A ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), que cancelou hoje (4) sua agenda para conceder entrevista coletiva no Palácio do Planalto sobre o caso do dossiê do cartão corporativo, admitiu há pouco a hipótese de os computadores da Casa Civil terem sido violados por hackers (“piratas” virtuais). “Há a possibilidade de um computador da Casa Civil, portanto um bem público, ter sido invadido", supôs a ministra.
Segundo Dilma, que não quis, entretanto, admitir a vulnerabilidade do sistema de computação da secretaria, o alarde em torno da questão – o que interessaria à oposição – é “estarrecedor”. “Eu acho estarrecedor a escandalização do nada feita acerca dos gastos da Presidência da República”, declarou. “Tanto no que se refere ao governo Fernando Henrique Cardoso quanto ao governo do presidente Lula.”
Com voz firme e a habitual expressão sisuda, Dilma alfinetou a oposição acerca da atenção exagerada que se tem dado a gastos supérfluos. “Acho extremamente estranho o fato de ter sido feito um escarcéu em cima de alguns dados”, disse, acrescentando que, se a intenção seria constranger o governo, “eles caíram na própria armadilha”. “A quem interessaria forjar tantas crises?”, questionou, para ela mesma responder em seguida. “Os incomodados com o momento otimista por que o país passa. Nossa infra-estrutura tem tido todos os gargalos resolvidos.”
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Citando um exemplo registrado no supracitado dossiê – que Dilma insiste em chamar de “banco de dados” –, o gasto com carnes finas, a ministra reagiu dizendo que seria “estranhíssimo” um presidente da República ter um padrão de consumo baixo. Ela citou as circunstâncias em que recepções a chefes de Estado e demais autoridades requerem estrutura de alto nível, e voltou a fustigar os detratores. “Seria de uma demagogia, de um farisaísmo a toda prova supor isso [o ‘baixo nível’ das cerimônias].”
A respeito da acusação de que diversas versões têm sido apresentadas por membros do governo para explicar o dossiê da Casa Civil, Dilma voltou a enfatizar o argumento do banco de dados com fins meramente administrativos. “Dizem que nós temos tido uma posição que varia. Não. Temos uma posição única e clara. Houve, porque há uma obrigação que é organizar os dados existentes. Integra nossas competências”, defendeu-se a ministra, reiterando a disposição do governo em esclarecer os fatos – e, conseqüentemente, encontrar o responsável pelo “vazamento”.
“Estamos empenhados em fiscalizar o que aconteceu na Casa Civil. Teve uma tentativa de dolo muito clara”, garantiu, adiantando que será realizada uma “avaliação técnica”, por parte do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), nos computadores usados no processo de digitalização dos gastos.
Público e notório
Tentando desqualificar as críticas que adversários políticos desferem contra a atuação do governo, por meio da Casa Civil, em relação à CPI Mista dos Cartões Corporativos (os oposicionistas dizem que o dossiê – que define os gastos de FHC, sua família e assessores – serviria para chantagear a oposição na CPI), Dilma levantou uma questão.
“Nós vamos intimidar com o quê? Com o público e o notório? As minhas informações e as de todos os ministros estão no Portal da Transparência”, declarou a ministra, reafirmando a confiabilidade da divulgação. “Esses dados já nasceram não-sigilosos. Não há nenhum respaldo para o sigilo dessas informações.”
Depois de rejeitados seguidos requerimentos de convocação da ministra na CPI, bem como de seus assessores mais próximos, a oposição acusa os governistas do colegiado de “blindar” Dilma e impedir o transcurso das investigações contra autoridades do governo. A ministra já declarou que tinha “muito o que fazer”, explicando que as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) sob sua responsabilidade tomam muito de seu tempo.
Evidência robusta
Para o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), a coletiva concedida por Dilma não convenceu. "A mim não. E tenho impressão que nem ao Brasil", disse, apontando as razões de sua incredulidade. "Se explicou, se explicou, escondeu a insegurança no que pode, atrás de uma arrogância que é peculiar a ela, aquele nervosismo – tropeçou no português várias vezes -, e evitou discutir o essencialíssimo, que é o dossiê."
Para Virgílio, Dilma foi "extremamente grosseira com os jornalistas". "Havia 30 numa sala, e ela respondeu a três perguntas, interrompendo o tempo todo o interlocutor, e depois vira as costas, diz: ‘muito obrigado’, e vai embora. Não deixou esgotarem o assunto. Eu compreendi porque ela não quer vir a uma CPI." O tucano é o autor dos requerimentos que solicitam a visita de Dilma a três fóruns do Congresso para esclarecimentos sobre o caso. Ele quer que a ministra seja ouvida no plenário do Senado, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e na Comissão de Fiscalização e Controle (leia).
Diante de uma hipótese levantada por Dilma, de que o jornal Folha de S.Paulo teria publicado um fac-símile alterado de uma página do dossiê, com a inclusão de uma coluna no Excel (programa de levantamentos) discriminada como "observações", com dados sobre a ex-primeira-dama Ruth Cardoso, Virgílio foi enfático.
"Eu tenho a impressão de que houve mesmo manipulação dos dados, porque viraram dossiê. Isso mereceu enorme destaque na imprensa brasileira, responsável e investigativa como é", fustigou o senador, que ainda ironizou o fato de a ministra ter dito que o caso pode ser "tudo, ou nada". "A doutora Erenice [Alves Guerra, secretária-executiva de Dilma, tida como o braço-direito da ministra] eu tive a honra de conhecer e ela é bem robusta. Então não dá pra dizer que ela é nada. Ela é bastante." (Fábio Góis)
Última atualizãção às 22:45.