do eleitor a cada dois anos às urnas é um exercício de cidadania e tem um caráter pedagógico. “Isso é um golpe. Não há razão técnica ou política para haver eleições coincidentes. Toda vez que se fala nisso alguém tenta pegar carona. Agora é com a prorrogação dos mandatos dos prefeitos. É antidemocrático”, acredita o professor do Centro Universitário Unieuro, de Brasília.
Mudanças, só no futuro
Para o líder do PT na Câmara, Luiz Sérgio (RJ), a prorrogação dos mandatos dos atuais prefeitos e vereadores está descartada, mas há chance de a unificação das eleições prosperar. Porém, observa ele, de outra forma: “Ou se aumenta o mandato nas próximas eleições ou se elegem mandatários para mandatos tampão [por dois anos]”.
Flávio Dino diz também ter pensando nos dois cenários traçados pelo petista ao elaborar sua proposição, mas alega ter encontrado inconveniências tanto em um quanto em outro modelo.
“Promover eleição para um mandato de dois anos é caro e desestimulante para o eleitor e o candidato. No caso de adiarmos a unificação para 2014, o problema seria inverso: tende a haver uma elevação dos custos de campanha na medida em que os candidatos saberão de antemão que estão disputando um mandato de seis anos.”
Os argumentos dos prefeitos
O presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, diz que a entidade não encampará a defesa da prorrogação dos mandatos dos atuais prefeitos e vereadores para não ser acusada de casuísmo. “Nós não defendemos prorrogação, mas apenas a coincidência de mandatos, que é uma necessidade. Não queremos casuísmo”, afirma.
Segundo ele, há dois motivos fundamentais para se apoiar a unificação do processo eleitoral. O primeiro, afirma o prefeito de Mariana Pimentel (RS), é que as eleições de dois em dois anos engessam a administração municipal e sobrecarregam o orçamento dos pequenos municípios.
“Ainda estamos levantando os gastos municipais com o processo eleitoral. Mas os prefeitos são constrangidos, muitas vezes, pelos promotores e pelos juízes a cederem funcionários para a Justiça Eleitoral a cada dois anos, por conta das eleições”, conta.
O outro motivo, aponta Ziulkoski, seria a maior possibilidade de haver uma harmonização administrativa entre os entes federativos. “Os orçamentos da União, dos estados e dos municípios não se falam. Como só 15% dos recursos vão para os municípios, somos atingidos por um verdadeiro Boeing toda que vez que há mudança de governador e prefeito”, reclama.
Apesar de se manifestar contra a prorrogação dos mandatos municipais, o líder do PSB na Câmara, Márcio França (SP), admite que a falta de sintonia entre o calendário eleitoral e o administrativo traz prejuízos ao país. “Eleição de dois em dois anos quebra o ritmo dos mandatos. Acaba uma eleição estadual e federal, e já começa a se pensar nas eleições municipais. O calendário eleitoral come o calendário administrativo”, avalia.
Para o deputado Ciro Gomes (PSB-CE), o Congresso deve centrar fogo nos principais tópicos da reforma política em vez de se ater a esse tipo de discussão. “Acho que esse assunto não está na urgência do país e do povo brasileiro. Não acho razoável transformá-lo em debate nacional”, diz o deputado.
Chances reduzidas
Segundo o cientista político Paulo Kramer, professor da Universidade de Brasília (UnB), o interesse dos prefeitos em unificar o calendário eleitoral é antigo, mas arrefeceu após a aprovação da emenda da reeleição, em 1997. Ressaltando que não tem opinião formada sobre o assunto, Kramer vê poucas chances de a proposta avançar no Parlamento.
“A tendência, sobretudo dos deputados, é de não concordar com a coincidência dos mandatos por pensarem que os candidatos a prefeito e vereador vão pensar muito mais em suas próprias eleições do que na deles [parlamentares]”, observa.
Esta não é a primeira vez que parlamentares propõem a unificação do processo eleitoral. Desde 2004, está pronta para ser votada no Plenário da Câmara uma PEC (3/99) de autoria do ex-senador Paulo Octávio (DEM-DF) que prevê que os mandatos de prefeitos e vereadores terão, excepcionalmente, a duração de seis anos a partir da promulgação da proposta para que coincidam com as eleições gerais.
No último dia 4, o deputado Gervásio Lima (DEM-BA) tentou desarquivar, sem sucesso, uma proposta de emenda constitucional de sua autoria apresentada ainda em