Fabíola Góis
Especial para a Revista Congresso em Foco
Nem o argentino Messi, nem o português Cristiano Ronaldo. Nenhum atleta recebeu mais vezes o título de melhor jogador do mundo, dado desde 1991 pela Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa), do que a atacante brasileira Marta. Desde que a premiação feminina foi instituída, em 2001, a alagoana foi a única a levar cinco troféus para casa (de 2006 a 2010). Mas meio século antes de Marta conquistar o planeta com seu talento, um time de 25 pioneiras deu um drible na obscura lei brasileira que proibia as mulheres de praticarem futebol e outras modalidades de contato físico e marcou um golaço contra o preconceito.
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As garotas de Araguari (MG), município do Triângulo Mineiro localizado a 670 km de Belo Horizonte, foram responsáveis pela primeira grande conquista do futebol feminino no Brasil. Só não foram mais adiante porque não resistiram ao contra-ataque da discriminação. Acabaram expulsas de campo por pressão do Estado e da Igreja.
O jogo rasteiro, no entanto, não foi suficiente para apagar a história que elas construíram, quebrando tabus e abrindo novas perspectivas para as mulheres no esporte. As pernas que corriam atrás da bola já não têm hoje a força e a agilidade daqueles tempos. Mas as senhoras, na faixa dos 60 e 70 anos, ainda sonham com o passado. E pensar que tudo começou com uma brincadeira para ajudar um dos colégios mais tradicionais da cidade a tirar suas contas do vermelho. A iniciativa fez tanto sucesso que levou as garotas de Araguari a se apresentarem em dezenas de cidades mineiras, em Goiás e na Bahia. Deram o pontapé para o futebol feminino no país.
Por uma causa
Era 1958. A ideia inicial da diretora era que o time masculino do Araguari Atlético Clube fizesse uma partida beneficente em favor do grupo escolar Visconde de Ouro Preto. Diretor do clube, Ney Montes deu uma sugestão original: promover uma partida apenas entre garotas. Divididas em duas equipes, o Araguari e o Fluminense, as jovens entravam em campo com a missão de salvar a escola municipal Visconde de Ouro Preto. No ano em que o Brasil conquistava sua primeira Copa do Mundo, garotas de classe média da pacata cidade mineira guardaram os sapatos e os vestidos bem comportados. Partiram para as camisetas, chuteiras e calções.
Não só conseguiram salvar o caixa escolar, mas também movimentar as rodas de conversa da região. O estádio lotava durante as partidas. A notícia voou até a vizinha Uberlândia, que logo convidou o time para um jogo. Principal revista do país naquela época, O Cruzeiro foi conhecer as primeiras mulheres do futebol brasileiro, publicou reportagem e deu projeção nacional às “mocinhas” de Araguari. “’Glamour usa chuteiras’”, estampou a revista. Viraram celebridades. Chegaram a desfilar em carro de bombeiros em Salvador e Belo Horizonte. Em Minas, o time levou mais gente ao estádio do que o Botafogo de Garrincha, no mesmo em que o “anjo das pernas tortas” e um garoto de 17 anos chamado Pelé assombraram o mundo. Foram até convidadas a jogar no México, país que naquela época já tinha time feminino de futebol.
Cartão vermelho
A jornalista e pesquisadora Tereza Cristina Montes Cunha, filha do organizador do time Ney Montes, foi quem resgatou a história do time de Araguari. Ela conta que a alegria das partidas perdeu espaço para a tristeza quando as garotas foram proibidas de jogar. O sucesso fez os incomodados tirarem do baú um decreto-lei da década de 1940, que proibia mulheres de praticarem modalidades esportivas “incompatíveis” com o seu físico – o futebol era citado como uma delas.
O time feminino não durou dez meses. Ainda recebeu pressão da Igreja Católica, também contrária ao envolvimento de mulheres com a prática desportiva. O decreto instituído na ditadura de Getúlio Vargas só caiu na reta final da ditadura seguinte, em 1979.
No Brasil, a primeira partida de futebol entre moças uniformizadas de que se tem notícia ocorreu em 1913, entre os times de Tremembé e Cantareira (atual bairro de Santana), na Zona Norte paulistana. Mas Tereza explica que o diferencial do time de Araguari é que tinha o caráter de apresentação, com toda a estrutura de uma partida oficial de futebol. Estava ligado à Federação Mineira de Futebol. Por isso, considera-se que o Araguari é pioneiro no futebol feminino. O clube só não foi criado formalmente por causa do decreto-lei de Vargas. “Elas tinham um grande sonho, de serem jogadoras oficiais. Infelizmente foram proibidas. A maioria seguiu jogando outros esportes, como o vôlei e o handebol”, afirma a pesquisadora.
Cinco décadas depois, nem o sucesso individual de Marta colocou as mulheres em igualdade de condições com os homens no futebol. As principais atletas, como a própria atacante da sele- ção brasileira, precisam jogar em clubes do exterior para ganhar dinheiro. Aos 27 anos, Marta joga desde os 18 na Suécia, onde defende atualmente o Tyresö FF. No Brasil, as mulheres não têm sequer um campeonato nacional estável. A realidade nacional é de baixos salários, poucos clu- bes e falta de uma liga profissional.
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