Uma antiga disputa entre policiais federais e integrantes do Ministério Público pelo controle das investigações criminais será reacendida hoje (27) na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. Depois de ter sua análise adiada na semana passada a pedido do governo, vai a voto o substitutivo do senador Pedro Simon (PMDB-RS) que pretende aumentar o rigor contra a lavagem de dinheiro (leia mais).
O senador alterou o seu texto para incluir uma emenda que aumenta os poderes de promotores e procuradores. O dispositivo introduzido por Simon pretende unificar as investigações sobre lavagem de dinheiro, transferindo da Polícia Federal para o Ministério Público o comando das apurações. Hoje podem correr, paralelamente, até três investigações – uma da polícia, outra do MP e uma terceira, que pode ser requisitada pela Justiça –, todas sob a coordenação da PF.
A discórdia está instalada no artigo 17-B:
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"O Ministério Público orientará e coordenará a investigação da autoridade policial, e será auxiliado por representantes do Banco Central do Brasil, da Receita Federal, da Comissão de Valores Mobiliários e do COAF.
Parágrafo único. Se necessário para a investigação, representantes dos órgãos referidos neste artigo participarão de diligências junto com a autoridade policial."
O parecer de Simon, que reúne quatro proposições que tramitam em conjunto no Senado desde 2003, corre o risco de não ser votado novamente, se esse artigo não for retirado.
Mudança inconstitucional
A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) conseguiu a intervenção do senador Demóstenes Torres (PFL-GO), promotor de carreira licenciado, que fez uma emenda para a retirada do artigo 17-B.
Segundo o senador, se for aprovada como está, a nova lei vai acirrar ainda mais a disputa entre policiais e promotores. "Como promotor, eu sempre defendi que é importante a coordenação do Ministério Público nos inquéritos, mas essa discussão precisa ser feita às claras e por uma mudança na Constituição. Os delegados estão completamente certos, porque o artigo é inconstitucional", argumenta Demóstenes. "Tentaram fazer o inverso na lei que aprovamos sobre crime organizado na semana passada, na qual o texto não previa a participação do Ministério Público, por isso, precisamos ficar sempre atentos", completa.
Estiveram em audiência com o senador goiano o presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Sandro Torres Avelar, e os delegados federais Paulo Maiurino e Luiz Flávio Zampronha. "Esse dispositivo não traz nenhuma contribuição para a investigação. As investigações são bem feitas, o problema é o trâmite dos processos na Justiça", disse Avelar em entrevista ao Congresso em Foco.
O substitutivo do senador gaúcho também não incorporou emenda da senadora Ideli Salvatti (PT-SC) que propôs a inclusão de servidores públicos dos Ministérios da Justiça e da Previdência Social na composição do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a exigência de que esse órgão seja informado primeiro sobre as operações financeiras suspeitas.
Na justificativa, Simon diz que a inclusão do MP no Coaf não é conveniente e que "um órgão como o Coaf, que integra a estrutura do Poder Executivo e detém discricionariedade para formular políticas de repressão a crimes de lavagem, seja integrado por representante do MP, órgão não subordinado a esse poder". A exclusão do MP, diz o texto, não inibe sua atuação paralela, ao contrário, realça sua independência, em relação ao Poder Executivo e demais poderes, no combate à lavagem de dinheiro.
Disputa no Supremo
Os questionamentos sobre a atuação do Ministério Público começaram em abril de 2003 com a chegada ao Supremo Tribunal Federal (STF) do Inquérito 1968 contra o deputado ex-deputado Remi Trinta (PL-MA), acusado de fraudar o Sistema Único de Saúde. As investigações foram feitas pelo Ministério Público Federal (MPF). Em sua defesa, o deputado alega que os procuradores não teriam competência para fazer uma investigação criminal.
No último dia 15, o processo foi arquivado porque o deputado não se reelegeu e perdeu o foro privilegiado, ou seja, o direito de ser julgado apenas pelo Supremo. Mas outros dois habeas-corpus que tratam da questão devem ser apreciados pelo Plenário do STF, em data ainda a ser definida.
Um deles foi impetrado por Sérgio Gomes da Silva, conhecido como Sombra, e um dos acusados do assassinato do então prefeito de Santo André (SP), Celso Daniel (PT). O acusado também alega, segundo o documento, "insubsistência da ação penal por ter sido embasada em investigação promovida pelo Ministério Público". O Congresso em Foco tentou contato com senador Pedro Simon (PMDB-RS), mas não teve retorno até o fechamento dessa edição.
Mais rigor contra a lavagem
Uma das medidas do pacote antiviolência a ser votado pelo Congresso, a proposta tem como objetivo cortar os recursos financeiros do crime organizado eliminando a relação dos chamados crimes antecedentes, previstos na Lei 9.613/98.
De acordo com a lei atual, lavar dinheiro significa ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização e propriedade de bens e valores provenientes de oito tipos de crime: tráfico de drogas, terrorismo, contrabando, extorsão mediante seqüestro, contra a administração pública, contra o sistema financeiro nacional, praticado por organização criminosa e contra a administração pública estrangeira.
Pelo projeto, os recursos financeiros que tiverem origem em qualquer crime ou contravenção penal (como jogo do bicho) poderão ser caracterizados como lavagem de dinheiro. Na prática, a mudança em discussão no Senado também enquadra na Lei de Lavagem de Dinheiro quem tenta ocultar ou dissimular a origem de valores obtidos por meio da sonegação fiscal, o que não é possível hoje.
Além disso, a proposta relatada por Simon aumenta a pena de reclusã