Edson Sardinha |
Apesar de ainda não ter números definitivos em mãos, o governo federal está apostando na conclusão da reforma do Judiciário para estimular a economia. O raciocínio é simples: uma Justiça mais ágil vai reduzir os custos da resolução de conflitos, aumentar a segurança jurídica e, por conseqüência, tornar o país mais atraente para os investidores estrangeiros. Quando os primeiros resultados das mudanças serão percebidos também se desconhece – mesmo porque ainda não se sabe quando a reforma será concluída pelo Congresso –, mas, a julgar por projeções baseadas no grau de eficiência da máquina judiciária em países desenvolvidos, o saldo deve ir além do descongestionamento dos tribunais, diz o economista Armando Castelar Pinheiro, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Leia também Essas estimativas indicam que um Judiciário menos moroso e mais previsível aumentaria a atração de investimentos externos em 10% e elevaria o Produto Interno Bruto (PIB), o conjunto de riquezas do país, em 0,8% ao ano. Considerando-se as estimativas do Orçamento para 2005, apenas a título de exemplo, isso significaria um ingresso de US$ 3,95 bilhões na economia nacional. Valor que, convertido em reais, equivale a todos os investimentos diretos feitos pelo governo federal no ano passado (R$ 9,1 bilhões). A preocupação com o impacto do mau funcionamento do Judiciário no chamado risco Brasil rompeu a área econômica do governo e bateu às portas do Ministério da Justiça. O ministro Márcio Thomaz Bastos já encomendou três estudos, financiados pelo Banco Mundial, para identificar as causas da morosidade e a responsabilidade do poder público no processo. Os resultados só devem ser conhecidos no final do ano. Bastos foi voto vencido ao se contrapor a um dos pontos mais controversos da reforma constitucional aprovada em dezembro: a adoção da súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Com esse mecanismo, a administração pública e toda a Justiça serão obrigadas a seguir jurisprudência consolidada pelo STF. Alegando que a medida tira a liberdade de julgar dos magistrados de primeira e segunda instâncias, o ministro foi derrotado, dentro do próprio governo, pela área econômica, que entendeu que o instrumento será eficaz na redução das causas repetidas que atolam o Judiciário e na atração de investidores, ao uniformizar decisões judiciais muitas vezes contraditórias. Autor do estudo “Judiciário, Reforma e Economia: a Visão dos Magistrados”, publicado em 2003, Castelar diz que a morosidade e a falta de previsibilidade das decisões judiciais são os principais problemas identificados pelos próprios magistrados na Justiça brasileira. Mais do que incerteza, esses dois fatores geram custos, que, por sua vez, têm impacto nos preços, nos juros e afugentamento do capital estrangeiro, explica o pesquisador. O cenário, porém, começará a mudar, segundo ele, com a adoção da súmula vinculante e a reforma dos códigos processuais, em tramitação no Congresso. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Castelar traçou um diagnóstico do Judiciário, a partir do depoimento de 741 juízes do Distrito Federal e de 11 estados, e chegou a uma constatação, no mínimo, curiosa: “A morosidade é vista pelos operadores do Direito quase como uma coisa boa, como se não fosse um grande problema”. E um dos principais beneficiários dessa morosidade, apontam os magistrados na pesquisa, é a própria União, que recorre com freqüência à Justiça para retardar o cumprimento de suas obrigações. "Ouve-se afirmar que é bom o Judiciário ser moroso porque, assim, ele ganha mais tempo para refletir melhor suas decisões. Como se ninguém pagasse pela morosidade da Justiça, ou se não houvesse custo para quem está esperando uma decisão", afirma o economista. Enquanto avalia o impacto da reforma do Judiciário na economia, o governo contabiliza os eventuais prejuízos que terá com a adoção da súmula vinculante. Só o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que tem aproximadamente 50 mil processos em andamento no STF, vem protelando o pagamento de R$ 8,8 bilhões devidos a aposentados e pensionistas que reclamam na Justiça a revisão de seus benefícios (leia mais). "O governo se beneficia muito da morosidade da Justiça, o que vai diminuir com a súmula vinculante. Com ela, menos casos vão tender a ir para a Justiça, com as partes sabedoras de que os conflitos poderão ser resolvidos mais rapidamente. Haverá mais cuidado e interesse em negociar", avalia Castelar. Nem todos, porém, pensam assim. A súmula vinculante está longe de ser uma unanimidade entre os especialistas no assunto. Pelo contrário, entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) criticam a uniformização das decisões judiciais a partir da cúpula judiciária. Para o presidente da OAB, Roberto Busato, é um retrocesso tentar uniformizar, por cima, a realidade social do país e desprezar as diferenças regionais, com as quais os juízes de primeira e segunda instâncias estariam mais familiarizados. “Se examinarmos o cenário social do Sul do país, do Nordeste, da Amazônia e do núcleo urbano do Rio de Janeiro, por exemplo, veremos realidades completamente diferentes. Não é possível que uma decisão expedida de Brasília por 11 eminentes magistrados (que compõem o STF) imponha um mesmo fato social para todas as regiões, de realidades tão discrepantes”, critica. |
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