UNE defende plebiscito para a reforma política
Congresso em Foco: Quando você foi eleita, uma das suas promessas foi organizar diversas manifestações pelo país para defender maiores repasses de recursos para a educação. No entanto, os protestos de junho anteciparam os planos. Como foi a participação da entidade nessas manifestações?
Virgínia Barros: A gente não só viu como participou delas desde o começo com muito entusiasmo. Foram manifestações que tiveram início com a discussão sobre a redução da tarifa do transporte público, ou seja, pauta que nós da UNE já levantamos há muito tempo, de defesa do passe livre e de um transporte público mais acessível, mais eficiente, com mais qualidade. E muito a partir da repressão que essas manifestações legítimas e democráticas sofreram, principalmente em São Paulo, acho que despertou um sentimento de solidariedade em todo o Brasil que fez com que mais gente tomasse as ruas e fez com que conquistássemos não somente a redução da tarifa e o passe livre em algumas cidades brasileiras, mas também fez com que a gente ampliasse a pauta para discussões relativas aos problemas da saúde, da educação e do próprio sistema político em voga no nosso país.
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E qual é a principal conquista das manifestações na sua opinião?
Uma conquista muito importante que eu destacaria desse processo das mobilizações é a aprovação dos royalties do petróleo e de 50% do fundo social do pré-sal para a educação, da forma como foi aprovado pela Câmara dos Deputados. No entanto, o Senado quando votou esse projeto, incorporou alguns retrocessos no projeto dos quais nós discordamos. E agora, seguimos na discussão sobre o projeto na Câmara para que ela reafirme o texto que já havia sido votado anteriormente e que derrube os retrocessos impostos pelo Senado. O principal deles é que a Câmara aprovou a destinação de 50% do fundo social do pré-sal para a educação e o Senado recuou, aprovando a destinação apenas dos rendimentos do fundo social para a educação.
Essa pauta é, para nós da UNE, central porque tem a ver com o financiamento da educação brasileira, que passa por uma série de problemas que dependem de um financiamento mais robusto para serem solucionadas. Também acho que todas essas manifestações afirmaram a atualidade de uma luta pela reforma política que na nossa opinião precisa ser uma reforma que garanta mais espaços de participação da população e que também acabe com o financiamento privado das campanhas eleitorais.
Apesar dos avanços obtidos a partir das manifestações, o que ainda é preciso ser feito?
Na nossa opinião, o Congresso precisa debater sim, com responsabilidade, essa questão da convocação de um plebiscito para debater a reforma política para o Brasil. Muito se disse que o povo estava na rua mobilizado em torno de causas justas e demonstrando que se preocupa com o Brasil e tem condições de debater o país para além das eleições. Então, eu acho que o Estado tem que empoderar ainda mais o povo para as decisões sobre o sistema político brasileiro. Por isso eu acho que é preciso acelerar no Brasil essa agenda pela reforma política.
Dentro das discussões sobre a reforma política, o que ainda falta ser colocado em pauta?
Na minha opinião o principal tema a ser discutido hoje dentro de uma reforma política para o Brasil é o fim do financiamento privado nas campanhas eleitorais. Empresa não vota. Se empresa não vota, porque ela pode financiar candidatos? Eu acho que quem paga a banda, escolhe a música. Então, a gente não pode seguir tendo mandatos eletivos no nosso país, tanto no âmbito do Legislativo quanto do Executivo, comprometidos com interesses corporativos ou privados. Os mandatos eletivos devem estar, exclusivamente, voltados para os interesses populares e para isso é fundamental acabarmos com o financiamento privado das campanhas.
Em geral, as manifestações rechaçaram bandeiras, tanto de partidos quanto de movimentos sociais. Como a UNE se colocou neste cenário?
