Protestos ou palavras fortes são muito pouco para reagir à decisão, adotada quinta-feira, de elevar em quase 91% os vencimentos dos deputados e senadores, fixando-os em R$ 24,5 mil mensais. Ou seja, mais de US$ 11 mil, ou aquilo que um trabalhador contratado com salário mínimo leva 70 meses para ganhar.
O aumento foi justificado com o argumento de que seria necessário instituir de uma vez por todas a equiparação entre a remuneração dos congressistas e a dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
Sobram razões para rejeitar essa justificativa. A primeira delas, pelo já privilegiado tratamento que os senhores congressistas ostentam. O Senado sequer se dá ao trabalho de divulgar os benefícios que garante aos seus parlamentares. Na Câmara, sabe-se que cada deputado custa, diretamente, para os cofres públicos perto de R$ 100 mil por mês, incluindo apenas os vencimentos, verbas de gabinete, auxílio-moradia e gastos com transporte, correios e publicações (leia mais).
Em segundo lugar, a medida é inconveniente pelos efeitos desastrosos que pode provocar nas contas públicas. Deputados estaduais, que têm a remuneração vinculada à dos parlamentares federais, se apressam a tomar providências para receber os benefícios resultantes da abusiva decisão dos congressistas. É só o começo. O passo seguinte são os reflexos do reajuste nos salários de servidores do Legislativo, além do incentivo ao lobby de outras categorias privilegiadas do funcionalismo que já se organizam para reforçar o contracheque. Somando tudo, essa conta pode acrescentar perto de R$ 2 bilhões por ano nas despesas públicas (leia mais).
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O terceiro aspecto é a óbvia distorção que significa destinar dinheiro público a parlamentares em um país no qual os recursos governamentais são escassos para atender a necessidades bem mais prementes, como saúde, saneamento básico, educação e segurança pública.
Uma quarta restrição pode ser invocada: a Constituição não determina equiparação, apenas estabelece os vencimentos dos ministros do STF como teto para o funcionalismo, regra aliás desrespeitada, já que milhares de servidores, nos três Poderes, recebem mais de R$ 24,5 mil por mês.
Outro problema é a falta de crédito da legislatura que está prestes de chegar ao fim. Sabemos que nem todos são iguais no Congresso. Este site criou o Prêmio Congresso em Foco exatamente para estimular os cidadãos a afinarem sua sintonia no acompanhamento do Legislativo e votarem naqueles que entendem ser os melhores parlamentares federais. Mas não se pode negar que, a despeito do bom trabalho desenvolvido por alguns congressistas, esta legislatura ficará com a marca do mensalão, dos sanguessugas e de outros escândalos federais.
Mas o mais poderoso dos argumentos contra o aumento é que a população, por todos os meios que tem à disposição, dá demonstrações inegáveis de que não o aceita. Em quase três anos de existência do Congresso em Foco, nenhum outro assunto havia provocado tantos e tão indignados comentários de leitores. Foram, até agora, perto de mil comentários, distribuídos por diversos textos e pela seção A palavra é sua. Somente a matéria que noticiou a decisão dos presidentes e dos líderes, publicada ainda no início da tarde da última quinta-feira (14), recebeu mensagens de 345 pessoas (confira).
É triste ver não apenas a revolta, mas como ela vai se transformando em descrença ou, pior ainda, em desqualificação do Poder Legislativo como um todo. Alguns chegam a defender o fechamento do Congresso, no qual não reconhecem nenhum ato em favor da população.
O quadro soa ainda mais melancólico quando lembramos que o ousado gesto dos caciques do Congresso tem como pano de fundo a disputa da presidência da Câmara e do Senado. Empenhados em agradar à massa de parlamentares anônimos conhecida como baixo clero, pré-candidatos aos dois cargos aprovam o aumento salarial.
É uma estratégia suicida porque deixa fora do cálculo os eleitores, que rejeitam vigorosamente o aumento.
Por tudo isso, os presidentes do Senado e da Câmara e os líderes partidários, se pretendem reconstruir a credibilidade do Parlamento, devem iniciar imediatamente um trabalho intensivo para convencer os seus pares de que o aumento é insuportável, política, econômica e moralmente. O Brasil não o deseja.
A menos que abram mão da missão de representar a cidadania, devem dar dois passos atrás. Revogando o aumento de 91% e estabelecendo um percentual mais condizente com a realidade do país.
Enquanto isso, o Congresso em Foco convoca leitoras e leitores para exercerem pressão máxima sobre os parlamentares. Sugerimos a adesão ao abaixo-assinado contra o aumento, que pode ser acessado on line; que sejam encaminhados e-mails aos deputados e senadores exigindo a revisão da decisão; e que sejam ocupados todos os espaços na internet para que a voz dos brasileiros leve os principais líderes do Congresso Nacional a recuperarem o bom senso.