Fazer reportagem e buscar a diversidade de opiniões têm sido os principais objetivos deste site, ao longo dos seus dois anos de vida. Não condenamos os veículos com motivações marcadamente ideológicas, mas desde o início entendemos que a missão do Congresso em Foco era outra: oferecer informações confiáveis, interessantes e, sempre que possível, exclusivas, de modo a possibilitar ao leitor melhores condições para formar livremente seu juízo sobre as questões relativas ao Congresso Nacional e à política brasileira. Daí a heterogeneidade da nossa equipe fixa de articulistas e o esforço permanente para apresentar as notícias mais polêmicas sob diversos ângulos ou perspectivas.
Em alguns momentos, porém, tomamos a liberdade de expressar nossas idéias em relação a temas da atualidade. Foi assim em agosto de 2005, quando manifestamos perplexidade diante do comportamento do presidente Lula durante os primeiros meses da crise política e ressaltamos sua responsabilidade – ainda que indireta – pelos escândalos até hoje sob investigação.
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Ou quando, na Semana da Pátria, cobrimos nossa página principal de negro para simbolizar o luto pelo triste espetáculo patrocinado pelo governo federal e pelo Congresso. O primeiro, enredado em aterrorizante festival de denúncias de corrupção; o outro, já à época dando sinais de incapacidade tanto de apurar tais acusações com a profundidade necessária quanto de punir todos os parlamentares flagrados em práticas ilegais.
Ou mesmo, quando, no funesto plebiscito realizado em outubro do ano passado, posicionamo-nos claramente pela proibição da venda de armas de fogo, valendo-se da experiência internacional na matéria e afinados com argumentos técnicos afinal soterrados ao cabo de um debate dominado, infelizmente, pela paixão e pela superficialidade.
A ação que a CPI dos Correios vem desenvolvendo na investigação dos fundos de pensão é outra questão que nos anima a tomar posição. O assunto tem sido tratado com uma leviandade que passou, e muito, dos níveis que poderiam ser considerados toleráveis.
Embora não esteja comprovada a vinculação de irregularidades em fundos de pensão com o financiamento a partidos ou políticos, há fortes indícios de que algumas entidades de previdência fizeram, durante o governo Lula, operações no mínimo suspeitas. Isso vale para fundos de pensão ligados a estatais federais – como o Nucleos (trabalhadores da área nuclear) e a Fundação Real Grandeza (Furnas) – e também para alguns fundos estaduais, como a Prece (Companhia Estadual de Águas e Esgotos, a Cedae, do Rio de Janeiro do casal Garotinho).
PublicidadeO estranho é a insistência com que a CPI, especialmente por meio de sua Sub-Relatoria de Fundos de Pensão, tenta estender as acusações a outras fundações sem apresentar evidências de atos irregulares. Em dezembro, a Sub-Relatoria informou que 13 entidades de previdência teriam acumulado prejuízos de mais de R$ 700 milhões em aplicações na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F). Especialistas do mercado financeiro, consultores e jornalistas econômicos com maior conhecimento da área logo apontaram a fragilidade técnica do levantamento – que, aliás, boa parte da mídia encampou com uma pressa e desatenção nada louváveis. O maior erro do estudo foi ignorar que todas as aplicações listadas eram “casadas” com operações que simplesmente não foram levadas em conta.
Em 21 de fevereiro, na semana anterior ao Carnaval, a Sub-Relatoria voltou à carga. Tornou público relatório parcial segundo o qual 12 fundos de pensão teriam concentrado seus investimentos em 2004 nos bancos BMG e Rural. O sub-relator, deputado ACM Neto (PFL-BA) considerou, assim, comprovados os vínculos entre esses fundos e os escândalos do mensalão e do valerioduto.
De novo, a suposta revelação foi estampada por muitos veículos de comunicação sem maiores preocupações com sua checagem. E, dessa vez, a denúncia era ainda mais precipitada.
Primeiro, porque a análise técnica que respaldou as conclusões alardeadas pelo deputado restringiu-se à identificação dos investimentos feitos nos dois bancos, desautorizando as ilações feitas.
Segundo, porque há sinais de erros grosseiros na análise em si mesma (leia mais).
Terceiro, porque é falsa a afirmativa de que os fundos concentraram os investimentos no BMG e no Rural. Os investimentos feitos nos dois bancos pelos fundos de pensão representam uma fração diminuta do valor total investido pelas três entidades na rede bancária.
Quarto, porque, em grande parte dos fundos de pensão investigados, as aplicações feitas nas duas instituições financeiras atingiram na era FHC volume muito superior ao verificado no governo Lula.
Quinto, porque o citado relatório não demonstra como o dinheiro investido favoreceu indevidamente o BMG e o Rural. Ao contrário, tudo leva a crer que as aplicações deram aos fundos retorno acima da média do mercado.
Sexto, porque o fato de os dois bancos estarem envolvidos até o pescoço com as malfeitorias denunciadas pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) não autoriza ninguém a supor que qualquer investimento feito no BMG e no Rural seja irregular.
É salutar que o Parlamento investigue cuidadosamente os fundos de pensão, seja pelo volume de recursos que movimentam, seja pela conhecida tradição – religiosamente cultivada por sucessivos governos – de utilizá-los como caixa para negócios suspeitos. Não se pode aceitar, no entanto, que, a pretexto de apurar seus atos, congressistas eventualmente guindados a uma posição de fácil acesso à mídia difundam informações falsas. Os prejuízos, nesse caso, não são apenas dos milhões de trabalhadores que fazem por meio dos fundos uma poupança voluntária para complementar sua aposentadoria. Mas de toda a sociedade, que tem nas entidades de previdência agentes fundamentais para a realização de investimentos de longo prazo.
O Congresso já manteve como relator da finada CPI do Mensalão um deputado (Ibrahim Abi-Ackel, PP-MG) que no passado recebeu dinheiro de um dos protagonistas do escândalo que a comissão deveria investigar, o empresário Marcos Valério em pessoa. Faz vista grossa para todos os financiadores privados do valerioduto (leia mais). Deixou escapar ilesos vários parlamentares acusados de envolvimento com o valerioduto. Apesar do avanço obtido nos últimos meses, corre o risco de encerrar as CPIs dos Correios e dos Bingos cumprindo apenas em parte o trabalho investigatório a elas confiado. Não pode agora permitir que o necessário papel de apurar atos irregulares nos fundos de pensão dê lugar à utilização da leviandade como arma política.