A UNE participou destas mobilizações tanto nas portas de faculdades, quanto nas salas de aulas e na internet desde o primeiro momento. E eu acho que nas ruas existe espaço para todo mundo. Eu pelo menos não vivi nenhuma situação de rejeição em nenhum momento, até porque as pessoas compreendem o papel que a UNE exerce no país, por ser uma entidade que reúne os estudantes universitários de todo o Brasil para lutar pelas causas educacionais e pelas causas gerais da vida política brasileira. Acho que a diversidade de pensamentos e opiniões que se encontraram nas ruas é muito positivo.
Eu acho que o problema é gente de menos na rua, nunca gente demais. E nós da UNE vemos com muito entusiasmo todas essas manifestações que tomaram conta das ruas em junho de 2013 e que precisa seguir tomando as ruas a partir de agora. Acho também que, claro, existiram minorias organizadas e mais conservadoras nas manifestações que buscavam questionar o papel dos partidos políticos nas manifestações. Mas as ruas são grandes e cabe todo mundo, inclusive os partidos políticos.
Qual é o posicionamento da UNE sobre a proposta do governo para que estudantes de medicina trabalhem por mais dois anos para atender no SUS antes de se formarem?
Nós ainda vamos realizar reuniões para discutir isso. Mas a princípio eu acho que os graves problemas que a saúde pública enfrenta no nosso país exigem medidas enérgicas para suprir o déficit de médicos que existem no nosso país. Acho que o principal é melhorar a qualidade e a infraestrutura do serviço oferecido na saúde pública brasileira. Mas acho também que não podemos negar que falta recursos humanos e que faltam médicos no nosso país e precisamos de medidas enérgicas para solucionar esse problema.
Outras áreas também deveriam ter medidas semelhantes?
A gente da UNE sempre defendeu uma reforma universitária democrática para o país. E, no debate de uma reforma universitária, que transforme o papel da universidade para que seja uma universidade conectada com os desafios que estão dados para o Brasil, do ponto de vista econômico, social e humano, exige também pensar para além de uma mudança na estrutura da universidade, pensar reformulações curriculares, que atualizem os perfis curriculares dos diversos cursos que se conectem com as diversas demandas da sociedade. Então eu acho que precisamos fazer uma discussão mais completa e geral sobre a universidade que a gente tem hoje no nosso país. Para que a universidade possa ser maior do que é hoje, porque ainda são poucos os jovens que têm acesso ao ensino superior brasileiro, e para que a gente consiga debater uma melhoria na qualidade do ensino superior que é oferecido no nosso país.
Você assumiu a presidência da UNE em junho após ter sido eleita em um congresso nacional da entidade. Que caminhos você pretende trilhar nesta gestão?
Este último congresso da UNE teve a possibilidade de reunir mais de 6 mil estudantes universitários de todo o Brasil. Foi o maior congresso que a UNE organizou desde 2005 e a gente conseguiu, com esse congresso, chegar a 98% das universidades do país. E de forma unitária, esse congresso conseguiu convocar uma jornada de lutas que vai tomar as principais cidades do Brasil nos próximos meses. Queremos debater tanto a reforma política como também a questão educacional. Vamos continuar pressionando pelos 10% do PIB [Produto Interno Bruto] para a educação pública. Iremos focar em manifestações descentralizadas, que ocorrerão em vários estados. Vamos organizar o calendário de lutas, mas iremos fazer diversas manifestações em Brasília. Vamos seguir pressionando o Congresso para que a gente consiga aprovar essas questões importantes para o país.
Então, investir em educação para ampliar o acesso à educação pública é algo fundamental que está dada para a nossa geração. Mas também precisamos debater a qualidade do ensino superior privado no nosso país. Hoje, o fenômeno que acontece na educação brasileira é a crescente compra de universidades brasileiras por empresas estrangeiras. A universidade hoje passa por um processo de desnacionalização. E combater essa desnacionalização da educação é algo que será central para a UNE no próximo período.
Você acredita ser possível que estas próximas manifestações cheguem a ter as mesmas proporções das que ocorreram em junho?
