Em artigo publicado na revista Carta Capital, desta semana, o sociólogo Marcos Coimbra, um dos mais atentos analistas políticos do país, aponta cinco idéias falsas que impedem a adequada compreensão de como se formaram as intenções de voto a favor da reeleição do presidente Lula. O sociólogo, que é um dos três sócios do instituto Vox Populi, acredita que o preconceito de que o eleitor não sabe votar é a base para muitos dos erros de análise.
Na avaliação de Marcos Coimbra, com base na última pesquisa Vox Populi, Lula está melhor hoje do que Fernando Henrique Cardoso em meados de setembro de 1998, quando faltava poucos dias para as eleições. "Em pesquisa nossa de então, FHC tinha 41% na espontânea e 49% na estimulada, índices inferiores, ainda que pouco, aos que Lula alcança nesta pesquisa".
Na sondagem realizada pelo Vox Populi, entre os dias 16 e 19 de setembro, não há indicativo de que houve qualquer redução da vantagem de Lula sobre a soma das intenções de votos dos demais adversários, mesmo depois das denúncias envolvendo a compra do dossiê contra políticos tucanos. "Em agosto, contra os 50% de Lula, somavam 36% seus adversários; nesta última pesquisa, ele tem 51% e os outros, juntos, 34%", afirma Coimbra.
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Famoso por ter sido um dos estrategistas da campanha de Fernando Collor de Mello ao Palácio do Planalto, Marcos Coimbra diz que, pessoalmente, acha que Lula ganhará as eleições já no dia 1º outubro. "Pela simples razão de que ele tem já, por tudo que as pesquisas indicam, um número de eleitores decididos amplamente suficiente para isso. Ou seja, as pessoas que dizem ter certeza de que vão votar em Lula bastam, mesmo se desistirem todos os que apenas quando estimulados optam por seu nome, chocados pelo assunto do dossiê".
Confira as cinco idéias falsas sobre o voto em Lula, segundo Marcos Coimbra:
1ª O voto em Lula é um voto "cínico"
O sociólogo afirma que é impressionante como essa idéia (de que o voto em Lula é um voto "cínico") está presente nas opiniões e avaliações de pesquisadores e eleitores. De acordo com Coimbra, "parece estar o argumento que, para quem pretende votar em Lula, ética, moral, respeito às leis, são palavras sem sentido. Aceitar Lula é, assim, aceitar o vale-tudo e o jogo sujo, seja por concordar com ele, seja por não acreditar que exista alternativa".
Marcos Coimbra diz que quem vê os eleitores de Lula dessa maneira não tem idéia de como foi traumático, para a quase totalidade deles, o mensalão e tudo que com ele veio à tona.
"Aquelas denúncias levaram os eleitores a uma revisão profunda de suas opiniões sobre o presidente e o PT, com a qual se debateram durante meses. Quem, como nós, acompanhou esse processo, através de inúmeras pesquisas, qualitativas e quantitativas, sabe que muitos desses, incluindo eleitores que sempre haviam votado Lula, hoje estão pensando em votar nos demais candidatos. Outros, como as mesmas pesquisas mostram, decidiram-se por Lula, mas nunca ignorando ou menosprezando o mensalão.
2ª O voto em Lula é um voto "burro"
Marcos Coimbra argumenta que muitas pessoas da elite ficam perplexas com a "burrice" do eleitor, que não consegue entender o mensalão e todas as outras denúncias que envolveram a cúpula do PT nesses últimos anos. Ele diz que a isso se agrega a visão de que eleitores educados não votam em Lula, sendo apenas entre analfabetos que está sua intenção de voto.
"Os dados dessa e de muitas outras pesquisas não mostram isso, ao contrário. Lula não perde de Alckmin em nenhum nível de escolaridade e, em seu pior desempenho, empata com ele entre pessoas com escolaridade mais alta. Ou seja, há tantos eleitores com educação superior pensando em votar Alckmin, quanto em Lula".
3ª O voto em Lula é um voto "manipulado"
Segundo Marcos Coimbra, uma terceira forma de desqualificar a opção por Lula é dizer que o voto no petista é "manipulado" por mistificações de vários tipos, da comunicação e do marketing, mas, especialmente, do Bolsa-Família.
"Essa tese não se sustenta em nada de sólido. As evidências de que o Bolsa-Família "explica" o voto em Lula nas famílias beneficiárias, ao contrário, são muito frágeis. Para sustentar o argumento, seria necessário mostrar, por exemplo, que eleitores de famílias análogas, mas onde não há beneficiários, votam de maneira significativamente diferente, coisa que, até agora, não foi demonstrada com adequado rigor". Coimbra acrescenta que não há qualquer relação entre viver em município de "baixa" ou "muita alta" cobertura e votar ou não votar em Lula.
"O Bolsa-Família é importante fator de voto em Lula, ainda que menos, para o eleitorado popular, que a política de salários e de preços que, em seu entender, o governo pratica e que é boa. Ambos são uma confirmação do que mais esperavam de Lula como presidente, por tudo o que ele tinha sido na vida: alguém que ia fazer diferença exatamente aí, nas condições de vida dos mais pobres. O Bolsa-Família é muito mais significativo como símbolo, do que como a "esmolinha" que muitos imaginam que é. O programa é a promessa cumprida, o compromisso básico que Lula honrou", afirma.
4ª O voto em Lula é um voto "nordestino"
Sobre o assunto, o sociólogo declara que das teses não substanciadas sobre o voto em Lula, essa é a que mais facilmente se desmente, por entender que sua vitória seria uma oposição entre o Brasil "moderno" e o "atrasado".
"Em outras palavras e ao contrário do que imaginam muitos: Lula parece ter condições de vencer as eleições no primeiro turno, com ou sem o voto do Nordeste. É fato que ele tem muitos votos na região, mas também é verdade que ele é votado, e muito, no que essas pessoas pensam ser o Brasil ‘moderno’".
5ª O voto em Lula é um voto de "miseráveis"
De acordo com Marcos Coimbra, a base para o equívoco de que o voto em Lula é de "miseráveis" e contra a vontade do resto do país é a apressada leitura de resultados de pesquisas que mostrariam que Lula "perde muito" nas classes de renda mais alta, mas compensa com uma boa intenção de votos entre os muito pobres.
"Qualquer profissional de pesquisa sabe que tirar conclusões de subamostras muito limitadas não é admissível. Na maior parte das vezes, no entanto, é isso o que ocorre: em uma amostra nacional com 2 mil entrevistas (qualquer que seja o tamanho de eventuais expansões estaduais), entrevistados de famílias com mais de dez salários mínimos de renda, são cerca de cem, se não se fizer uma cota específica. Em um estrato desse tamanho, a margem de erro pode passar de 30%, tornando qualquer interpretação puro exercício de fantasia".
Coimbra avalia que os dados mostram que Lula e Alckmin estão muito próximos na intenção de voto desse tipo de eleitor. "A rigor empatados, na margem de erro, nacionalmente. Não há, portanto, razão para dizer que o voto em Lula é "miserável". Considerando apenas os segmentos com renda relativamente mais elevada, ele tem tantos votos quanto o candidato do PSDB".