Sofia Fernandes
São 91 anos, sete filhos, 15 netos, dois bisnetos, 60 amigos. Esses números o aposentado José Lopes Filho conta logo no primeiro minuto de conversa. “Tenho uma vida agitada, minha casa é grande e cabe todo mundo”, esbanja o ex-auditor fiscal da Receita Federal, que uma vez por mês reúne os amigos em sua casa, na Rua Pedro Scarpin, em Juiz de Fora (MG).
Como acontece em toda boa roda de prosa, política é assunto certo em dias de encontro. Mas lá na Rua Pedro Scarpin a coisa vai além do bate-papo descontraído. Os amigos se juntam mensalmente para escrever boletins, manifestos e propostas para o Poder Legislativo. Tudo muito bem orientado por um estatuto, organizado pelos membros fundadores.
O grupo também tem nome e CNPJ. É o Movimento Popular Pró-Moralização do Poder Legislativo (MPPMPL), fundado por José Lopes em 1991, quando ele tinha 74 anos. Tem site na internet (www.mpmpl.org), 60 membros atuantes, que contribuem com R$ 2 por mês, e já conta com 3 mil e-mails cadastrados, para os quais o aposentado envia um boletim informativo, que está sua quinta edição.
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O movimento é uma associação política apartidária, formada basicamente por servidores aposentados da Receita Federal. “O que me levou a fazer isso foi a corrupção, em todo canto aparecia problema”, conta o ex-auditor fiscal, para quem a situação hoje está ainda mais feia.
À procura de Sancho
Desde a criação da Constituição de 1988, o fundador do MPPMPL alimenta uma idéia que ainda sustenta as discussões do grupo – a necessidade de uma reforma política com a participação popular.
“Eu sou um Dom Quixote de la Mancha. Só que é muito difícil achar um Sancho Pança”, brinca José Lopes, recorrendo aos personagens de Miguel de Cervantes para dimensionar o tamanho da dificuldade que enfrenta.
Até 2010, ele quer articular uma mobilização nacional para debater e exigir a instalação de uma assembléia constituinte específica para promover a reforma política. Em pauta desde o início do governo Lula, em 2003, a proposta tem repousado nas gavetas da Câmara.
Entre os pontos defendidos pelo MPPMPL, estão o enxugamento do Senado e da Câmara, a diminuição do número de suplentes, o fim das licenças remuneradas dos parlamentares e a redução do mandato dos senadores para quatro anos.
Diz o último boletim do grupo:
“Os Estados Unidos da América do Norte, com 50 estados e uma população de 300 milhões de habitantes contam com apenas 100 senadores, na proporção de dois senadores por estado, enquanto o Brasil, com 27 estados e população de 186.590.863 milhões de habitantes, se dá ao luxo de sustentar 81, na proporção de três senadores por estado e, assim mesmo, com uma representatividade injusta em que São Paulo, com 39 milhões de habitantes tem o mesmo número se senadores do que outros estados da região Norte, com menos habitantes. E o que dizer da indecente instituição de dois suplentes para cada senador?”
A idéia é que a proposta de reforma política seja formulada por meio de debates públicos e que a marcha de 2010 a Brasília funcione como um grande fórum sobre o que deve mudar.
O propósito é difícil, mas o mineiro – que já foi vereador no pequeno município de Dores de Campos – diz não ser do tipo que desiste. Já enviou dois manifestos para o Congresso Nacional e algumas sugestões à Comissão de Legislação Participativa da Câmara, onde podem ser transformadas em projetos de lei.
O gesto mais inusitado de José Lopes, no entanto, exigiu o uso de bermuda e protetor solar. No início do ano, o aposentado fez panfletagem em praias de Cabo Frio (RJ) para divulgar as propostas do movimento (veja foto).
Água mole, pedra dura…
É na insistência, aliás, que José Lopes acredita estar o sucesso da participação popular para mudar a política. “A força do povo pode mudar muita coisa. A gente tem que bater nesse mesmo assunto todo dia.” O grupo investe nos panfletos e nos boletins virtuais, além da página na internet, bancada pelo bolso do ex-auditor fiscal, que aprendeu com os filhos a usar o computador.
A luta política vai além do embate contra a deteriorização do Legislativo. Atualmente, o grupo tem se articulado nas manifestações organizadas por estudantes contra o prefeito de Juiz de Fora, Alberto Bejani (PTB), um dos detidos pela Polícia Federal na Operação Pasárgada, por participação no esquema de desvio de verbas do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
José Lopes mantém a vida “regrada”, como ele mesmo define, e a casa sempre aberta. Diz que não sabe se conseguirá chegar a 2010, o ano planejado para a mobilização nacional pela reforma política. “O prazo de validade do homem depende de Deus. Mas eu vou fazer tudo o possível para estar presente.”
As idéias do senhor de discurso firme, muitas vezes chamado de ingênuo e sonhador pelos próprios colegas, vai deixando adeptos e novas gerações.
“O que me motiva a estar no movimento é a paixão por fazer algo pela sociedade”, diz o atual presidente do MPMPL, Leonardo Mendes Abritta, de 29 anos. O administrador de empresas vê na mobilização popular a única saída para a mudança do cenário político. “A reforma política é necessária, já vemos as conseqüências da falta dela: vícios políticos, Legislativo deteriorado, corrupção”.
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