Não dá para prever o tamanho das manifestações que tomarão o país nos próximos meses. Para a gente da UNE, o fundamental é que a juventude não arrede o pé das ruas, que continue mobilizada em todo o país em torno das causas justas. E que essa juventude também se envolva nas discussões sobre educação dentro e fora da universidade. Que participe dos centros acadêmicos, que participem dos DCEs, que participem do movimento estudantil e que sigam mobilizados por essas causas que possibilitem que o movimento estudantil mude o Brasil.
Após o avanço na tramitação do projeto que destina os royalties do petróleo para a educação, o próximo foco da UNE no Congresso é pressionar pela aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE)?
Acho que é fundamental, acelerar no Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação. Na hora de debater a MP dos Portos, o Congresso em tempo recorde votou a MP dos Portos. Entretanto, o PNE está há mais de dois anos e meio tramitando no Congresso e ainda não temos expectativa sobre quando as discussões em torno do plano serão concluídas. Então, precisamos acelerar a tramitação do PNE para que ele possa, se aprovado, com a garantia dos 10% do PIB para a educação pública e traçando metas importantes que se conectem com os desafios que estão dados para a educação brasileira atualmente, mas também a médio prazo.
O projeto, no nosso ponto de vista, representa um avanço importante para a educação brasileira. É claro que ele não resolve todos os nossos problemas, mas ele persegue algumas metas que na nossa avaliação, são centrais, como o financiamento da educação e a erradicação do analfabetismo. Ele também apresenta algumas metas para a educação básica que são muito importantes também para se pensar a educação brasileira com a centralidade que a gente quer trazer para esse debate.
É claro que ele também é insuficiente em alguns aspectos, como nesse por exemplo, de regulamentação do ensino superior privado. O PNE não aborda esse problema. E outras questões também como, um programa mais ousado que garanta mais eficiência e investimento nas políticas estudantis nas universidades públicas do país, como investir nos bandeijões, nas moradias, que possibilitem que o jovem, uma vez dentro do curso, possa continuar o curso até o final.
Além da questão educacional, quais outros setores sociais a UNE irá defender na sua gestão?
A UNE sempre se caracterizou por ser uma entidade que, embora formada por estudantes, nunca se limitou às pautas educacionais. Uma das nossas próximas questões é a defesa intransigente de uma reforma política democrática que garanta financiamento público de campanha no nosso país. Outra questão fundamental é debater a democratização dos meios de comunicação no nosso país, reformas democráticas como a reforma agrária seguem sendo pautas importantes para UNE. Outra questão que sempre abordamos com muito afinco e vamos continuar lutando é o resgate da memória e da verdade no nosso país, ou seja, apoiar o trabalho da Comissão Nacional da Verdade. Em janeiro, lançamos a própria comissão da verdade da UNE, para averiguar crimes que a ditadura militar cometeu contra os estudantes naquele período.
No último congresso tivemos a oportunidade de apresentar o primeiro relatório dessa comissão, com as informações que conseguimos colher sobre o ex-presidente da UNE Honestino Guimarães que foi sequestrado, torturado e assassinado pela ditadura militar. E esse resgate da memória e da verdade é importante porque os estudantes foram um dos seguimentos mais perseguidos e prejudicados na época da ditadura e a defesa da democracia é uma pauta que unifica o povo brasileiro. E aprofundar a democracia no nosso país passa necessariamente por se esclarecer esse período conturbado que o Brasil viveu.
Durante o governo Dilma, muitos movimentos sociais criticaram a falta de diálogo. Agora, após as manifestações, o governo se viu obrigado a conversar com os movimentos sociais. Como você avalia essa mudança de postura?
