Guillermo Rivera
Apenas entre 2001 e 2002, 588 pessoas foram identificadas como vítimas de execução no Nordeste pela ação de grupos de extermínio. A CPI também relacionou número semelhante de pessoas ameaçadas de morte pelas chamadas milícias privadas. “Os números são impressionantes”, avalia o relator, deputado Luiz Couto (PT-PB). As vítimas, em sua maioria, são jovens entre 15 e 25 anos, negros e pobres.
Em apenas dois anos, 241 pessoas foram vítimas de grupos de extermínio em Pernambuco, 119 no Ceará, 82 na Paraíba, 63 em Alagoas, 51 na Bahia, 13 no Piauí, nove no Maranhão, seis no Rio Grande do Norte e quatro em Sergipe. Para efeito de comparação, no mesmo período, foram registradas 229 mortes desse tipo no estado de São Paulo, 70 no estado do Rio de Janeiro, 50 no Espírito Santo, 35 em Mato Grosso e 13 em Minas Gerais.
A comparação, porém, não é precisa, pois muitos crimes não são noticiados como ações de grupos de extermínio. Em cima disso, Luiz Couto acrescentou que deve pedir a instalação de uma comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) para investigar a ação das milícias armadas privadas e dos grupos de extermínio em todo o país.
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Situação crítica
A CPI constatou que os matadores estão envolvidos em crimes de narcotráfico, roubo de cargas, seqüestros, assaltos e desmanches de veículos. Os chamados justiceiros geralmente estão ligados à máfia dos combustíveis, aos traficantes de armas e aos aliciadores de mulheres e crianças para o tráfico de seres humanos e a exploração sexual. Apenas ao grupo identificado como "Os Abelhas", do município de Paudalho (PE), é atribuída a autoria de 92 mortes em 19 meses.
A CPI também solicitou criação de uma força-tarefa com um delegado especial para investigar crimes atribuídos aos grupos de extermínio que atuam nas divisas dos estados. De acordo com o relatório, 89 pessoas, entre mandantes e executores, atuam na divisa entre Pernambuco e a Paraíba, nas cidades limítrofes de Pedras de Fogo (PB) e Itambé (PE), considerada a região mais crítica. Em Alhandra (PB), Goiana (PE), Timbaúba (PE), Juripiranga (PB) e Caaporã (PB), as principais vítimas são os meninos de rua e os homossexuais.
A comissão ouviu, ao todo, 81 pessoas, muitas delas, em audiências reservadas. As investigações feitas pelo Ministério Público poderão resultar no indiciamento e na prisão de alguns dos cerca de 250 citados pela CPI, desmantelando um sistema de violência que possui ramificações em todo o Nordeste brasileiro.
Resultados limitados
Apesar disso, o relator da CPI se mostra cético quanto aos resultados colhidos pela comissão. “Normalmente, se fazem acusações de que as CPIs terminam em pizza. Mas, quando os parlamentares enviam os resultados ao Ministério Público, que deveria prosseguir com as investigações, não há indiciamentos por falta de provas. Ora, as CPIs somente fornecem indícios e evidências”, reclama.
Luiz Couto também conta que ouviu alguns dos acusados se gabarem de não serem molestados pelo Ministério Público. “Tem gente do Ministério Público e do Judiciário envolvida”, acusa o petista. “Por isso, alguns acusados dizem que a CPI não dará em nada, e que não serão presos, pois têm costas largas”, emenda.
Não se pode negar, contudo, que alguns promotores têm se esforçado para combater a ação dos grupos de extermínio no Nordeste. Em depoimentos à CPI do Extermínio, promotores relataram as ações que haviam tomado para impedir a ação dos executores. Mas, na maioria das vezes, diz Luiz Couto, há interferência política em favor dos acusados. “Às vezes o julgamento é feito no próprio local e há uma pressão muito forte sobre o júri. Tem também casos de testemunhas eliminadas”.
Uma delas foi Flávio Manoel da Silva, morto no dia 27 de outubro de 2003, quatro dias após ter sido ouvido pela paquistanesa Asma Jahangir, representante especial da Organização das Nações Unidas (ONU) designada a investigar execuções sumárias.
Dificuldades para investigar
A promotora de justiça Rosemary Souto Maior de Almeida, hoje licenciada, era a encarregada do município de Itambé (PE) – cidade litorânea que faz divisa com a Paraíba – e foi ouvida pela CPI do Extermínio.
Em seu depoimento à comissão, a promotora explicou que fez um trabalho de diagnóstico na cidade, entre 1994 e 2003, quando constatou um número considerável de homicídios com mesmo modo de operação, passando a investigá-los por meio da Polícia Civil. Foi assim que Rosemary identificou 12 integrantes de um grupo de extermínio que atuava no município. “Dessas, seis estão presas, três faleceram e três estão foragidas”, relatou à CPI, ao final de 2003.
A promotora também identificou que outros tipos de crimes estavam ligados à ação dos grupos de extermínio. “Havia também tráfico de drogas, roubo de carga e tráfico de armas e atuação de grupo associado a outros grupos na região vizinha da Paraíba”, disse. A promotora afirmou ainda que 42 inquéritos não tinham identificação de autoria, o que impediu que a Promotoria de Justiça de Itambé pudesse denunciar os atos.