Acho que o governo Dilma tem possibilitado o aprofundamento de mudanças importantes no nosso país, do ponto de vista social, do ponto de vista educacional inclusive. Mas é um governo que ainda apresenta contradições, como por exemplo a política econômica que o governo implantou no país. É um governo que acabou de retomar uma política de alta na taxa básica de juros, coisa que condenamos. Acho que é fundamental que o governo Dilma enfrente esses aspectos conservadores que permanecem na nossa política econômica para que a gente tenha uma política econômica mais voltada para o desenvolvimento do nosso país, para o combate à corrupção e para promover mudanças importantes no país.
Mas você avalia que a presidenta Dilma tem um bom diálogo com o movimento estudantil?
A presidenta recebeu a UNE, desde que assumiu a presidência, três vezes. E tivemos a oportunidade de pautá-la em momentos importantes das nossas mobilizações, como foi o caso quando a UNE protagonizou, junto a outros movimentos sociais, a jornada de lutas unificadas das centrais brasileiras, com uma das pautas principais que é o financiamento da saúde e da educação no nosso país. Dilma nos recebeu de forma democrática e republicana. Tive a oportunidade de conversar rapidamente com ela em junho, quando houve o anúncio da criação de quatro novas universidades federais para o nosso país que vão ficar no Norte e Nordeste. Acho que teremos a oportunidade de ter um novo encontro com ela em breve. Valorizamos o diálogo, mas a postura da UNE segue sendo de independência e autonomia em relação a qualquer governo e vamos continuar pressionando por medidas que consideramos fundamentais para fazer com que o Brasil avance. Mas nossa postura é de autonomia, sempre aberta ao diálogo com qualquer governo, com qualquer reitoria e claro, de cobrança e pressão permanente.
No início deste ano, a Câmara aprovou o projeto de lei sobre a meia entrada estudantil e consequentemente, a emissão das carteirinhas estudantis. A UNE esteve presente nos debates e acabou influenciando na decisão final. Qual é o peso da emissão das carteirinhas no suporte financeiro da entidade?
Essa lei universaliza o acesso à meia entrada que representa um avanço para a formação dos nossos jovens, que não se limita à sala de aula e possibilita também aos jovens ocupar esses espaços. Essa lei também garante que as entidades estudantis, cujas diretorias são eleitas pelos estudantes brasileiros, possam, a partir de agora, voltar a emitir a carteira estudantil a partir de uma padronização nacional que vai permitir que a gente combata as fraudes que hoje existem nas carteiras de estudante e quem frauda não são as entidades estudantis e sim entidades cartoriais que existem em função da emissão das carteiras, porque inclusive, elas visam o lucro com esse instrumento tão importante para os estudantes brasileiros. O que nós defendemos é que esse instrumento volte para as mãos dos estudantes e que as entidades e centros acadêmicos possam emitir a carteira a partir de um modelo único com todos os tipos de certificações.
Hoje em dia, a UNE é tocada com recursos provenientes das carteirinhas. Mas grandes eventos da entidade são financiados tanto com dinheiro público quanto privado. O que a gente faz é firmar convênios com o poder público e a partir disso, prestamos contas. Esses recursos são usados apenas em eventos com grande interesse público a partir das lutas estudantis e sobre a discussão da educação no nosso país. Mas a UNE não se sustenta com dinheiro público, apenas fazemos isso em grandes eventos.
Você é da mesma cidade do ex-presidente Lula. Qual é a influência dele na sua vida pessoal e política?
Eu nasci e me criei em Garanhus e tenho muito orgulho disso. Tenho muito orgulho da minha cidade, de gente trabalhadora, de gente honesta. E tenho também admiração pela trajetória do Lula. Acho que ele é uma liderança popular muito importante na história recente do nosso país. Agora, é claro, eu tenho o meu caminho para trilhar. Respeito bastante o Lula, mas as minhas influências principais e a minha trajetória são da universidade, nas relações que construí dentro e fora da universidade a partir do meu envolvimento com o movimento estudantil. Mas eu tenho meu caminho próprio para seguir na minha trajetória política.